BRASÍLIA – Com mais de 11.500 equipamentos ainda embalados na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), complexo que abriga as usinas nucleares de Angra dos Reis, o impasse envolvendo a construção de Angra 3 se arrasta sem solução para o curto e médio prazos.
Dentre os vários problemas que atravancam o andamento das obras estão o custo total do empreendimento e o valor total da tarifa.
Esse mês, um novo revés para a continuidade das obras de Angra 3: a rescisão unilateral do contrato com o Consórcio Ferreira Guedes, Matricial e Adtranz, que foi a tentativa de antecipar a chamada ‘linha crítica’.
Sem a conclusão do estudo independente encomendado ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, evita falar em números.
Em julho do ano passado, o então presidente da Eletronuclear, Eduardo Grand Court, informou à Agência Brasil que cerca de R$ 7,8 bilhões já haviam sido investidos em Angra 3 e o projeto necessitaria de mais R$ 20 bilhões para ser concluído e entrar em operação até 2029.
Enquanto a Eletronuclear tenta concluir as obras de Angra 3, iniciadas em 1984, o setor nuclear tenta importar para o Brasil o movimento global de recuperação da credibilidade – e a disputa por espaço na matriz energética do futuro.
A estatal espera agora que a licitação de Angra 3 ocorra no primeiro semestre de 2025.
A pauta por aqui passa pela liberação da construção de usinas por terceiros, atividade atualmente concentrada pela Eletronuclear, além de medidas para viabilizar economicamente os projetos – o Renuclear, entre elas.
Agentes partem de um entendimento que não será necessário aprovar uma PEC e o monopólio estatal da atividade previsto na Constituição Federal pode ser atendido por meio de um regime que mantenha o controle estatal, seja por participação, golden share ou outros mecanismos.
Embora represente um custo maior por MWh gerado quando comparado a outras fontes de energia, o setor nuclear defende a importância desta modalidade para a segurança do Sistema Interligado Nacional (SIN), redução da dependência de termelétricas e descarbonização da matriz elétrica.
Ao contrário do processo de combustão de outras fontes térmicas, a fissão nuclear não emite gases de efeito estufa.
No apagão de agosto de 2023, provocado por problemas na transmissão de energia no Nordeste, o despacho das usinas de Angra ajudou a segurar a carga, minimizando os efeitos nacionais do blecaute.
Pegando carona no Plano Clima Participativo, a Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan) propõe a substituição de termelétricas a carvão por pequenos reatores modulares (SMR, na sigla em inglês).
A proposta é aproveitar a infraestrutura existente nas usinas a carvão mineral do Brasil para implantação da tecnologia de pequenos reatores. Segundo a Abdan, além de gerar energia com menos emissões de carbono, otimiza o uso do solo e promove a transição energética.
O ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira (PSD), já manifestou apoio à discussão, mirando a substituição de térmicas em sistemas isolados. Ele se reuniu com o diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), Rafael Grossi, na quinta (20/6).
“O MME está trabalhando para fomentar parcerias em toda a cadeia do combustível nuclear, especialmente porque o Brasil é um dos países que reúne o potencial de mineração do urânio”, afirmou Silveira, em nota.
A própria Petrobras avalia a geração de energia nuclear como alternativa para reduzir as emissões da produção de óleo. Projeto ainda em fase de pesquisa e desenvolvimento (P&D).
A fonte enfrenta resistências ambientais. Ao estabelecer as bases de emissão de títulos soberanos sustentáveis, o governo Lula decidiu excluir a geração de energia nuclear das possíveis alocações das captações feitas pelo Tesouro Nacional.
Projetos de lei para financiar e desenvolver novas cadeias de energia também têm mantido a fonte de fora: é o caso do marco do hidrogênio, que prioriza solar e eólica na eletrólise do hidrogênio verde, e o Paten, texto de criação do fundo verde.
As usinas de Angra 1 e 2 geram uma energia equivalente a 40% do consumo do estado do Rio de Janeiro. De acordo com a Eletronuclear, com a entrada em operação de Angra 3, a energia nuclear atenderia 60% da demanda fluminense.
Fim da estratégia da ‘linha crítica’
Dentre os revezes mais recentes para a continuidade das obras de Angra 3 está a rescisão unilateral do contrato com o Consórcio Ferreira Guedes, Matricial e Adtranz. Firmado em fevereiro de 2022, deveria realizar as obras civis do Plano de Aceleração da Linha Crítica.
Como justificativa, a Eletronuclear alegou que o consórcio descumpriu as cláusulas que tratam da execução e cronograma das obras, impossibilitando que a empresa comprovasse a conclusão dentro do prazo estipulado.
Além da rescisão, será aplicada uma multa de 10% do valor do contrato e suspensão de seis meses de licitar, com inclusão no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis).
“O consórcio não performou e nós abrimos processo administrativo que culminou com a rescisão do contrato. Toda essa obra civil que deveria ter sido feita pelo consórcio, de 2022 até agora, vai estar dentro da nova licitação, ou seja, vai ser feito pelo novo EPCista”, disse Raul Lycurgo.
Atualmente, a empresa aguarda a finalização dos estudos pelo BNDES para avaliar se o projeto é plausível dos pontos de vista técnico, econômico e jurídico. O material produzido pelo banco será apresentado à Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e ao Ministério de Minas e Energia (MME).
A expectativa de Lycurgo é de submeter os resultados ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), onde espera que a continuidade das obras da terceira usina prospere.
“Fazer uma usina nuclear que está em construção desde a década de 80 é muito complexo. Nós temos contratos da década de 80 e equipamentos que são conservados desde essa época. Gastamos mais de 100 milhões de reais por ano conservando todos esses equipamentos“, disse.
Custo e tarifa
Em abril, o Tribunal de Contas da União (TCU) afirmou que seriam necessários R$ 43 bilhões para terminar Angra 3, considerando dados de estudo preliminar.
Ao avaliar o processo que trata das obras da usina nuclear, o ministro Jorge Oliveira afirmou que a conclusão do empreendimento vai custar muito mais para o consumidor do que o abandono do projeto.
O CEO da Eletronuclear afirmou que a corte de contas considerou análises prévias de cenário fornecidas pela EPE, em documentos preliminares. Disse, ainda, que os números estão sendo minuciosamente calculados pelo BNDES.
“O banco mais experiente em projetos complexos do Brasil [BNDES] tem uma competência legal para fazer o estudo e em breve nós teremos todos os valores que estão sendo discutidos”, frisou.
Alguns cálculos davam conta de que a tarifa por MWh de Angra 3 ficaria entre R$ 650 e R$ 750, considerando valor aprovado pelo CNPE em 2018 e trazido a valor presente pelos indicadores oficiais de IPCA ou IGPM.
Para a Eletronuclear, tanto a Reforma Tributária quanto a melhora da eficiência operacional podem ter impacto positivo sobre o preço.
Outro ponto defendido é a volta do Renuclear, que criava benefícios na compra, importação e aluguel de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos. O regime vigorou até 2017, com isenção de tributos como o IPI e imposto de importação.
Volta do Renuclear na Câmara
A retomada das obras de Angra 3 é um tema caro à bancada do Rio de Janeiro no Congresso Nacional, sobretudo na Câmara dos Deputados.
O Projeto de Lei 1.379/23, de autoria do deputado Júlio Lopes (PP/RJ), restabelece o Renuclear. A proposta já recebeu parecer favorável do relator, deputado Rodrigo de Castro (União/MG).
O texto também altera a data limite, de 2020 para 2028, para os participantes do Renuclear usufruírem dos benefícios, nos mesmos moldes da Lei 12.431/11. As negociações envolvem o Ministério da Fazenda.
A Eletronuclear também negocia um Renuclear com o estado do Rio de Janeiro, que se daria em torno do ICMS de importação dos equipamentos.
“Não há renúncia de receita nem para o estado, nem para a União porque estamos falando de projetos que, se não houver Renuclear, o empreendimento possivelmente não vai para a frente. E estamos falando de um player único, não existe outra Angra 3”, disse o Lycurgo.