Energia

Energia, questão de sobrevivência e dignidade

É preciso considerar a ampliação de subsídios à baixa renda nos momentos de maiores dificuldades econômicas, escrevem Clauber Leite e Paula Bezerra

Acesso à energia elétrica, questão de sobrevivência e dignidade. Na imagem: Instalações elétricas por meio do programa Luz para Todos, no Piauí, em 2020 (Foto: Governo Federal)
Instalações elétricas por meio do programa Luz para Todos, no Piauí (Foto: Governo Federal)

A crise socioeconômica combinada com a pressão global nos preços dos energéticos gerou uma situação insustentável para as parcelas de menor renda da população brasileira no que diz respeito à energia.

Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que, no ano passado, 39,4% das famílias de baixa renda atrasaram a fatura em pelo menos um mês.

Essa inadimplência recorde deixa as famílias sob ameaça constante de cortes de um serviço essencial para a vida moderna e se relaciona ao fenômeno da pobreza energética, que significa que as famílias não conseguem garantir um suprimento mínimo de energia para atender a demandas básicas, como iluminação e refrigeração de alimentos.

Vale lembrar que o acesso à energia é um direito que serve de base para a consolidação de todos os outros, como alimentação de qualidade, educação e saúde.

De forma geral, o custo com eletricidade tem sido excessivo para boa parte da população.

Tarifa social é insuficiente para promover acesso à energia

Pesquisa do Instituto Clima e Sociedade (iCS) mostra que, para poder pagar as tarifas, quatro em cada dez brasileiros, em média, diminuíram ou deixaram de comprar roupas, sapatos e eletrodomésticos no ano passado.

Mais, 22% diminuíram a compra de alimentos básicos e 14% tiveram de deixar de pagar outras contas básicas para manter a luz acesa.

As dificuldades para o pagamento das contas de luz também aprofundam os desafios financeiros das famílias, uma vez que atrasos significam cobranças de multas e juros, acentuando dificuldades futuras de pagamento.

Ampliam, portanto, as desigualdades, até porque os mais pobres comprometem uma parcela maior da renda com energia que os mais ricos.

A inadimplência observada e os dados revelados pela pesquisa do ICS evidenciam que a tarifa social não está sendo suficiente para o enfrentamento do problema.

O mecanismo garante 65% de redução nas tarifas para as famílias com renda per capita de até meio salário-mínimo que usem um máximo de 30 kWh por mês — insuficiente para um consumo mínimo de geladeira e iluminação —, além de descontos de 10% a 40% nas contas de até 200 kWh.

Solução defasada

O programa não foi dimensionado para garantir as necessidades contemporâneas de uso de eletricidade, tais como as telecomunicações.

Em Brasília, silêncio em relação ao assunto: a ação do governo limita-se à organização de um novo empréstimo para o setor elétrico para evitar reajustes tarifários excessivos num ano eleitoral.

Sabemos que não há uma solução única e que qualquer opção será de grande complexidade.

No âmbito setorial, o encaminhamento passa por melhorias gerais que favoreçam uma redução dos custos e, portanto, das tarifas de todos os consumidores.

Também não pode ser descartada a revisão nos subsídios concedidos à baixa renda, com a consideração de alternativas para ampliá-los nos momentos de maiores dificuldades econômicas como o atual, preferencialmente com recursos do Tesouro Nacional.

Ainda, a recuperação do emprego e da renda são fatores essenciais nessa equação.

O fato é que assegurar acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos, um dos objetivos da Agenda 2030 do desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), está cada vez mais distante no Brasil.

Mas precisamos sair da inércia e agir de maneira efetiva porque o acesso à energia não é apenas uma questão de carência: é uma questão de sobrevivência e dignidade.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

Clauber Leite é assessor sênior do Instituto Pólis e Paula Bezerra é pesquisadora em energia do Centro de Economia Energética e Ambiental da Coppe/UFRJ