RIO – O Brasil vai precisar atualizar o modelo de preços de energia que é usado no mercado livre para dar as sinalizações corretas de oferta e demanda para os investidores, defende a vice-presidente da EDF Renewables Brasil, Raíssa Lafranque.
O preço de liquidação das diferenças (PLD) foi desenvolvido em um momento em que o sistema elétrico brasileiro tinha maior dependência de hidrelétricas e termelétricas. Hoje, já existe mais participação de outras fontes na matriz, como a eólica e a solar fotovoltaica.
Por isso, as sinalizações de demanda e oferta estão desatualizadas, o que leva a volatilidades muito grandes nas cotações dentro de um mesmo dia.
“A reavaliação dos preços deveria ser uma prioridade, porque é muito estruturante, seja para a tomada de decisão de investimentos do lado da geração, ou para o lado do consumo”, diz Lafranque.
Preços da energia voltaram a subir
Nos últimos anos, os preços permaneceram em níveis baixos, mas têm apresentado maior variação este ano, devido ao menor nível dos reservatórios das hidrelétricas.
“A gente já teve preços que no Nordeste vão desde o piso até o teto horário, da ordem de 60 a 1.200 reais por megawatt-hora no mesmo dia”, exemplifica, citando o dia 20 de agosto.
No mercado livre, o consumidor pode escolher o fornecedor e negociar diretamente com um gerador ou comercializadora a compra de energia elétrica. O cliente deixa, assim, de comprar a energia negociada pela distribuidora local e passa a fechar contratos que têm como referência o PLD.
A partir de janeiro de 2024, todos os consumidores de média e alta tensão passaram a ter essa escolha.
EDF aposta no mercado livre para expansão
O mercado livre é hoje a principal via de viabilização de novos projetos de geração para a EDF Renewables.
Mas os preços baixos nos últimos anos têm sido um empecilho para o fechamento de contratos de longo prazo com novos consumidores.
“Pode ser que grandes projetos, em que a gente precisa de uma demanda muito relevante de energia para justificar o investimento, sejam postergados. Mas isso não desmotiva o investimento, não prejudica a prioridade dos investimentos para o Brasil”, explica.
Segundo Lafranque, a flexibilidade e proximidade com clientes finais foram importantes para viabilizar projetos nesse cenário.
Foi assim que a companhia investiu em melhorias na estrutura da gestão de riscos e passou a oferecer novos modelos de contratos, como acordos em dólar para grandes exportadores e a opção da autoprodução, na qual o consumidor assume parte do investimento.
“Flexibilidade na forma de fazer negócio e muita proximidade com o consumidor final para conseguir entender quais são as necessidades dele e tentar endereçar isso de uma forma que ainda nos permita viabilizar o projeto”, explica.
Armazenamento de energia será importante
Segundo Lafranque, outra questão importante para ajudar a gerenciar a volatilidade nos preços no mercado livre seria a maior inserção de sistemas de armazenamento no setor elétrico brasileiro.
A expectativa é que isso ocorra a partir da liberação da participação de fontes renováveis com baterias nos leilões de capacidade.
“É muito importante que a gente vire essa chave e entenda que a gente precisa desse tipo de serviço no sistema para operar de forma mais eficiente”, diz.
Ela ressalta que tem ocorrido um descompasso relevante nos preços observados nos submercados brasileiros, como o Nordeste e o Sudeste, devido ao aumento da geração eólica em momentos com muitos ventos no Nordeste e à restrição para o intercâmbio de geração entre as regiões.
Segundo ela, o cenário tem alocado riscos sistêmicos no segmento de geração.
“A situação atual, mantê-la da forma como ela está, é totalmente insustentável”, diz.
Empresa estuda atuar como comercializadora varejista
A EDF Renewables tem hoje 1,2 gigawatts (GW) de capacidade instalada de geração a partir das fontes solar e eólica no Brasil. Há mais 150 megawatts (MW) de projetos em construção, com entrada em operação prevista para 2025. A expectativa da companhia é chegar a 4,5 GW de projetos viabilizados no país até 2030.
A executiva acredita que o Brasil já está preparado para a expansão do mercado livre para todos os consumidores, incluindo os residenciais. As regras e o cronograma para a abertura desse segmento aos clientes de baixa tensão estão em discussão no governo.
A EDF Renewables, inclusive, estuda atuar no segmento de comercialização varejista, de olho nessa nova onda de clientes. A empresa avalia parcerias para entrar nessa área.
“Estamos avaliando algumas oportunidades. E isso requer uma adaptação do modelo de negócio, de fato, porque se passa a ter outros tipos de risco, que não temos quando estamos trabalhando com grandes consumidores”, diz.
Projetos de hidrogênio em desenvolvimento
A expansão no país envolve a entrada em novos segmentos. A empresa já tem projetos de hidrogênio renovável em desenvolvimento no país.
Também protocolou pedidos no Ibama para desenvolver 4 GW de geração eólica em alto mar na costa brasileira.
Segundo Lafranque, ainda não está claro se a energia gerada nos projetos offshore vai ser destinada para o mercado livre.
A executiva ressalta que para ter mais clareza sobre as rotas de mercado vai ser importante que o país aprove primeiro o marco legal para esses projetos, que está em discussão no Congresso por meio do projeto de lei 576/2021.
“A gente vai precisar de sinalizações de como essa regulação vai se dar. Não precisa necessariamente do leilão anunciado para poder avançar com esses investimentos. O que a gente precisa é passar a ter visibilidade de cronograma, de quando as coisas vão, de fato, começar a se materializar”, diz.
A EDF Renewables tem 2 GW de eólicas offshore em desenvolvimento e operação no mundo, em países como França, China, Reino Unido e Estados Unidos.