O setor de energia está atravessando uma profunda transformação digital, impulsionada pela integração crescente entre tecnologias da informação (TI) e tecnologias operacionais (TO). Essa digitalização tem proporcionado ganhos significativos em eficiência e controle, mas também tem exposto as empresas a novos riscos cibernéticos, transformando a proteção digital em uma prioridade estratégica.
Entre as principais dores enfrentadas hoje estão a ampliação da superfície de ataque, a sofisticação das ameaças, a escassez de profissionais especializados e a dificuldade de integração com sistemas de resposta a incidentes.
Com a interligação de redes antes isoladas, os sistemas de energia se tornaram mais vulneráveis a ataques externos. Um exemplo marcante dessa nova realidade foi o ciberataque à Ucrânia em 2015, que comprometeu sistemas SCADA e causou apagões em larga escala, evidenciando o impacto social e econômico de falhas na segurança cibernética industrial.
Ao mesmo tempo, a falta de talentos com conhecimento específico em segurança para ambientes industriais agrava o cenário, dificultando a implementação de estratégias eficazes de defesa. Muitas empresas ainda têm dificuldades para identificar e reagir rapidamente a ameaças, o que permite a movimentação lateral de agentes maliciosos e amplia os danos potenciais de um ataque.
Diante desse contexto, a evolução dos tradicionais Sistemas de Controle Industrial (ICS) para os mais avançados Sistemas Ciberfísicos (CPS) representa uma mudança de paradigma. Os CPS vão além do controle e automação convencionais, integrando sensores, atuadores, conectividade em tempo real, análise de dados e inteligência artificial (IA).
Essa abordagem mais ampla exige o redesenho da arquitetura de segurança, com práticas como o conceito de security by design — segurança desde o projeto — e o monitoramento contínuo baseado em algoritmos de IA para detecção de anomalias, correlação de eventos e respostas automatizadas.
A adoção de frameworks modernos, como a norma ISA/IEC 62443 e as diretrizes do NIST, tem ajudado as empresas a estruturarem suas políticas de segurança com base na segmentação de redes, no modelo Zero Trust e na análise de riscos específicos dos sistemas ciberfísicos.
Além disso, o conceito de resiliência ganha destaque, com sistemas desenhados não apenas para evitar ataques, mas também para responder e se recuperar rapidamente em caso de incidentes.
Na prática, o uso de CPS nas empresas de energia já molda uma nova realidade operacional. Redes elétricas inteligentes (smart grids), por exemplo, contam com sensores IoT capazes de monitorar variáveis críticas como tensão, corrente e temperatura em tempo real, com respostas automatizadas que equilibram a rede de forma dinâmica.
Sistemas de distribuição adaptativa analisam dados de consumo e geração para redistribuir cargas, prevenindo sobrecargas e apagões.
A integração com fontes renováveis, como solar e eólica, também é otimizada, com maior previsibilidade e controle sobre a intermitência dessas fontes.
Além disso, a análise preditiva e a manutenção inteligente, baseadas em dados históricos e IA, reduzem falhas inesperadas e aumentam a disponibilidade operacional dos ativos.
A plataforma de detecção de ameaças Claroty divulgou, no início desse ano, os resultados de seu estudo The Global State of CPS Security 2024: Business Impact of Disruptions (.pdf, em inglês), que analisou o impacto financeiro e operacional dos ataques cibernéticos em infraestruturas críticas. A pesquisa contou com a participação de 1.100 profissionais de segurança cibernética em 40 países e revelou o alto custo das “perturbações cibernéticas” para as empresas.
O setor de energia lidera o ranking, com 38% das perdas relatadas de US$ 1 milhão ou mais, seguido pela mineração com 32%, transporte com 30%, alimentos e bebidas com 29%, química com 26% e saúde/farmacêutica também com 26%.
Em um setor cada vez mais conectado, inteligente e exposto a riscos digitais, a transição para os sistemas ciberfísicos é uma oportunidade estratégica para repensar a segurança como parte integrante da operação. Blindar os sistemas, portanto, não é mais uma escolha — é uma necessidade para garantir a continuidade, a confiabilidade e a segurança do fornecimento de energia.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Marcelo Branquinho é CEO e fundador da TI Safe, uma empresa especializada em segurança cibernética para infraestruturas críticas. Graduado em Engenharia Elétrica, Branquinho é especialista em segurança de sistemas SCADA e membro da International Society of Automation (ISA).