O Brasil tem hoje a capacidade de ampliar em grande escala a produção nacional de gás natural, além mesmo da demanda do seu atual mercado consumidor. Entretanto, a falta de infraestrutura de escoamento, transporte e distribuição constitui uma barreira para o aproveitamento do enorme volume de gás – associado ou não associado ao petróleo, que poderia ser produzido.
Por conta disso, muitas vezes, as petroleiras são obrigadas a optar pela reinjeção, ou deixar de produzir face ao baixo valor de compra praticado pelo agente dominante, a Petrobras, até agora o único possível comprador de todo o gás produzido no País, adiando a disponibilização dessa riqueza fundamental para catalisar o nosso desenvolvimento.
O trabalho intitulado Gás para o Desenvolvimento, elaborado pelo BNDES e divulgado recentemente, foi bastante oportuno para trazer maior visibilidade para essa questão, detalhando as atividades que poderiam vir a ser estimuladas, de forma a criar um mercado consumidor mais forte e proporcionar a atração de investimentos e substituição de importações.
Esse estudo e a disposição do BNDES de participar como articulador da produção e demanda, bem como financiador dos investimentos, constituem um marco para o desenvolvimento do setor de óleo e gás.
O setor de fertilizantes talvez seja o que mais se destaca, na medida em que o agronegócio é a locomotiva da economia nacional e tem uma dependência da ordem de 80% do fertilizante importado. Parece que agora, por conta da crise econômica decorrente da pandemia, alguns setores do governo já começam a perceber a vulnerabilidade que isso representa.
O estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) sobre fertilizantes nitrogenados mostra que a construção de 5 novas unidades de produção destes fertilizantes, no padrão da UFN III, com consumo total de 10,6 milhões de m³/dia de gás natural, reduziria a dependência de importações de ureia para apenas 10%.
A abertura do mercado do gás natural incentivará o estabelecimento da concorrência no setor, tanto pelo aumento de ofertantes do insumo, como pelo aumento do volume ofertado, face ao gás poder ser carregado diretamente nas malhas de transporte da iniciativa privada, viabilizando o aumento de produção por conta de uma melhor remuneração dos elevados investimentos do setor, e permitindo, de outro lado, uma redução do preço do gás para o mercado, principalmente nos Estados que já possuem um moderno arcabouço regulatório, com um Regulamento de Movimentação de Gás Natural Canalizado para os Consumidores Livres e Auto-Importadores.
A redução do preço do gás natural, por sua vez, possibilitará o retorno do consumo de setores industriais que passaram a utilizar biomassa e também a retomada de algumas indústrias que deixaram de produzir em função da inviabilização do negócio, em decorrência da escalada do preço do gás natural observada nos últimos anos.
Feita esta breve contextualização, passaremos a uma abordagem mais específica, tendo como cenário o Estado de Sergipe que hoje se apresenta como muito promissor para o setor de óleo e gás, a ponto de ser distinguido com muita propriedade por Márcio Félix, então Secretário de Petróleo e Gás Natural do Ministério das Minas e Energia (MME), como “A nova estrela do mercado do gás no Brasil”.
O Estado de Sergipe reúne hoje algumas condições privilegiadas que possibilitam planejar uma participação relevante no cenário de petróleo e gás no Brasil e, em especial, na região Nordeste, dentre elas:
- o funcionamento do primeiro terminal privado de GNL do Brasil, das Centrais Elétricas de Sergipe (CELSE), instalado para suprimento da Termelétrica Porto de Sergipe (1.551 MW), com capacidade de regaseificação de 21 milhões m³/dia e consumo de 6,5 milhões de m³/dia, quando demandada, havendo, portanto, uma disponibilidade estratégica de gás natural para o mercado consumidor; e
- descobertas de óleo e gás natural pela Petrobras em águas ultra profundas no litoral do Estado, com recente confirmação das expectativas através de teste de longa duração realizado no campo de FARFAN. Além da Petrobras, a EXXON adquiriu em parceria com a Enauta e Murphy Oil nove blocos, estando previstos para este ano os primeiros poços exploratórios.
O Estado vem buscando criar condições para a atração de investimentos no setor de óleo e gás, estando alinhado com as diretrizes e políticas do Novo Mercado de Gás do Governo Federal, e dispondo de uma regulamentação bastante avançada que respalda esse propósito.
A perspectiva de produção que se tem, somente dos blocos da Petrobras, é em torno de 20 milhões de m³ de gás natural por dia (EPE – PIPE 2019). Isso traz o grande desafio de desenvolver um mercado consumidor local e de criar infraestrutura de transporte para levar esse gás natural para atender toda a região Nordeste. Já foi endereçada à EPE demanda para elaboração de um estudo específico sobre alternativas de destinação do grande volume de gás que poderá ser produzido no Estado de Sergipe, considerando as riquezas minerais e a sua vocação econômica.
Muitos dos conceitos e estratégias apresentadas pelo BNDES no estudo “Gás para o Desenvolvimento” poderão ser utilizados em Sergipe, como hub offshore, gasoduto offshore e a UPGN compartilhados, reduzindo desta forma os investimentos para cada empresa, uma vez que o gasoduto submarino está estimado em R$ 3 bilhões de reais e a UPGN em R$ 3,5 bilhões de reais (EPE- PIPE 2019).
Estão sendo desenvolvidas ações para atração de empresas consumidoras intensivas de gás para se instalarem no Estado nos setores de cimento, cerâmica, vidro, petroquímica e com ênfase especial ao aumento da produção de fertilizantes nitrogenados e de potássio (Sergipe possui uma Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados – FAFEN e a única mina em produção de potássio no Brasil).
Nesse ponto é que viemos fazer uma abordagem específica que nos motivou a produzir este artigo.
Uma questão absolutamente relevante, que não tem sido ventilada e que precisará ser enfrentada de maneira determinada para o desenvolvimento do mercado consumidor, é a oferta do gás natural com a necessária antecedência para viabilizar o desenvolvimento de projetos industriais que sejam consumidores do gás natural a ser disponibilizado em data futura.
Nenhuma indústria irá se instalar em Sergipe e em nenhum outro lugar para consumir gás natural em volumes expressivos, se não houver a garantia contratual de suprimento futuro do gás natural com preço competitivo, através de contratos firmes, celebrados desde agora.
O tempo necessário para a definição de investimento em um projeto industrial de grande porte e a sua implantação talvez seja superior ao do início da produção do petróleo e gás offshore pela Petrobras e Exxon em Sergipe.
A CEBARRA (mesmo grupo da CELSE) participou do último leilão de energia A-6 com 2 projetos, considerando o suprimento de gás a partir do terminal existente e apropriando o custo do GNL importado. Talvez, se a Petrobras já tivesse aberto a possibilidade de negociar suprimento de gás offshore, os projetos pudessem ter obtido êxito no certame. Está em fase de planejamento, neste momento, uma nova indústria de cimento em Sergipe, sendo passível de análise a substituição da queima do coque por gás natural, mas somente uma posição firme quanto ao suprimento e valor do gás natural possibilitaria a decisão prévia para adequação dos fornos.
A Proquigel está buscando viabilizar um contrato de suprimento de gás natural a preços competitivos para a retomada da produção das FAFEN`s de Sergipe e Bahia e não temos conhecimento de que tenha sido viabilizada a contratação do gás offshore para entrega quando estiver disponível.
A Mosaic Fertilizantes adquiriu o projeto de extração mecânica de potássio da Vale no complexo Taquari-Vassoura a partir do minério silvinita, bem como o projeto a ser implantado de extração do potássio por lavra de dissolução a partir do minério carnalita, nos municípios de Capela e Japaratuba. Este projeto prevê a produção de 1,2 milhão de toneladas/ano de cloreto de potássio, em sua primeira etapa, podendo atingir até 2,2 milhões de toneladas com a maturidade do projeto.
O potássio é um dos intermediários básicos na produção de fertilizantes e o grau de importação do produto é de cerca de 90% do consumo nacional. A viabilização do projeto está condicionada ao suprimento de gás a preço competitivo, sendo estimado o seu consumo na fase inicial de 760.000 m³/dia de gás natural.
Igual tratamento deverá ser dado aos líquidos obtidos no processamento do gás natural, podendo ser oferecidos à indústria petroquímica para que também venham a desenvolver novos projetos.
Caso não se consiga viabilizar um mercado local para consumo do gás natural offshore de Sergipe e uma infraestrutura de transporte para que possa ser levado a outros consumidores, tanto de Sergipe como de outros Estados, restará, além da indesejável reinjeção nos poços, a alternativa de liquefação do gás natural para ser transportado na forma de GNL para outros locais de consumo. A monetização do gás para ser liquefeito se dá em um patamar muito baixo de preço, já que passará a concorrer como uma commodity no mercado internacional.
Entendemos que a abertura da comercialização do gás natural offshore para entrega futura, a partir da data em que estiver disponível, seria fundamental para o desenvolvimento do mercado, podendo ainda contar com o terminal de GNL da CELSE para fazer o suprimento temporário para os projetos que venham a operar antes do gás offshore estar em produção.
A questão do preço do gás natural é outro fator fundamental para o êxito da estratégia, devendo já ser considerado uma forma de vinculação aos preços internacionais, pois, só assim, as indústrias nacionais terão competitividade.
Por fim, vale ressaltar que o gás offshore de Sergipe deverá ter um custo de produção abaixo daquele do pré-sal, já que a distância dos campos produtores ao litoral é muito menor, tendo a parte submarina do gasoduto de escoamento em Sergipe apenas 100 Km, bastante inferior aos comprimentos da Rota 1 (362 Km) e Rota 2 (382 Km).
Além disso, o Governo do Estado reduziu de forma expressiva o ICMS incidente sobre o gás para uso industrial e o GNV, bem como autorizou a criação por lei da região do Complexo Industrial Portuário, próxima ao local onde ficará a UPGN, podendo ser viabilizado o suprimento do gás natural aos consumidores livres através de um gasoduto de distribuição dedicado, sem custo de transporte, e módica tarifa de distribuição, considerando custos de operação e manutenção do gasoduto.
Laércio Oliveira é Deputado Federal (Progressistas/SE) e Marcelo Menezes, Superintendente Executivo da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e da Ciência e Tecnologia de Sergipe (SEDETEC/SE)