O setor elétrico brasileiro está passando por transformações importantes com a ampliação do mercado livre de energia. Com a possibilidade de migração de todos os consumidores, inclusive os de baixa tensão, para o mercado livre a partir de 2026, cresce a necessidade de assegurar uma transição justa e competitiva.
Foi nesse contexto que foi aberta a Consulta Pública nº 07/2025, que discute mudanças na Resolução Normativa nº 1.000/2021. Um dos pontos centrais da proposta é a proibição do uso da mesma marca, nome fantasia e identidade visual por distribuidoras e comercializadoras que pertencem ao mesmo grupo econômico.
A medida busca evitar que empresas coligadas utilizem a força institucional da marca da distribuidora concessionária, historicamente consolidada em mercados monopolistas, para obter vantagens indevidas na disputa com comercializadoras independentes.
Identidade visual compartilhada: uma vantagem herdada do monopólio
No modelo vigente, a presença da mesma identidade visual transmite ao consumidor a ideia de que está negociando com a mesma empresa que sempre lhe forneceu energia, mesmo quando se trata de entidades juridicamente distintas.
O uso cruzado da marca facilita a captura do consumidor por inércia comportamental, dificultando a entrada e expansão de novos agentes. A confiança gerada ao longo de anos de atendimento monopolista é convertida em poder de mercado no ambiente liberalizado, criando uma barreira à competição.
Mesmo quando outras comercializadoras oferecem melhores preços ou condições contratuais, a associação com a marca tradicional pesa mais na decisão final do cliente, em função de um natural receio de falta de fornecimento.
Não por acaso, os dados publicados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) em fevereiro de 2025 em seu website mostram que, em diversas áreas de concessão, as comercializadoras ligadas às distribuidoras chegam a deter mais de 80% do market share local.
Esse quadro revela que o mercado livre corre o risco de ser apenas uma liberalização formal, sem efetiva mudança na dinâmica de poder.
O problema do prazo: uma janela para aprofundar desequilíbrios
Apesar de reconhecer a gravidade da sobreposição de marcas, a minuta de resolução colocada em consulta pública propõe um prazo de até 24 meses (ou até 31 de dezembro de 2027) para que a separação entre distribuidoras e comercializadoras seja efetivada.
Embora a intenção seja dar tempo para ajustes operacionais e comunicação ao consumidor, esse intervalo funciona, na prática, como uma janela de oportunidade para reforço das distorções já existentes.
A separação de marcas não é uma questão meramente estética. Trata-se de uma garantia de que o consumidor terá condições reais de escolher entre fornecedores distintos, com base em atributos objetivos como preço, atendimento, inovação e não em vínculos históricos com a distribuidora local, aumentando os custos associados à construção de imagem de competidores.
Além disso, reforça os incentivos para que novos entrantes invistam no setor, ampliando a diversidade e competitividade do mercado.
Durante esses dois anos, as comercializadoras coligadas poderão continuar explorando plenamente a vantagem de marca, ampliando suas bases de clientes em detrimento dos concorrentes independentes.
Em um mercado em rápida expansão, tempo é vantagem, e permitir que apenas alguns poucos players iniciem essa corrida com mais fôlego, por força da marca, compromete a equidade desde a largada.
Assim, a separação de marcas entre distribuidoras e comercializadoras coligadas deve ser tratada como um pilar regulatório essencial para a construção de um mercado varejista de energia elétrica competitivo e isonômico.
O prazo de dois anos proposto na Consulta Pública nº 07/2025 contraria esse objetivo e favorece a perpetuação de desequilíbrios históricos, em que a solução efetiva, na verdade, deveria ser a proibição da participação das distribuidoras como comercializadoras nas suas áreas de concessão, de forma a que medidas paliativas, tal como a que ora se discute, sequer sejam necessárias.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Carlos Ragazzo é doutor em Direito da cidade pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pós-doutor pela University of California (Berkeley). Foi o primeiro Superintendente Geral do Cade (2012 a 2014) e Conselheiro do Cade (2008 a 2012).