LRCAP

ANÁLISE: Escassez de turbinas dá tempero extra ao atraso de leilão de termelétricas

Estresse nas cadeias de fornecedores pode atrasar e encarecer a construção de novos projetos termelétricos

ONG aciona Justiça contra leilão das térmicas da Eletrobras. Na imagem, termelétrica a gás Santa Cruz, incluída na MP 1.031/2021 -- da privatização da Eletrobras (Foto: Furnas/Divulgação)
Termelétrica a gás Santa Cruz (Foto: Furnas/Divulgação)

RIO – O esgotamento do estoque de termelétricas aptas a serem antecipadas, para cobrir o déficit de potência no sistema a curto prazo, não é o único fator a impor um senso de urgência à realização do Leilão de Reserva de Capacidade. O mercado global pode enfrentar, nos próximos anos, um cenário de escassez de maquinário.

E esse estresse nas cadeias de fornecedores pode atrasar e encarecer a construção de novos projetos termelétricos

Um estudo publicado pela Wood Mackenzie, em maio, alertou para o que chamou de um possível “turbo lag” no setor nos próximos 15 anos – o termo é uma referência ao atraso na resposta de um motor turboalimentado quando ele é acionado. 

A consultoria estima que cerca de 890 GW de nova capacidade de geração a gás será adicionada globalmente entre 2025 e 2040 – quase metade disso na China e EUA.

Uma combinação de fatores, como as restrições de fabricação de turbinas, aumento de custos na cadeia e concorrência de energias renováveis, no entanto, pode limitar esse crescimento, especialmente no curto prazo.

Mercado de turbinas restrito até pelo menos 2030

Segundo a Wood Mackenzie, 90% da capacidade global de produção de turbinas a gás já está comprometida este ano.

“Para a cadeia de fornecimento de turbinas a gás, esses limites apontam para condições restritivas contínuas nas entregas de turbinas até 2030, com condições mais flexíveis entre 2030 e 2040”, escreveu o diretor de Pesquisa em Transição Energética da Wood Mackenzie, David Brown.

Esse cenário já tem sido mapeado por desenvolvedores de projetos no Brasil.

Em entrevista à agência eixos, o diretor-presidente da Gás Natural Açu (GNA), Emannuel Delfosse, citou que a disponibilidade de turbinas é uma preocupação no mercado – embora a companhia aposte no fato de ter como sócia a Siemens, uma das maiores fornecedoras globais de turbinas, como vantagem para competir no certame.

A situação é mais crítica para projetos que começam a operar em 2028 e 2029 – data de entrada em operação das primeiras usinas greenfields, pelas regras até então definidas para o LRCAP 2025, cancelado para uma reformulação nas regras.

“Está todo mundo disputando maquinário e o Brasil disputando com o mundo”, disse o sócio-fundador da Mercurio Partners, Alexandre Americano, à agência eixos em fevereiro. 

Ele já havia alertado, na ocasião, que um dos grandes desafios para a implementação de projetos novos é o cenário de restrição na cadeia de fornecedores de equipamentos no mercado global.

A Mercurio controla  a Energia Pecém e mira o Leilão de Reserva como oportunidade para avançar com seu plano de converter sua usina no Porto do Pecém (CE), que hoje opera a carvão mineral, para gás. A ideia é aproveitar parte da estrutura da usina atual – incluindo as turbinas a vapor e as infraestruturas de transmissão.

Data centers aquecem demanda

Americano conta que não é só o mercado global de turbinas que está aquecido. Transformadores, disjuntores, subestações também passam por momento de alta demanda, sobretudo em função do desenvolvimento da indústria de data centers ao redor do mundo.

“Com o transformador estamos competindo com inteligência artificial. Datacenter, consome muita potência, os transformadores de grande potência também não são um negócio que você está encontrando fácil. O mercado está aquecido”, comentou Americano.

A Wood Mackenzie ressalva, por sua vez, que a materialização da demanda por data centers, particularmente nos Estados Unidos, permanece incerta. Cancelamentos recentes de projetos por grandes empresas de tecnologia lançaram dúvidas sobre o setor, que está  sendo desafiado por vários fatores. 

O cenário de restrições de equipamentos no setor elétrico ganha também novos contornos com a guerra tarifária patrocinada pelo governo estadunidense de Donald Trump – que tende a tumultuar as cadeias de valor e sacudir as estruturas de custos não só para as termelétricas, mas também de renováveis e tecnologias de armazenamento de energia, por exemplo.

Governo tenta contornar déficit de potência

Cancelado em abril, o LRCAP voltou para a prancheta do Ministério de Minas e Energia para uma reformulação das regras. A expectativa é lançar um novo certame, com contratação de produtos de potência para a partir de 2026.

Uma das iniciativas tomadas pelo governo para sanar o déficit de capacidade estimado para 2025 foi a antecipação da entrada em operação de térmicas contratadas no leilão de reserva de capacidade de 2021 e que só começariam a gerar em 2026.

Além disso, o governo federal espera que a implantação de tarifas horárias possa ajudar a suavizar a rampa de consumo do fim da tarde. Com o sinal indicativo aos consumidores, a expectativa é que haja uma diminuição da demanda nesse período de maior consumo.

A iniciativa está prevista na medida provisória 1300/2025, de reforma do setor elétrico. O secretário Nacional de Energia Elétrica do MME, Gentil Nogueira, disse nesta quarta (4/6) que o consumidor poderá ser estimulado a adotar hábitos diferentes.

A contratação por meio do mecanismo de operação diferenciada de térmicas é outra opção na mesa, para despacho de potência de térmicas existentes pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). O MME prorrogou a medida até 30 de setembro 

Pacificar as disputas entre os agentes em torno da modelagem do Leilão de Reserva é, hoje, a principal pendência para colocar um novo certame de pé ainda este ano.

A agência eixos apurou que uma das saídas em discussão no MME é a separação dos produtos, para que térmicas a gás não concorram diretamente com usinas a biocombustíveis – uma disputa que esteve no cerne da judicialização do LRCAP 2025.

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