Enquanto aguardam a oportunidade de um leilão para fornecer potência ao sistema elétrico brasileiro, as baterias estão começando a ganhar maior espaço com a entrega de outros serviços ao mercado. Um dos principais é o uso no mercado livre de energia, com os consumidores aproveitando para armazenar energia nos momentos de tarifa mais barata, para consumir quando o preço da rede está mais caro.
Essas aplicações estão crescendo no Brasil, mas ainda esbarram na falta de regras específicas e na competitividade de preço em relação a outras soluções, como os geradores a diesel.
No mercado livre, os consumidores podem escolher o fornecedor de energia e deixam, assim, de consumir a geração fornecida pela distribuidora local. Hoje no Brasil os clientes de alta e média tensão já podem fazer essa opção e a expectativa é que na próxima década essa escolha também esteja disponível para os clientes de baixa tensão, como os residenciais.
Com a ampliação do ambiente livre nos últimos anos, as comercializadoras e fornecedores passaram a oferecer serviços adicionais na competição pelos clientes e as baterias estão incluídas em alguns desses pacotes.
Além de deslocar o horário de maior consumo para momentos em que a energia está mais barata, as baterias também ajudam os clientes no controle de tensão e na prevenção de falhas no fornecimento. São aplicações conhecidas pelo jargão “por trás do medidor”, ou seja, quando os serviços das baterias beneficiam os consumidores finais.
Custo ainda dificulta adoção
O custo, no entanto, ainda tende a ser uma dificuldade para viabilizar esses projetos. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) prevê que nos próximos dez anos as baterias devem atender sobretudo a nichos de mercado, por causa dos altos preços. O cenário é agravado pela alta carga tributária para esses sistemas no Brasil.
A EPE aponta que a adoção de baterias pode ser vantajosa para clientes na rede de alta tensão que tenham grande demanda no horário de ponta do consumo, quando a energia é mais cara. Mesmo assim, na maior parte dos casos ainda é mais competitivo para os clientes nesses momentos optar por geradores a diesel, que são mais poluentes. Assim, a bateria vale a pena para consumidores que usufruem dos benefícios complementares do armazenamento, como prevenção a blecautes ou vantagens ambientais e logísticas.
Hoje, dado o alto custo dos sistemas de armazenamento, é necessário “empilhar receitas”, usando a bateria para mais de uma função. Além disso, a variação nos preços do mercado livre precisa compensar os custos de instalação para viabilizar esses projetos, o que não tem acontecido nos últimos dois anos.
Regulação pode incentivar crescimento
O conselheiro do Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel), José Marangon, lembra que é importante que a regulação e a precificação desses sistemas sejam debatidas.
“O custo não está tão bom, mas acredito que daqui um ou dois anos esse mercado vai explodir nas residências, comércios e indústrias. Então é uma questão de tempo”, diz.
Do ponto de vista técnico e regulatório, apesar de ainda não existir um marco legal específico para as baterias no Brasil, é possível instalar os sistemas para deslocar o horário de consumo com as regras vigentes. É necessária apenas a autorização da distribuidora local e a adequação às proteções elétricas exigidas.
O mercado avalia que seria positivo que essas regras estivessem padronizadas nos Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional (Prodist), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
“Mas, mesmo na ausência de uma diretriz mais clara, isso já está acontecendo”, diz o presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Soluções em Armazenamento de Energia (Absae), Markus Vlasits.
Entretanto, as regras para outros usos, como o controle de tensão, estão sendo deixadas de fora nos debates sobre a regulamentação das baterias na Aneel. A agência iniciou em 2022 uma consulta pública sobre as regras para esses sistemas, mas o assunto não foi incluído.
Segundo Vlasits, os estudos que apontam que as baterias não têm viabilidade econômica no Brasil estão trabalhando com premissas desatualizadas, dado que já existem projetos em operação no país. A estimativa da Absae é que é possível instalar um sistema com um investimento de US$ 200 dólares por quilowatt de capacidade de armazenamento.
“Para certos clientes do mercado livre, essa conta fecha”, diz.
Vale tem uma das maiores baterias
Uma das maiores iniciativas no país foi implantada nas operações da Vale. A mineradora instalou no segundo semestre de 2023 no Terminal da Ilha Guaíba (TIG), no Rio de Janeiro, um projeto que ajuda a reduzir em 55% a demanda no horário de ponta, quando é mais caro consumir.
O sistema de baterias de íons de lítio foi desenvolvido em parceria com a Siemens e a Micropower, joint-venture com participação da Comerc Energia, Siemens e Equinor. A capacidade de armazenamento é de 10 megawatts-hora, o suficiente para abastecer metade de todos os equipamentos do terminal de minério ao mesmo tempo durante duas horas por dia.
“A solução oferece um serviço ancilar ao armazenar energia nos momentos de menor custo para utilizá-la durante o horário de pico, quando a demanda e os custos de energia são maiores, garantindo um uso mais eficiente e sustentável da rede”, diz o CEO da Micropower, Sergio Jacobsen.
Matrix aposta em gestão e parceria chinesa
Uma comercializadora que aposta nesse serviço é a Matrix Energia, que fechou um acordo com a chinesa Huawei para oferecer baterias aos seus clientes. O investimento adicional para a instalação é absorvido pela própria comercializadora, que se beneficia também da redução no custo total da eletricidade fornecida, com o deslocamento dos picos de consumo dos clientes.
Já há projetos em operação para dois clientes: o Santo Mercado (SP) e o frigorífico Cofril (ES). A terceira instalação entra em operação em julho, para a empresa de colágenos e gelatinas Gelco (SP). A estimativa é que o custo de cada megawatt hora instalado em cliente tem um custo de cerca de R$ 2 milhões, preço que tende a cair com o ganho de escala. A empresa iniciou a importação, pelo porto de Vitória (ES), de sistemas capazes de atender a uma demanda de 120 MWh, por meio de módulos de 100 kWh e de 200 kWh.
Uma alternativa para os clientes que querem usufruir de alguns dos benefícios do armazenamento é o esquema de aluguel, no qual o consumidor paga um preço para ter a bateria à sua disposição por um determinado período. Essa solução é adotada sobretudo em comércios que não podem ficar sem energia por longos períodos em casos de apagões nas redes.
A Tecnogera tem contratos com redes de farmácias e de pet shops para levar a bateria para essas lojas em até duas horas, quando solicitado. Isso impede, por exemplo, a perda de materiais e produtos que precisam ficar refrigerados, como vacinas.
“Nosso negócio é o serviço que vem junto com essa bateria. Toda essa gama de possibilidades que vão significar para o cliente que ele vai ter mais eficiência, ou seja, ele vai poder ter o melhor megawatt hora no melhor custo possível, além de segurança energética”, afirma o CEO da Tecnogera, Artur Lavieri.
Para Lavieri, a abertura do mercado livre a mais consumidores tende a acelerar a demanda por essa solução. Muitos clientes que optam pelo ambiente livre buscam garantir que a energia consumida vem de fontes limpas, mas não podem abrir mão da segurança no fornecimento.
“Quando você fala com os clientes de todos os segmentos, a transição energética é importante, mas a segurança energética ainda é mais importante”, diz.
“Com essa aplicação, você consegue juntar mais eficiência com segurança energética”, acrescenta.
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