Opinião

Como resolver os emaranhados de fios (de telecom) nos postes de energia 

Empresas de telecomunicações usam postes de energia sem contratos, comprometendo a infraestrutura e a segurança, enquanto distribuidoras pedem mais regulação, escreve Marcos Madureira

Postes de rede elétrica próximo ao Colégio Militar de Brasilia, no bairo da Asa Norte (Foto Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Postes de rede elétrica próximo ao Colégio Militar de Brasilia, no bairo da Asa Norte | Foto Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O Brasil conta hoje com mais de 50 milhões de postes que ajudam a levar energia elétrica a mais de 99% dos lares brasileiros. No entanto, essa gigantesca rede de infraestrutura está ameaçada pelo uso inadequado feito por inúmeras empresas de telecomunicação, que lançam fios nos postes de forma clandestina.

Esse uso irregular, sem contrato ou pagamento que garanta a manutenção e a segurança necessárias, ameaça a qualidade dos serviços de distribuição de energia e a própria população.

Antes de tudo, vale entender como este sistema tem funcionado no Brasil. Os postes são operados pelas distribuidoras de energia elétrica, concessionárias responsáveis pela gestão e manutenção desses ativos, que têm como objetivo a prestação do serviço de energia.

E também são compartilhados com empresas de telecomunicações, que precisam firmar contratos para usar os postes, pagando um valor que é usado para a manutenção da infraestrutura e para a redução do valor da conta de luz paga pela população. 

Mas, na prática, isso, muitas vezes não acontece. De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), existem mais de 20 mil empresas de telecom no Brasil que utilizam os postes de energia para fixar seus cabos, fios e equipamentos.

Uso clandestino de postes traz riscos à segurança e à qualidade do serviço de energia

Em 2022, a   Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) solicitou informações sobre os contratos de compartilhamento de infraestrutura às distribuidoras.

Os dados revelaram que 59% dos agentes de telecomunicações que utilizam os postes de distribuição de energia não possuem contratos firmados com as concessionárias que fazem a gestão dos ativos.

Ou seja, são agentes que utilizam clandestinamente os postes, colocando em risco a segurança da população e a qualidade dos serviços de energia.

Como a Anatel não condiciona a apresentação de contratos de compartilhamento para se obter e manter a outorga ou autorização para oferecerem serviços aos clientes, o reflexo tem sido as frequentes cenas de emaranhados de fios de telefonia e internet nos postes, principalmente nos grandes centros do país.

Mas além da questão estética, estamos falando de segurança, com fios de telecomunicação caídos ou fora dos padrões técnicos exigidos.

Assim, a população acaba exposta a riscos e os postes ficam sobrecarregados, podendo resultar em queda dessas estruturas ou incêndios quando os fios de telecom tocam os condutores de energia.

Cientes do problema, as distribuidoras se mobilizaram e vêm dialogando com as empresas de telecomunicações, com sugestões que incluem, por exemplo, a criação de uma governança eficiente e efetiva para a gestão do compartilhamento dessa infraestrutura.

Afinal, além das questões já apresentadas, as concessionárias de energia elétrica, apesar de terem a responsabilidade pelos postes, não têm instrumentos efetivos para corrigir e impedir o desordenamento dos fios.

A resolução conjunta vigente da Aneel e Anatel exige, por exemplo, a notificação prévia para retirada de fiação irregular, o que é impraticável na maioria dos casos de lançamento clandestino de cabos.

Ausência de governança e falta de punição agravam o problema

A atual ausência de governança faz com que a gestão do sistema seja um problema. Não são claras as regras sobre a aplicação de sanções ou cobrança retroativa pelo uso irregular, por exemplo.

Além da concorrência desleal entre as empresas de telecom, já que umas pagam pelo uso e outras não, a falta de consequências jurídicas pelo lançamento clandestino de fios desestimula a regularização, levando a judicializações e morosas discussões entre os agentes. 

Mesmo assim, as distribuidoras não estão de braços cruzados. As concessionárias de energia fazem retiradas contínuas de toneladas de cabos irregulares e clandestinos.

Além disso, emitem anualmente milhares de notificações às empresas de telecom para que retirem cabos, fios e equipamentos abandonados nos postes, regularizem sua ocupação e respeitem as normas de utilização da infraestrutura. Porém, por serem ligações clandestinas, na maioria dos casos é impossível identificar o “dono” do fio irregular para fazer uma intimação. 

Como a regulação da Anatel não exige a comprovação de contratos de compartilhamento com as distribuidoras de energia, o consumidor dos serviços de telecomunicação sequer sabe que pode estar sendo atendido por uma empresa em situação irregular.

Na falta dessa informação, o consumidor pode ser surpreendido pela interrupção do serviço de telecom pela eventual retirada dos fios clandestinos.

Além disso, é comum verificar, poucos dias depois da limpeza dos postes pelas distribuidoras, novas ocupações irregulares feitas por essas mesmas empresas de telecom que atuam ilegalmente, sem a devida fiscalização do setor e sem qualquer punição pela sua conduta 

Para enfrentar o problema de forma mais efetiva e assertiva, a Abradee defende que haja uma definição clara das sanções aplicáveis em casos de irregularidades, para que esta conduta não seja premiada.

É necessário ainda maior poder para regularização e a retirada, pelos agentes de telecomunicações, dos seus ativos que não estejam sendo utilizados.

Além disso, defendemos que a regulação incentive o compartilhamento de fibras entre agentes de telecomunicações, em especial, de empresas que pertençam ao mesmo grupo econômico e que utilizem mais de um ponto por poste, de forma a melhor atender a rápida expansão de empresas do setor.

E, para finalizar, é necessária a definição de preço regulado para a atividade de compartilhamento de infraestrutura, considerando as características sociodemográficas de um país continental e diverso como o Brasil.

As agências reguladoras – Anatel e Aneel – receberam documento da Abradee com as sugestões das distribuidoras para endereçar o problema atual e as empresas seguem à disposição para contribuir para o aperfeiçoamento da regulamentação sobre o compartilhamento de postes.

Acreditamos que uma governança clara permitirá uma solução efetiva do tema. O que precisamos são regras e regulação eficientes, capazes de nos ajudar a tomar a melhor decisão de gestão para os desafios que temos pela frente.


Marcos Madureira é presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).