O Brasil apresenta uma posição privilegiada para a transição energética. O alto nível de renováveis em sua matriz elétrica resulta em baixas emissões e cria as condições ideais para permitir a descarbonização por meio da eletrificação e produção de produtos com baixa pegada de carbono.
Ainda há, contudo, incertezas sobre o futuro dessa matriz, com políticas impulsionando o aumento da participação de combustíveis fósseis e o maior crescimento de demanda pela eletrificação da economia.
Estudo recente da consultoria PSR para o Banco Mundial, que fez parte do Relatório sobre Clima e Desenvolvimento para o País, mostra que é possível o setor elétrico alcançar zero emissões, mesmo com o aumento de demanda elétrica decorrente da transição energética.
Neste artigo, elaborado a convite do Instituto E+ Transição Energética, apresentamos os principais cenários para a expansão do setor elétrico brasileiro até 2050 considerados no estudo:
- Business as Usual (BaU) – Cenário de referência, sem considerar políticas de descarbonização;
- Descarbonização profunda do setor elétrico (DDPS) – Cenário com meta de atingir zero emissões no setor elétrico até 2050.
- Cenário de Alta Eletrificação (HES) – Cenário com meta de zerar emissões e um aumento significativo de carga devido à eletrificação de outros segmentos da economia (indústria, transporte e produção de hidrogênio verde – H2V).
Para cada um desses cenários, foi obtido o plano de expansão do sistema elétrico, utilizando os modelos da PSR OptGen (planejamento da expansão), SDDP (operação do sistema) e Time Series Lab (cenários de geração renovável).
A partir dessa cadeia de modelos foi possível determinar a expansão ótima do sistema que minimize o valor presente do custo de investimento mais o valor esperado do custo de operação, respeitando o atendimento à carga total e restrições operativas do sistema.
Sem políticas de descarbonização
O cenário BaU considera um aumento de demanda em quase duas vezes entre 2021 e 2050. Essa demanda adicional é atendida principalmente pela expansão das fontes eólica onshore e solar (centralizada e distribuída), de 46 GW e 92 GW, respectivamente, até 2050.
Há também um pequeno crescimento de hidrelétricas e biomassa e a entrada dos 8 GW de térmicas a gás natural inflexíveis estabelecida na Lei de capitalização da Eletrobras (Lei 14.182/2021).
Esse cenário já conta com a inserção de novas tecnologias no sistema, como eólicas offshore e usinas hidrelétricas reversíveis (UHRs).
Os projetos eólicos offshore começam a entrar depois de 2040, quando a tecnologia se torna economicamente competitiva de acordo com premissas adotadas pelo estudo. As UHRs também entram no final do horizonte, porém seu intuito é prestar serviços de flexibilidade para o sistema.
A entrada é tardia e reduzida, pois assume-se que as hidrelétricas existentes teriam capacidade de prover esta flexibilidade operativa. Esta hipótese pode estar otimista, considerando-se as restrições hidráulicas nas bacias hidrográficas. Se assim for, a entrada das UHRs seria antecipada e seu montante aumentado.
Net Zero 2050
Para o cenário DDPS, com o objetivo de atingir zero emissões em 2050, foi proibida a entrada de novas usinas térmicas a combustível fóssil, que já não estejam em construção, e foi considerado que as existentes seriam desativadas após o término do contrato de fornecimento.
Para compensar a saída dessas térmicas, o modelo selecionou mais energia eólica onshore, dado seu alto fator de capacidade e complementaridade sazonal com as hidrelétricas. O sistema resultante foi 99% renovável e 1% nuclear, atingindo a meta de zero emissões.
Menor custo total
Ao contrário do esperado, esse cenário resultou em custos totais menores (cerca de 15%) do que o cenário BaU.
A construção de ativos de geração renovável e transmissão para escoar energia principalmente do Nordeste para o Sudeste implica maiores custos de investimento, porém diminui o custo de operação ao reduzir o uso de combustíveis fósseis.
Além disso, uma parte significativa da economia de custos operacionais resulta da não construção dos 8 GW obrigatórios de usinas térmicas.
Cenário de Alta Eletrificação
A mesma premissa de descomissionamento térmico adotada para o DDPS foi utilizada no cenário HES. Como esperado, os investimentos são significativamente maiores, dado que a carga elétrica em 2050 atinge um valor 50% maior do que a carga do cenário BaU, pela maior eletrificação da economia e produção de H2V.
Esse cenário admite uma inserção bem maior de eólicas onshore e solar, além da entrada mais agressiva de eólica offshore e UHRs, que apresentam, respectivamente, 28 GW e 39 GW de capacidade instalada em 2050.
Por fim, o cenário também admite a entrada de térmicas offshore em plataformas do pré-sal que funcionam com gás associado e injetam o CO2 produzido de volta no campo, representando uma térmica de baixo carbono.
Maior custo incremental
Esse cenário apresentou um custo total para o setor elétrico 53% maior do que o DDPS, ou seja, há um custo incremental maior de eletrificar outros setores da economia.
No entanto, considerando a redução no uso de combustíveis fósseis devido à eletrificação e as receitas da exportação de H2V, o valor presente dos custos totais do HES é apenas 12% maior.
Os resultados mostram o benefício econômico em expandir o setor elétrico brasileiro com energia renovável e sua capacidade de atender à demanda adicional de eletrificação e produção de H2V, com a inserção de novas tecnologias de geração e armazenamento.
Os principais desafios, portanto, para atingir a descarbonização do setor elétrico não são técnicos, porém institucionais, reforçando a necessidade de ter um planejamento energético eficiente, livre do impacto de políticas desalinhadas com os interesses público e ambiental.
Luana de Souza Gaspar é especialista em descarbonização e ESG; Rafael Kelman é diretor-executivo; e Lucas Yukio Okamura é consultor na área de planejamento energético da PSR.