Cortes de geração

Curtailment e baterias: o casamento perfeito?

Análises econômicas mostram que o casamento entre os cortes de geração (curtailment) e as baterias pode ter um final feliz, escrevem Fabiola Sena, Cristiane Araújo e Marcelo Loureiro

Bateria de grande porte para armazenamento de energia gerada por painéis solares fotovoltaicos (Foto: Sabine van Erp/Pixabay)
Bateria de grande porte para armazenamento de energia fotovoltaica | Sabine van Erp/Pixabay

Em artigo anterior, a FSET explicou o fenômeno dos cortes de geração e apresentou uma análise dos impactos recentes aos agentes eólicos e solares. O impacto financeiro acumulado em 2024 já alcança R$ 711 milhões para usinas eólicas e R$ 165 milhões para as usinas solares (valores atualizados até setembro de 2024).

Esses valores referem-se exclusivamente à exposição ao Mercado de Curto Prazo (MCP), que é valorada ao Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) de cada momento em que acontece o corte. Os cálculos apresentados foram elaborados utilizando-se as bases de dados abertos disponibilizadas pelo ONS e pela CCEE e a metodologia proprietária da FSET para análise dos cortes.

O setor tem discutido a viabilidade e o espaço de soluções regulatórias e legais para o ressarcimento destes impactos, sem aparente êxito. É aqui que uma solução de mercado, que tira partido da volatilidade de preços horários e é utilizada em outros países, começa a fazer sentido: a implantação de baterias associadas a centrais geradoras. 

Neste modelo, tanto o custo da energia para o carregamento da bateria quanto a receita pela injeção da energia no sistema são liquidados ao Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) no Mercado de Curto Prazo (MCP). Ou seja, a receita total do projeto é uma composição entre:

  • A receita variável, oriunda da arbitragem de preços entre períodos de carga/descarga;
  • E a receita fixa, na eventualidade da bateria sagrar-se vencedora do próximo Leilão de Reserva de Capacidade previsto para junho de 2025;

Para responder à pergunta do título do artigo, a FSET realizou a avaliação econômico-financeira de um banco de baterias implantado de forma associada a uma usina eólica no Rio Grande do Norte. Foram modeladas as receitas variáveis (advindas da arbitragem) e fixas, Contrato de Reserva de Capacidade (CRCAP).

Como referência para dados de investimento e O&M, foi utilizada a bateria recentemente implantada pela ISA CTEEP na cidade de Registro (SP). O equipamento possui 30 MW de capacidade instalada, vida útil de 17 anos, CAPEX aproximado de R$ 5.000/kW e OPEX estimado em 2% do CAPEX.

Os dados de CAPEX utilizados estão alinhados com o Caderno de Custos de Geração e Transmissão do Plano Decenal de 2034, que apresenta os seguintes dados para sistemas de armazenamento com baterias de íon lítio (BESS) para operação estimada de 3 horas:

  • Vida útil econômica de 20 anos;
  • CAPEX entre 5.000 e 9.500 R$/kW;
  • O&M de 100 a 130 R$/kW, ao ano;
  • Taxas, encargos e impostos de 270 a 290 R$/kW, ao ano;

Para os fins deste estudo simplificado, foi considerada uma curva de 4 horas de carga e de 4 horas de descarga para os todos os anos da vida útil do equipamento. Porém, foi utilizada uma taxa linear para a degradação da capacidade do equipamento de 4% ao ano.

Para estimar a receita variável, associada à arbitragem de preços horários, foi computada a despesa associada ao carregamento (4 horas) e a receita associada à descarga (4 horas). Foram adotados diversos dias típicos, com diferentes níveis de receita oriunda da arbitragem de preços horários, além de 365 ciclos de carga/descarga ao ano.

A análise considerou que haverá uma composição de dias típicos ao longo dos 17 anos de vida útil do equipamento. Não foram considerados quaisquer receitas adicionais advindas de prestação de serviços ancilares pelos equipamentos.

Os principais achados das análises de sensibilidade no modelo econômico-financeiro proprietário da FSET são:

  • A competitividade de uma bateria no leilão é bastante sensível em relação à estrutura de capital (BNDES, debêntures e capital próprio). Nesse sentido, a divulgação das condições de financiamento pelo BNDES é um tema bastante relevante e um posicionamento público do banco poderá reduzir incertezas e melhorar o resultado do leilão para o consumidor.
  • Um aumento da participação de debêntures em relação ao BNDES na estrutura de capital permite reduzir a receita fixa pelo efeito combinado com o ICSD (Índice de Cobertura do Serviço da Dívida) e, portanto, aumentar a competitividade no leilão.

    Isso resulta também em uma redução de TIR, visto que a debênture é um financiamento mais caro em relação ao BNDES. No entanto, os resultados também demonstram que com uma receita variável, ainda que conservadora, é possível recuperar a TIR para o valor anterior à alteração da estrutura de capital.
  • A implantação de sistemas de armazenamento com baterias ainda necessita de receita adicional à receita variável, ou seja, o Leilão de Reserva de Capacidade é um instrumento relevante para o modelo de negócio. Por outro lado, as premissas na consideração de receita advinda da arbitragem no modelo econômico-financeiro devem ser estimadas com a devida cautela.
  • Usinas com cortes de geração significativos, sobretudo usinas eólicas, tendem a adicionar mais valor no modelo de negócio, haja vista a possibilidade de custo nulo com carregamento. A arbitragem bem ajustada tem o potencial de aumentar a TIR em até 6pp.
  • A evolução da matriz elétrica e, consequentemente, a forma de operar esse sistema, cumprem papel relevante nos preços e, consequentemente, no valor adicionado pela arbitragem no modelo de negócios. Sendo assim, quaisquer alterações legais (como a mudança do modelo para oferta de preços) e regulatórias (como os níveis de PLD mínimo e máximo) impactam diretamente o modelo de negócio da bateria.

É importante ressaltar que a análise aqui apresentada deve ser detalhada caso a caso, considerando as especificidades de cada projeto: capacidade instalada, curva de degradação de carga, ponto de conexão, tarifas de uso do sistema, montantes de uso, estrutura de capital, detalhamento do CAPEX e otimização do OPEX.

No entanto, alguns temas de natureza regulatória, que carecem de esclarecimentos, mas que podem ser tratados como sensibilidades no modelo, aplicam-se a todos os casos:

  • Quais os tipos de serviços ancilares poderiam ser prestados pelas baterias? Como seriam remunerados?
  • Qual tarifa de uso será aplicada aos sistemas de armazenamento:  tarifa de uso do consumo ou da geração?
  • Considerando-se que o consumo líquido mensal de um sistema de armazenamento tende a zero, os encargos (CDE, Proinfa, ESS, EER, ERCAP) devidos pelas baterias também seriam nulos?
  • Haveria compensação financeira por constrained-off em caso de indisponibilidade externa?

Enfim, as análises de sensibilidade no modelo econômico-financeiro mostram que, a depender das premissas, o casamento entre cortes de geração e sistemas de armazenamento pode, sim, ter um final feliz.

Fabiola Sena é CEO e fundadora da FSET; Cristiane Araújo é sócia da FSET, especialista em regulatório e estudos de mercado; e Marcelo Loureiro é associado da FSET.