BRASÍLIA — O acionamento da bandeira vermelha pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2025 ocorreu mais cedo em comparação com 2024, quando a cobrança extra teve início apenas no mês de setembro. A medida é reflexo da maior aversão ao risco na gestão do setor elétrico e da alta nos preços da energia.
A Aneel definiu que os consumidores de energia elétrica terão bandeira vermelha no patamar 1 na tarifa a partir de 1º de junho. Isso significa uma cobrança extra de R$ 4,46 a cada 100 kilowatts-hora (kWh) consumidos.
A mudança na bandeira já era esperada por agentes do mercado mesmo antes do anúncio pela agência.
Em 2024, os meses de maio e junho tiveram bandeira verde. A situação só se reverteu em julho, quando foi acionada a bandeira amarela, vigente apenas naquele mês. Os níveis mais críticos — vermelha patamar 1 e 2 — só foram acionados em setembro e outubro.
Já em 2025, houve uma mudança significativa na tomada das decisões, com a bandeira amarela acionada a partir de maio.
Bandeira tarifária é alerta para energia mais cara
O sistema de bandeiras foi criado em 2015 para sinalizar ao consumidor de energia e ao mercado que a geração está ficando mais cara no país.
Este ano, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) antecipou os despachos termelétricos com a finalidade de preservar água nas hidrelétricas.
O líder em Planejamento e Inteligência de Mercado da PSR, Mateus Cavaliere, explica que o acionamento das bandeiras em 2025 reflete as mudanças nos parâmetros utilizados pela Aneel, que visam conservar recursos hídricos até o retorno do período úmido, a partir do fim de outubro.
Um dos elementos que provocou a antecipação este ano foi a alta nos preços médios de energia.
Além disso, ocorreram também alterações no GSF (Generation Scaling Factor), o chamado “risco hidrológico”. Essa métrica está relacionada ao volume de energia que é gerada nas usinas hidrelétricas e à garantia física desses empreendimentos.
Quando o GSF está em baixa, a geração hidrelétrica está aquém do esperado, o que leva o sistema a demandar outras fontes despacháveis, como as térmicas.
“Há uma tendência natural de redução de geração hidrelétrica, por conta do período do ano. Está ocorrendo um despacho [térmico] maior para fim de garantia de segurança energética”, explica.
O diretor de operações da Lead Energy, Lucas Paiva, explica que o preço de liquidação das diferenças (PLD) — usado para negociar energia no mercado livre — em 2025 está mais sensível a eventuais problemas.
O PLD baliza os preços de comercialização de energia no mercado.
“Ao menor sinal de estar tendo um regime hidrológico um pouco mais fraco do que o esperado, já se dispara um aumento de preço muito mais agressivo do que ocorria nos anos anteriores. O que acontece é que esse ano os preços que consequentemente levam ao acionamento das bandeiras estão muito mais voláteis, muito mais agressivos”, diz.
Até quando?
As projeções da PSR estimam que o período seco demandará bandeira vermelha patamar 2 nos meses de agosto, setembro e outubro.
Depois, a expectativa é de um cenário mais tranquilo com a volta da bandeira amarela em novembro e verde em dezembro, quando as chuvas se intensificam em todo o país.
Cenário não é de crise
Embora tenha ocorrido um acionamento antecipado de bandeiras mais restritivas, Cavaliere entende que não é um cenário parecido com a crise hídrica de 2021.
“Nessa época, o risco era real, no sentido de que os reservatórios estavam muito vazios. Agora a gente já entra nesse mês de junho com reservatórios acima de 70%. Então, me parece que é muito mais uma mudança na política operativa. Ou seja, como e o que se configura como um reservatório baixo, como um risco de acionamento, do que necessariamente uma situação parecida com 2021”, afirma.
Maior aversão a risco
Segundo Cavaliere, o modelo implantado em 2025 tem uma aversão a risco maior, que precifica o custo da água em níveis mais altos. Como a geração hidrelétrica é protagonista na matriz elétrica brasileira, isso afeta os preços em geral.
O cálculo de aversão à risco está relacionado à medida de risco Conditional Value at Risk (CVar), uma métrica do mercado financeiro que calcula diferentes cenários e potenciais prejuízos.
No caso do setor elétrico, as projeções estão relacionadas aos níveis de chuva, dos mais baixos aos mais altos, comparados com as séries históricas.
Neste ano, os parâmetros se tornaram mais restritivos. E, com isso, as margens mais conservadoras levaram a preços mais altos no mercado.
Em 2024, a metodologia para utilização dos recursos dos reservatórios passou a ser o Newave híbrido, que representa as usinas hidrelétricas individualmente nas simulações. Antes, os reservatórios eram analisados em conjunto, o que levava a distorções.
A extinta Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico (CPAMP) foi a responsável pela mudança.
A alteração ocorreu porque as projeções eram consideradas excessivamente otimistas e levavam em conta cenários em que as chuvas seriam mais favoráveis.
Essa mudança na aversão ao risco foi o que fez com que os despachos termelétricos passassem a ocorrer mais cedo esse ano, de forma a conservar água nos reservatórios durante o período seco.
Com o fim da CPAMP, a modelagem hoje é feita pelo ONS e pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), sob a supervisão do Ministério de Minas e Energia (MME).
Novas mudanças
A Associação Brasileira de Comercializadoras de Energia Elétrica (Abraceel) entende que as ferramentas de formação de preços devem ser aprimoradas.
“Desde meados de 2024, o modelo Newave passou a apresentar menor nível de convergência em suas rodadas, o que prejudica os resultados dos modelos, pois sem convergir em diversas situações, não há como garantir que o modelo está no resultado ótimo em relação à realidade do sistema”, afirmou a entidade, em nota.
A definição de preços é fundamental para as comercializadoras porque a negociação de contratos no mercado livre depende da atratividade dos valores praticados pelo segmento.
O MME abriu uma consulta pública para colher sugestões do mercado em relação a ajustes na modelagem de preços no setor elétrico. Portanto, pode haver mudanças para 2026.
Acionamento de termelétricas
O setor elétrico inicia o mês de junho com um cenário de maior disponibilidade de termelétricas, mas ainda aquém do déficit de potência de 4 gigawatts (GW) estimado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A maior usina a gás natural do Brasil, a termelétrica GNA II, no Rio de Janeiro, iniciou a operação comercial este mês e acrescentou 1,3 gigawatts (GW) de potência ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
A expansão termelétrica atinge 73% da capacidade total prevista de 2,403 GW, conforme dados da Aneel. Agora, são esperados 642 MW adicionais até o fim de 2025.
Adicionalmente, usinas do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) de 2021 tiveram entrada em operação antecipada por conta da incerteza da realização de uma nova edição do certame em 2025.
O leilão foi cancelado pela pasta de Minas e Energia, em razão de ações judiciais movidas por geradores insatisfeitos com as regras originais. O governo trabalha na reformulação das normas para relançar a concorrência.