Opinião

Compensação por Curtailment na Lei 15.269/2025: Desafios para a Regulamentação

Despacho termelétrico fora da ordem do mérito para elevação da confiabilidade do sistema pode demandar corte de geração renovável, escrevem Bruna de Barros Correia, Julia Calgaro Moreia e João Pedro Groba Mendes Caputo Barreto

Painéis solares fotovoltaicos instalados sobre telhado de residência (Foto schropferoval/Pixabay)
Painéis solares fotovoltaicos instalados sobre telhado de residência (Foto schropferoval/Pixabay)

Sancionada em 24 de novembro de 2025, a Lei 15.269/2025 — originada da MP 1.304/2025 — consolida uma reforma relevante no setor elétrico brasileiro.

Entre os temas centrais da lei, destaca-se a compensação por curtailment (cortes de geração), questão que ganhou força com a expansão de eólicas e solares na matriz elétrica e, sobretudo, após o apagão de 2023, quando diversos agentes passaram a demandar mecanismos permanentes e transparentes de ressarcimento decorrentes de limitação operativa do sistema.

A tramitação da MP refletiu pressões assimétricas: geradores buscavam proteção contra perdas financeiras decorrentes de cortes sistêmicos; consumidores e outros agentes defendiam limites para evitar repasses ampliados à tarifa.

O texto final da Lei acabou estruturando dois regimes distintos de compensação, ambos inseridos na Lei 10.848/2004.

Para o futuro, o art. 1º, §10, VI, estabeleceu um modelo sistêmico — originalmente pensado para operar por meio de ESS — de cobertura dos custos dos cortes por indisponibilidade externa para todas as usinas.

Para o passado, o art. 1-B institui regime regressivo que garante compensação, apenas para cortes em UFVs e EOLs conectadas ao SIN ocorridos entre 1º de setembro de 2023 e a entrada em vigor da lei, mediante assinatura de termo de compromisso e renúncia a ações judiciais.

A interpretação sistemática da Lei 15.269/2025 indica que, no regime regressivo do art. 1-B, haverá integral compensação para os custos associados à indisponibilidade externa e à confiabilidade elétrica.

No regime futuro, a legislação determina que haverá cobertura dos custos relacionados à indisponibilidade externa, conforme o §10.Há, porém, um ponto de ambiguidade que reside no §11 do art. 1º, cuja interpretação deve ser feita em conjunto com o §10.

Embora o §11 vede a inclusão de determinados custos no encargo que financiará o regime futuro, ele deixa aberta a possibilidade de cobertura dos custos vinculados à confiabilidade elétrica, desde que duas condições cumulativas sejam observadas: (i) os documentos de acesso não indiquem previamente a possibilidade de restrição; e (ii) o gerador esteja em plena conformidade com os requisitos técnicos mínimos de conexão.

Será essencial acompanhar a regulamentação do tema pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), inclusive no âmbito da Consulta Pública nº 45/2019 , que pode ter papel decisivo em esclarecer a operacionalização de ambos os regimes.

A agência reguladora poderá abordar hipóteses para que eventos de confiabilidade sejam cobertos pelo ESS, especialmente quando não decorrem de falhas do agente, mas sim de necessidades sistêmicas não previstas nos instrumentos de acesso.

Finalmente, destaca-se que os agentes de geração têm relatado situações em que o corte de geração motivado pela falha de uma função de transmissão que originalmente é classificado como por razão de indisponibilidade externa, pode ser classificado nos dias seguintes tanto como indisponibilidade externa quanto como confiabilidade elétrica.

O motivo é que o Operador Nacional do Sistema (ONS) poder entender que o sistema elétrico, após o primeiro dia, passou a operar em uma nova configuração, ignorando que o novo arranjo decorre de uma indisponibilidade de ativo de transmissão conjuntural e não de uma condição sistêmica estrutural.

Na mesma linha, o despacho termelétrico fora da ordem do mérito para elevação da confiabilidade do sistema, devido às inflexibilidades e restrições operativas das usinas despachadas, pode ocorrer em volume maior do que o necessário, demandando o corte de geração renovável, que pode ser classificado tanto como confiabilidade elétrica quanto por razão energética.

Sendo assim, é fundamental que a regulação da Aneel estabeleça procedimentos e critérios mais objetivos para a classificação dos eventos de curtailment.


Bruna de Barros Correia é sócia da área de Energia do BMA Advogados.
Julia Calgaro Moreira é advogada da área de Energia do BMA Advogados.
João Pedro Groba Mendes Caputo Barreto é integrante na área de Energia do BMA Advogados.

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