Diálogos da Transição

De biodiesel a solar, os planos para descarbonizar a matriz da Amazônia

Governo pretende reduzir em 70% a geração térmica a combustíveis fósseis na região Amazônica até 2030

Projetos para a descarbonização da Amazônia vão de biodiesel a solar. Na imagem: Projeto ‘Sempre Luz’, parceria entre a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e a empresa Unicoba da Amazônia, para levar energia solar fotovoltaica a comunidades ribeirinhas e indígenas do Amazonas (Foto: Divulgação FAS) 
Projeto ‘Sempre Luz’, parceria entre a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e a empresa Unicoba da Amazônia, para levar energia solar a comunidades ribeirinhas e indígenas do Amazonas (Foto: Divulgação FAS)

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Diálogos da Transição

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Editada por Nayara Machado
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Das 675 milhões de pessoas sem eletricidade no mundo, um milhão estão no Brasil – e 990 mil na Amazônia Legal, segundo estimativas do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).

Embora a região abrigue grandes hidrelétricas que geram energia para o restante do país, esbarra em uma série de dificuldades quando o assunto é universalização do acesso à energia.

No Amazonas, Pará, Acre, Rondônia e Roraima várias cidades carecem de infraestrutura para serem conectadas ao sistema nacional, fazendo com que a energia gerada venha do diesel – caro, poluente e emissor de CO2.

Nesta sexta (4/8) o presidente Lula (PT) e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD) anunciaram que pretendem reduzir em 70% a geração térmica na região Amazônica, ao mesmo tempo em que levam energia renovável a três milhões de consumidores até 2030.

São diversas frentes, desde ampliação das redes de distribuição até o início das obras para conectar Roraima ao sistema nacional, passando pela substituição da geração a diesel por alternativas renováveis.

Cúpula da Amazônia

É uma forma de sinalizar ao mundo a boa vontade do governo brasileiro em relação à agenda de descarbonização. O governo mira a captação de recursos externos para financiar parte dos projetos da região.

Na próxima semana, Belém do Pará vai sediar a cúpula da OTCA (Organização para o Tratado de Cooperação da Amazônia), com os holofotes mundiais voltados para as ações de proteção à floresta e ao clima do planeta.

Também será sede da COP30, a conferência climática da ONU de 2025.

O país tem argumentado que já faz seu dever de casa com uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Fica feio ter a região – que abriga a maior floresta tropical do globo – abastecida por combustível fóssil.

Uma das iniciativas lançadas em Parintins (AM) nesta sexta é a Energias da Amazônia.

A ideia é substituir as termelétricas a diesel nos 211 sistemas isolados da região por geradores movidos a fontes renováveis como biodiesel, solar, biogás e biomassa. Estão previstos investimentos na ordem de R$ 5 bilhões.

De acordo com o ministro, além da melhoria da segurança e da qualidade do ar, o projeto vai diminuir os encargos repassados aos consumidores de energia.

O governo calcula que a combinação das diversas medidas para levar eletricidade renovável às pessoas que vivem na Amazônia vai evitar a emissão de 1,5 milhão de toneladas de CO2 na atmosfera causada pelo consumo de quase 4 milhões de litros de óleo fóssil por mês. Leia na cobertura de Millena Brasil

Mais Luz para a Amazônia

A iniciativa é importante para levar o conceito de transição justa às comunidades dos sistemas isolados, mas não parte do zero. 

Instituído em fevereiro de 2020 pelo governo anterior, o Programa Mais Luz para a Amazônia (MLA) deixa algumas lições para o novo programa.

Com meta de levar energia limpa e renovável a 70 mil famílias com recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), o MLA encontrou pelo menos dois obstáculos pelo caminho: logística e profissionais locais qualificados.

E a solução encontrada pela iniciativa privada para contornar as pedras no caminho foi incluir a comunidade nessa transição, qualificando os moradores para atuarem de forma ativa na operação e manutenção dos sistemas.

Outra questão é a logística reversa dos painéis e baterias no fim da vida útil. Considerando apenas os dados do MLA, um estudo do Iema estima que, ao final da vida útil dos sistemas, seriam produzidas entre 71 mil e 237 mil toneladas de resíduos – superior à atual coleta anual de equipamentos eletroeletrônicos de todo o Brasil.

Embora usar a radiação solar para gerar energia seja mais barato e menos poluente que queimar diesel, a instalação dos sistemas precisará vir acompanhada de um planejamento de retirada e reciclagem dos resíduos (módulos FV, baterias e componentes), em escala e de forma distribuída, explicam os cientistas do Iema.

Lacuna global

Acesso a eletricidade significa poder usufruir de uma série de confortos, mas também de situações básicas como poder guardar alimentos na geladeira, ligar um liquidificador na tomada, carregar a bateria do celular, acender a luz para estudar.

E mesmo com a expansão recorde de energias renováveis no mundo nos últimos anos, a lacuna de pessoas que podem ligar um aparelho na tomada permanece elevada.

Relatório das agências internacionais de energia IEA e Irena mostra que, entre 2010 e 2021, a porcentagem da população mundial com acesso a eletricidade aumentou de 84% para 91%, o que significa mais de um bilhão de pessoas incluídas.

No entanto, o levantamento afirma que o ritmo de crescimento do acesso desacelerou em 2019-2021 em comparação com os anos anteriores.

“Os esforços de eletrificação rural contribuíram para esse progresso, mas ainda existe uma grande lacuna nas áreas urbanas”.

O uso de eletricidade renovável no consumo global cresceu de 26,3% em 2019 para 28,2% em 2020, o maior aumento em um único ano desde o início do acompanhamento do progresso dos ODS.

Embora a expectativa vá em direção à expansão da capacidade renovável e melhoria da eficiência energética, em meio a políticas de resposta à crise global de energia, os cálculos mostram os fluxos financeiros públicos internacionais diminuindo quando se trata de apoiar energia limpa em países de baixa e média renda.

Em 2021, os aportes ficaram em US$ 10,8 bilhões, 35% a menos que a média de 2010-2019 e apenas cerca de 40% do pico de US$ 26,4 bilhões em 2017 nessas regiões.

Além disso, aponta o financiamento limitado: 19 países receberam 80% dos fluxos.

Cobrimos por aqui:

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