BRASÍLIA — Geradores afetados pelos cortes de geração (curtailment) defendem que os empreendimentos de micro e minigeração distribuída (MMGD) também passem a dividir essas perdas. A saída vista por associações do setor é que os prejuízos em torno dos cortes geração tenham custos compartilhados.
A Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) vai sugerir à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a distribuição das perdas entre os geradores centralizados e a MMGD. A contribuição vai ocorrer no contexto da consulta pública 45/2019, sob relatoria da diretora Agnes da Costa, para estabelecer critérios para limitação de geração.
O argumento da entidade é que a expansão registrada nos últimos anos na geração própria de energia trouxe um excesso de oferta e está entre as causas dos cortes.
“Estamos estudando cenários de propostas que podem ser feitas feitas, até no sentido que a gente vê a Aneel e o Ministério de Minas e Energia se manifestando, e o próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) dizendo sobre a necessidade, em alguns horários, de cortes na geração distribuída, até em função de sobrecargas do sistema”, disse o diretor técnico regulatório da Abeeólica, Francisco Silva.
Em 2024, as eólicas tiveram prejuízos de R$ 1,7 bilhão em cortes de geração, sendo que 90% dessas interrupções não dão direito a ressarcimentos.
O crescimento da geração de energia no Brasil, nos últimos anos, foi pautado pelos subsídios, de acordo com o diretor de energia, regulação e institucional da Serena Energia, Bernardo Bezerra.
Na visão do executivo, tanto os contratos centralizados, via leilões, quanto a geração distribuída expandiram a capacidade por incentivos, o que gerou distorções.
“Muito da expansão renovável ocorreu não porque a demanda de energia cresceu, mas, de forma artificial. A energia ficou mais barata por causa de subsídios e foi construída uma nova capacidade, na verdade, para atender uma demanda inexistente” disse durante participação no evento Diálogos da Transição, organizado pela agência eixos na segunda-feira (17/2).
“Hoje em dia, isso continua acontecendo principalmente na geração distribuída, com os painéis solares colocados nas casas e comércios. Está crescendo de forma desenfreada, com uma suboferta de energia”, acrescentou.
Bezerra opina que, para resolver o impasse sobre os cortes de geração, é necessário inverter a lógica e interromper o descompasso entre benefícios para expansão e consumo.
“O primeiro ponto é estancar subsídios para termos um crescimento de oferta de forma sustentável. O outro passo é a gente dar incentivos pelo lado da demanda, porque essa mudança energética que nós temos tem que ser usada para incentivar uma maior demanda por produtos, por consumo sustentável”, afirmou.
A Serena chegou a abrir um processo na Aneel pedindo a suspensão dos cortes, mas teve o pedido negado. A geradora afirma que perdeu R$ 35,6 milhões entre janeiro de 2023 e setembro de 2024.
Segmento de geração distribuída rebate
A Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) fala em “perseguição” ao setor.
Para o presidente da entidade, Carlos Evangelista, é uma “falácia” relacionar os cortes de geração à MMGD, já que esses projetos não usam as redes de transmissão, por estarem localizados próximos à carga.
“Cerca de 90% dos cortes se dão por restrição na transmissão, quando não se consegue escoar toda a energia que eu produzo nas grandes empresas, nas grandes usinas de geração centralizada, especificamente solar e fotovoltaica e a GD nem usa a linha de transmissão. O curtailment é causado por falta de planejamento e falta de infraestrutura”, disse.
Embora veja o direito dos consumidores garantido pelo marco legal da fonte (lei 14300/2022), Evangelista acredita que movimentos para responsabilizar a MMGD por cortes de geração podem desencorajar os cidadãos a gerarem a própria energia.
A Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar) também é parte na ação que pleiteia na Justiça os ressarcimentos por cortes de geração, ao lado da Abeeólica.
Consultada sobre a possibilidade de rateios dos cortes de geração junto à MMGD, a Absolar não se manifestou.
Briga de mercados
Para o especialista em litígios de infraestrutura João Marcos Neto, do Toledo Marchetti Advogados, a expansão da geração distribuída trouxe reclamações por parte dos geradores com contratos centralizados, já que houve maior incidência dos cortes de geração.
“É uma briga de divisões de mercado. A MMGD, por definição, não sofre esses cortes o que piora a situação das renováveis centralizadas. Colocar a geração distribuída na mesma mesa de negociação para eventualmente pulverizar esses prejuízos poderia ser uma solução, mas, como já se percebeu, é óbvio que é uma solução mais drástica e vai gerar ruído, vai gerar polêmica no mercado”, afirmou.
Com ou sem rateio dos prejuízos, Neto sugere que a classificação dos cortes seja aprimorada e o direito de indenização dos geradores seja revisto. O tema está em debate na consulta pública em curso na Aneel.
“Talvez seja o caminho, porque a Aneel tem uma posição defensiva em relação a isso, de tentar jogar todo tipo de prejuízo para as outras duas categorias, de confiabilidade elétrica e de razão energética, para a indisponibilidade externa, no qual pode ser pleiteado o ressarcimento. Essa batalha vai ficar em torno dessas discussões de qual é a classificação”, disse.
Controle de carga é desafio
Segundo o sócio do Stocche Forbes Advogados Frederico Accon não existe um controle da carga da geração distribuída, o que gera um cenário sem cortes para os produtores.
“A GD não é despachada. Hoje, quando o ONS sente que tem um excesso de geração em uma restrição elétrica e não consegue cortar a geração distribuída, só consegue controlar a geração solar centralizada”, disse.
Na visão do especialista, é possível pensar em saídas para que esse controle seja possível. Existem, inclusive, experiências internacionais nesse sentido.
“O que se fala é de você colocar as distribuidoras, que é quem tem o contato físico com a MMGD, sendo um operador local, para que também tenha essa possibilidade de cortar. Embora exista um consumo instantâneo, parte dessa geração distribuída é injetada na rede. Falta demanda em determinados horários do dia, o que acaba gerando a necessidade de corte de geração”, afirmou.