Os cortes de geração vão afetar os preços praticados no mercado livre de energia, pois os empreendedores devem passar a embutir os riscos nos contratos firmados, indicam especialistas.
As perdas dos agentes alcançaram R$ 1,7 bilhão nos últimos 15 meses, segundo estimativa da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) e da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
O chamado curtailment é um dos maiores temas atuais do setor elétrico, especialmente para as usinas solares e eólicas. Os cortes se intensificaram após o apagão de agosto de 2023.
Os principais motivos dos cortes são o excesso de geração dessas duas fontes e também o congestionamento das linhas de transmissão.
A CEO e fundadora da consultoria FSET, Fabíola Sena, entende que o cenário deve levar a flutuações de preço que devem impactar em acordos futuros.
“Não deve haver mudança de preços em contratos existentes. Já os novos contratos podem vir com preços mais elevados, pois os geradores tenderiam a refletir esse prêmio de risco sobre os preços contratuais”, diz.
O diretor regulatório da Abeeólica, Francisco Silva, classifica o contexto de cortes como “a pior crise” da história da energia eólica.
Geradores têm anunciado prejuízos que chegam a 50% do faturamento e, por esse motivo, os contratos de energia estão passando por alterações.
“Mesmo o empreendedor que não está sendo impactado atualmente está precificando possíveis cortes, porque ele está pensando que a qualquer momento vai poder sofrer também algum tipo de corte nas receitas dele em função de ter algum tipo de problema futuro”, afirma.
O contexto de diminuição dos lucros afeta, inclusive, os investimentos futuros desses grupos no Brasil.
“Temos visto muitas empresas informando que têm refletido sobre o plano de negócio futuro. Estão reavaliando se vale a pena ou não continuar investindo pesado, como muitas delas têm feito aqui no Brasil. Empreendedores renováveis passaram a ter uma aversão a risco e a considerar para os seus novos projetos valores adicionais e prêmios de risco, para poder comportar essa perda”, diz.
ONS anunciou melhorias
O entendimento da Absolar é de que a melhoria na transmissão de energia ainda não foi capaz de resolver o problema. A entidade defende que é necessário corrigir a regulamentação, “que esvazia o direito dos geradores à compensação pelos cortes”.
Em 22 de outubro, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou que a entrada em operação de linhas de transmissão trouxe maior capacidade de escoamento, em níveis similares aos de antes do apagão de agosto de 2023.
O fluxo de energia entre Nordeste-Sudeste/Centro-Oeste passou de 11,6 gigawatts (GW), para 13 GW. Já a carga exportada do Nordeste para o Norte pode ser aumentada em quase 30%, avançando do patamar de 4,8 GW para 6,2 GW.
A Absolar cobra mais investimentos em infraestrutura, com ampliação das linhas de transmissão e novas tecnologias para armazenar a energia. O Ministério de Minas e Energia (MME) deve lançar um edital específico para a implantação de baterias em 2025.
Os cortes de geração terão ainda repercussões judiciais e regulatórias, na avaliação do advogado João Marcos Neto, especialista em litígios de infraestrutura do Toledo Marchetti Advogados.
“Esse assunto tem sido debatido administrativamente na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e até na Justiça. Por enquanto, está sendo questionado via associações, mas temos visto judicialização no intuito de forçar a agência a regulamentar essa questão, que ainda parece não ter uma regra concreta para acalmar o mercado”, diz.