Diálogos da Transição

Carvão perde apoio em meio a crise climática no Sul do Brasil

Nos EUA, consultoria aponta perdas de US$ 1 tri em investimentos no setor de energia em eventual reeleição de Trump

Térmicas a carvão perdem apoio em meio a crise climática no Sul do Brasil que afetou todo o Rio Grande do Sul. Na imagem: Vista das instalações da termelétrica a carvão mineral Candiota (RS), com capacidade instalada de 350 MW, com chaminés emitindo fumaça poluente na atmosfera (Foto: Eduardo Tavares/PAC)
Termelétrica a carvão mineral Candiota (RS), com capacidade instalada de 350 MW (Foto: Eduardo Tavares/PAC)

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Editada por Nayara Machado
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Em meio à catástrofe climática que já fez 154 vítimas fatais e obrigou 618,3 mil pessoas a deixarem suas casas no Rio Grande do Sul, senadores gaúchos recuaram com a proposta de incentivo à geração de energia a partir do carvão na região.

Na segunda (13/5), o senador Paulo Paim (PT) pediu o arquivamento definitivo do PL 4.653/2023, de sua iniciativa, encerrando a tramitação. Hamilton Mourão (Republicanos) e Luiz Carlos Heinze (Progressista) também assinavam o projeto que incluía a região carbonífera do RS no Programa de Transição Energética Justa de Santa Catarina, sancionado por Jair Bolsonaro em janeiro de 2022.

Nessa frente, se fosse adiante, a legislação estenderia a compra de energia elétrica gerada a partir do carvão mineral até 2040, um gasto de quase R$ 1 bilhão por ano, considerando as despesas de 2022 segundo dados da Aneel.

Além, claro, dos impactos climáticos. Em 2022, as térmicas a carvão fóssil instaladas no Sul lideraram as emissões na geração elétrica no Brasil, com 35% do total emitido por usinas a combustíveis fósseis, de acordo com o ClimaInfo.

A mais intensiva em emissões de carbono entre as fontes de energia, o carvão respondeu por apenas 2,1% da oferta total de energia elétrica em 2022, mas o suficiente para lançar mais de um terço dos gases de efeito estufa relacionados à geração com combustíveis fósseis.

Térmicas no PL das eólicas offshore

Mais recentemente, o setor concentrou esforços no marco legal das eólicas offshore, em discussão no Senado, com uma emenda para prorrogar as térmicas a carvão com contratos que vencem até 2028 tenham seus contratos renovados até 2050, com inflexibilidade de 70%.

Justifica que o prazo é necessário para uma janela de descarbonização do setor, que tem na captura de carbono e em novos usos do carvão, uma bandeira de transição justa. Isto é, preservando os empregos e a atividade nas regiões carboníferas.

Cobrimos por aqui:

US$ 1 trilhão ameaçado

Assim como o carbono não respeita fronteiras e os efeitos das mudanças climáticas afetam todo o globo – ainda que de formas diferentes –, a política internacional também tem efeitos transfronteiriços.

Análise da Wood Mackenzie, publicada nesta quinta (16//5), calcula que os resultados da eleição presidencial de novembro nos EUA podem desacelerar a transição energética, com US$ 1 trilhão em investimentos em jogo.

“A Lei de Investimentos em Infraestrutura e Empregos (IIJA, em inglês) de 2021 e a Lei de Redução da Inflação (IRA) de 2022 impulsionaram os EUA à liderança global na descarbonização. No entanto, uma vitória do ex-presidente Donald Trump na eleição de novembro de 2024, combinada com problemas de longa data na relação dos EUA com a China e déficits governamentais dos EUA, poderia alterar significativamente o caminho da política energética dos EUA e inaugurar um cenário de transição atrasada”, diz o relatório Horizons da Woodmac.

Embora apontem como improvável a revogação total do IRA, os analistas enxergam risco de que um segundo mandato de Trump possa resultar em ordens executivas de abandono da meta de neutralidade de carbono de 2035 para o setor elétrico, abrandamento das metas de emissões da EPA e regulamentos de créditos fiscais a favor do hidrogênio de gás natural com captura de carbono.

O cenário base da Wood Mackenzie projeta cerca de US$ 7,7 trilhões em investimentos para o setor energético dos EUA entre 2023 e 2050. No entanto, no cenário de transição atrasada, o menor apoio político para energia de baixo carbono e melhorias na infraestrutura reduz o investimento em US$ 1 trilhão em comparação com o cenário base.

Eletrificação mais lenta

Um dos setores que deve sentir esses impactos de forma mais intensa é o mercado de veículos elétricos. A análise das vendas de novos carros nos EUA em 2024 já indica que uma transição energética mais lenta.

Enquanto as vendas de híbridos saltaram 57%, as de veículos 100% elétricos ficaram aquém das expectativas, crescendo apenas 19%.

“O enfraquecimento das regulamentações federais de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e economia de combustível continua essa tendência, e o estoque total de veículos elétricos até 2050 seria 50% menor do que no cenário base”, diz o relatório.

Vida longa ao carvão

No cenário de transição energética atrasada, a Woodmac vê o ritmo da eletrificação diminuindo no curto prazo.

Ainda assim, indústria, residências, veículos elétricos e a produção de hidrogênio de eletrólise aumentariam a demanda por energia em 2 petawatts-hora (PWh), um salto de 45% de 2030 a 2050.

“Com menos apoio político para renováveis e crescimento contínuo da carga, não haveria saída para o uso de carvão. Como resultado, até 2040, a capacidade de geração a carvão seria quatro vezes maior do que o cenário base, com 104 GW no sistema”, conclui.

Curtas

Acordo verde Brasil-EUA

A gestão Biden está trabalhando para estreitar relações com o Brasil para assegurar o fornecimento de minerais críticos e apoiar a transição energética do país, incluindo investimentos em hidrogênio limpo e biocombustíveis. Segundo a embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, estão conduzindo negociações para formalizar essa cooperação em novembro, durante a cúpula de líderes do G20.

Divisão de CBIOs

Indústrias de etanol do Centro-Sul representadas pela Unica chegaram a um acordo com parte dos produtores de cana de açúcar para divisão da receita líquida gerada pelos créditos de descarbonização (CBIOs) do RenovaBio. O acordo setorial será apresentado ao Congresso Nacional para discussão no PL 3149/20.

A Orplana, no entanto, não assina o documento. Para o grupo que representa aproximadamente 11 mil fornecedores de cana da região, e é um dos articuladores da discussão no Congresso, ainda não está claro como será a divisão. Entenda o que está em jogo

Mitigação na indústria

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) instalou, nesta sexta (17/5), um grupo de trabalho para elaborar o plano de mitigação de gases de efeito estufa para a indústria. Também foi criado um GT para desenvolvimento da indústria eólica. Veja detalhes

Solar compartilhada

A Delta Energia divulgou, nesta sexta (17/5), a captação de R$ 250 milhões com a estruturação de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) de geração distribuída para construir 20 usinas solares nos estados de SP, RJ, MS e DF. O papel tem a duração de até oito anos e poderá ser negociado no mercado secundário.

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