BRASÍLIA – Autor do requerimento da audiência pública sobre Furnas que aconteceu na semana passada, o deputado Domingos Sávio (PSDB/MG) disse que a situação atual do reservatório é fruto de falta de planejamento e “um planejamento errado” por parte do governo e dos agentes do setor.
“O ONS antes ficava batendo na tecla do menor custo. Claro, todos nós queremos energia por custo menor. Agora, como você chega à conclusão desse menor custo? Tem que computar a repercussão desse tipo de gestão das águas que está prejudicando milhares, já chega na casa de milhões de pessoas”, afirma o deputado à epbr.
Em audiência pública praticamente exclusiva da bancada mineira, deputados cobraram o governo por ações para recuperação do nível do reservatório da usina.
A avaliação do deputado foi a mesma apresentada por representantes dos governos de Minas Gerais e São Paulo e da sociedade civil.
“Não temos um problema de clima, mas temos um de falta de gestão competente”, disse o diretor da União dos Empreendedores do Lago de Furnas e Peixoto (Unelagos), Thadeu Alencar.
No final de junho, a Presidência da República moveu uma ação contra a tentativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) de tombar os reservatórios da Bacia Hidrográfica do Rio Grande, criando cotas mínimas, antes sujeitas a decisões de órgãos federais.
O conflito entre o governo federal e Minas Gerais pela gestão do Lago de Furnas chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) no momento em que o Ministério de Minas e Energia (MME) preparava a medida provisória 1055 para alterar a gestão das grandes hidrelétricas, diante da crise energética.
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Gestão dos reservatórios
Em entrevista ao político epbr — serviço da agência epbr para empresas — Domingos Sávio pontuou que começa a ver pequenos sinais de mudanças na fala especialmente do Operador Nacional do Sistema (ONS) em relação ao uso dos reservatórios para geração de energia.
Ele defende que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) seja o principal órgão para definição da vazão das águas, levando em conta seu uso múltiplo. ONS e Ministério de Minas e Energia (MME) teriam que se planejar a partir do que for definido pela agência.
Também exigiu que tanto o MME quanto o ONS entreguem em 45 dias um planejamento com ações concretas para a recuperação do reservatório.
Caso não aconteça, prometeu que a situação pode causar maior indisposição da bancada com o governo — fazendo com que a MP da Crise Hídrica se torne o local para fazer novas mudanças no setor elétrico.
Não seria a primeira vez que o governo não cumpriria algo do tipo. No final de 2020, o ministro Bento Albuquerque foi a Minas Gerais e se comprometeu a trabalhar para elevar o nível do reservatório e que isso seria apresentado de forma periódica à sociedade, a cada dois meses.
Os trabalhos, entretanto, não avançaram.
O pedido de parlamentares da região é antigo e tem como principal aliado no Congresso o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG). Eles defendem que o lago seja mantido na cota 762 para que a água possa ser usada, além da geração de energia, para atividades como turismo, lazer e irrigação de municípios da região.
Os deputados mineiros aprovaram, ano passado, a criação de cotas mínimas para o Lago de Furnas (762 metros) e Lago de Peixoto, da UHE Mascarenhas de Moraes (663 metros), “de modo a assegurar o uso múltiplo das águas”, diz a emenda à Constituição do estado.
Em 24 de junho, o nível de Furnas estava em 758 metros e 31% do volume útil; Mascarenhas de Moraes, em 660 metros e 49%.
ENTREVISTA-Deputado federal Domingos Sávio (PSDB/MG):
Com base na audiência pública, o senhor vê alguma mudança no que tem falado ONS, MME e ANA sobre a situação dos reservatórios?
Eu percebo algumas novidades. Embora possam parecer sutis, elas são fundamentais porque têm um efeito prático.
O ONS antes ficava batendo na tecla do menor custo. Claro, todos nós queremos energia por custo menor. Agora, como você chega à conclusão desse menor custo? Tem que computar a repercussão desse tipo de gestão das águas que está prejudicando milhares, já chega na casa de milhões de pessoas.
Só no Lago de Furnas, é um milhão e meio. O ONS mostrou em um gráfico que, se já tivesse atentado para um novo modelo de gestão do setor, nos últimos dez anos em que a gente praticamente não alcançou a cota 762 em quase nenhum momento, ficaríamos quase que o tempo todo acima dela, só com alguns momentos abaixo.
Nós temos um reservatório e não utilizamos. Agora, para poder chegar, utilizar, você tem que ter um planejamento hídrico e tem que ter uma fase inicial de esforço conjugado que envolve a agência.
A agência tem que impor a sua autoridade e dizer: eu quero controle de vazão a partir deste mês. O Operador Nacional do Sistema, ciente do controle de vazão, tem que ter a clareza de buscar outras fontes, inclusive de termoelétrica.
Mas o MME tem dito que isso é um problema excepcional…
Esse problema está se repetindo anos após ano. Não tem cabimento. Nós temos que tomar atitudes objetivas agora que possibilitem ampliar e diversificar a matriz energética e isso está na pauta.
Eu acho que uma das coisas que essa audiência e esse fortalecimento desse conceito do uso múltiplo das águas contribui é para a luta em defesa da energia fotovoltaica, da energia eólica, da energia de biomassa, das fontes alternativas de energia.
Até de quebrar um pouco o preconceito da energia nuclear e discutir, vem cá, o Brasil precisa mesmo?
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Essa mudança na operação, mesmo que a partir de agora, levaria então a reservatórios mais cheios?
É isso que vai acontecer. Você tem um sacrifício no primeiro momento, mas você não fica nesse reservatório mais alto indefinidamente. Se tiver um ano bom, com o reservatório cheio, pode-se baixar até 762.
Mas se teve um ano desastroso e em novembro, logo após a seca, coloca abaixo de 762, ninguém vai parar o Brasil por causa disso. A meta é 762. Mas em uma situação absolutamente excepcional, se cair um pouco dela, não é problema.
O que nós temos hoje é uma situação vergonhosa. Por isso que essas audiências estão fazendo a gente amadurecer, aprender sobre o setor. E também fazer com que o governo se debruce sobre o problema e veja que ele tem que resolver.
Sobre essa mudança de operação, isso partiria de quem exatamente?
Eu estou cobrando ali que esse tripé se entenda, mas eu insisto no protagonismo da ANA. A agência tem que dizer o que que ela quer.
A partir desse momento, ONS e ministério têm que buscar as formas de se adequarem a essa realidade.
Nessa questão hídrica, claro que ela [ANA] tem que ter essa função. Senão qual que é o papel dela? Se o ONS e o ministério dizem o quanto precisam de energia, ela vai dizer amém?
Eu, por exemplo, não gostei daquela resolução ali e falei. Ela [a resolução] inverte o raciocínio ao dizer que se exige que Furnas mantenha 15% do volume. Não está exigindo coisa nenhuma. Eu estou deixando claro que você pode usar até 15%, limite que nunca foi passado.
Segundo o próprio presidente de Furnas, é um limite perigoso. Na medida que você vai baixando o volume, você coloca em risco a operacionalidade das turbinas.
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O senhor acha que faltou planejamento do governo?
Claro que faltou. Além de faltar planejamento, as pessoas estão acomodadas em determinadas posições. Não é só falta de planejamento. É planejamento errado e planejamento errado de quem vem sendo autoritário, achando que ‘eu é que planejo’.
Eu digo, deixa essa turma chiar, passou esse tempo. Nós vamos endurecendo agora cada dia mais, mas agora já colocamos numa legislação na MP da Eletrobras.
Eu, por enquanto, sou ainda da ala diplomática. Acho que a gente pode resolver pela diplomacia. Mas eu deixei uma proposta clara ali. Eu quero em 45 dias um planejamento. Se esse planejamento não sair, aí compraram briga com o Domingos Sávio e com todo mundo lá de Furnas, com a bancada.
Espero que em 45 dias a gente tenha um planejamento de quais serão as ações concretas para a recuperação dos níveis no período mais crítico.
E sobre a nova MP 1055, que cria a CREG sem a participação da ANA. O senhor acha que tem como a MP atrapalhar os planos da bancada mineira para Furnas?
Tem uma lógica em não incluir a ANA. Poderia, mas não seria o correto.
As agências são órgãos reguladores. Se você colocar o órgão regulador para elaborar uma política pública, ele perde autoridade de regulação.
Mas nós temos que fazer dela [a MP] um instrumento a nosso favor, porque o que ela está constatando é o que a gente já constatou há mais tempo.
Não vamos resolver o problema energético do Brasil com reservatório vazio.
O secretário do ministério [de Minas e Energia] falou que nós temos lá uma capacidade de geração, mas é com os reservatórios cheios.
Como operamos o ano inteiro com ele do meio para baixo, aquela capacidade de geração cai para a metade.
Significa que estamos em uma iminente crise de geração de energia gravíssima. E o pior, tendo ferramentas para resolver. Só que nós somos imprudentes, os reservatórios — e o próprio nome já diz — são pra reservar, e nós não usamos.
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