BRASÍLIA — Até 2035, o Paraguai vai depender de 50% da energia gerada pela usina hidrelétrica de Itaipu, o que deverá ter reflexos no Sistema Interligado Nacional (SIN) brasileiro. Com menos potência proveniente da empresa binacional, o Brasil precisará buscar outras fontes firmes para garantir a segurança do suprimento.
Itaipu tem uma potência instalada de 14 gigawatts (GW), sendo que metade da energia gerada pertence ao Brasil e a outra metade, ao Paraguai.
Como os paraguaios não consomem todo esse volume, o excedente é cedido ao Brasil. Atualmente, o Paraguai depende de 31% da eletricidade gerada pela hidrelétrica, mas a proporção tem subido nos últimos anos.
Entre as causas desse incremento está a mineração de criptomoedas, uma tendência que encontrou no Paraguai um terreno fértil por conta do custo dos equipamentos e pelo baixo preço das contas de luz.
Além disso, o governo paraguaio tem apostado em um plano de atração de investimentos que resultou em empreendimentos de inteligência artificial e processamento de dados.
O diretor-geral de Itaipu, Enio Verri, lembra que o momento econômico do Paraguai é bom, com índices de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima de 4% nos últimos anos.
Com isso, o Paraguai tem registrado índices acelerados de crescimento da demanda de energia. Em 2024, o consumo subiu 14%, de acordo com a Administração Nacional de Eletricidade (Ande).
O desenvolvimento paraguaio tem levado o país a precisar de uma parcela maior da energia gerada na usina. Até 2014, 12% da energia de Itaipu era destinada ao país. No início da operação de Itaipu, em 1984, a disparidade era ainda maior, com a usina entregando 95% da energia ao Brasil.
O diretor técnico brasileiro de Itaipu, Renato Sacramento, explica que a disponibilidade de energia para o Brasil vai se limitar a 50% da capacidade da usina em algum momento na próxima década.
“Essas curvas de consumo devem se encontrar em 2035. E aí vai ocorrer a situação prevista no tratado: cada país tem direito a metade da produção”, afirmou.
Apesar do crescimento da demanda paraguaia, o diretor técnico paraguaio de Itaipu, Hugo Zarate, vê com ceticismo a manutenção do ritmo.
“A tendência de crescimento em índices de 14% ou parecidos me parece que não deve se sustentar muito”, disse.
Novas fontes de energia
Apesar de o cenário não impactar diretamente as operações da usina, Brasil e Paraguai avaliam a inclusão de novas formas de geração de energia nas negociações do Anexo C do Tratado de Itaipu.
Atualmente, o tratado prevê apenas as 20 turbinas da hidrelétrica como fontes de energia, o que limita os negócios da empresa binacional.
Mesmo assim, a companhia já desenvolve, de forma experimental, projetos de geração solar em terra e flutuante; biogás; combustíveis sustentáveis; baterias de armazenamento de energia e hidrogênio verde.
“Os dois lados têm interesse em ampliar esse escopo do tratado para produzir energia. Isso eu posso dizer com muita certeza, é a opinião minha e do diretor-geral paraguaio. Claro, conversando com os nossos respectivos presidentes. Porque os dois presidentes querem ampliar a produção de energia limpa e barata. O mundo precisa disso”, afirmou Verri a jornalistas.
As novas fontes de energia podem complementar a perda na potência por conta da maior demanda do Paraguai.
As negociações também podem incluir a instalação de duas novas turbinas na barragem da hidrelétrica, o que também vai levar a um incremento de capacidade.
Os estudos estão sendo conduzidos e apuram os possíveis impactos socioambientais.
Brasil vai precisar de mais potência
Do ponto de vista prático, o Brasil precisa se preparar para uma redução na energia oferecida pela hidrelétrica, apontam especialistas.
“A perspectiva de aumento no consumo de energia de Itaipu pelo Paraguai reforça a necessidade de o Brasil avançar em soluções próprias de expansão da oferta, aproveitando com inteligência o potencial nacional para manter a segurança do suprimento elétrico”, diz a presidente da Associação Brasileira de Geradoras de Energia (Abrage), Marisete Dadald.
Ela lembra que o Brasil pode estudar maneiras de agregar mais potência a partir de outras usinas hidrelétricas.
Um levantamento da Abrage indica um potencial de 18 GW de potência a partir da modernização, repotenciação, ampliação de casas de força e motorização de poços em hidrelétricas existentes.
O próximo Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) deve incluir projetos de expansão de hidrelétricas existentes, a partir de repotenciação e aproveitamento de poços vazios.
Os projetados cadastrados na Empresa de Pesquisa Energética (EPE) chegaram a 5 gigawatts de expansão.
Ainda não há previsão de realização do leilão, que foi cancelado pelo Ministério de Minas e Energia por problemas nas regras para termelétricas. As diretrizes divulgadas inicialmente contemplavam a possibilidade de hidrelétricas serem remuneradas pelo requisito de potência.
A proposta para a Estratégia Nacional de Mitigação do Plano Clima, divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente na sexta-feira (18/7), prevê uma meta de crescimento de capacidade de hidrelétricas de 6,3 GW até 2035, com projetos de repotenciação.
O jornalista viajou a convite de Itaipu Binacional