Energia

A transição energética justa no Brasil

Democratização se refere ao acesso amplo e módico à energia, de forma inclusiva, participativa e priorizando o social no uso dos recursos, escrevem Emílio Matsumura e Nathalia Paes Leme

Projeto ‘Sempre Luz’, parceria entre a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e a empresa Unicoba da Amazônia, para levar energia solar fotovoltaica a comunidades ribeirinhas e indígenas do Amazonas (Foto: Divulgação FAS) 
Projeto ‘Sempre Luz’, parceria entre a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e a empresa Unicoba da Amazônia, para levar energia solar a comunidades ribeirinhas e indígenas do Amazonas (Foto: Divulgação FAS)

Neste artigo, abordamos o último D que caracteriza a transição no Brasil de acordo com a visão do Instituto E+ Transição Energética: a democratização ou (redução) na desigualdade de acesso à energia e sua relação com o conceito de transição energética justa.

Os 4 outros D, descarbonização, descentralização, digitalização e desenho de mercado, foram tratados em artigos anteriores aqui neste espaço.

A democratização se refere ao acesso amplo e módico à energia, de forma inclusiva, participativa, dando maior prioridade à questão social no aproveitamento dos recursos energéticos.

As atividades econômicas, cada vez mais digitalizadas, e a entrada exponencial de novas tecnologias de informação e comunicação, acarretam uma dependência crescente da energia no modo de vida das pessoas.

Essa tendência aumentará o fosso social, ampliando as discrepâncias na sociedade, principalmente se muitos não tiverem acesso à energia barata e de qualidade, reduzindo suas possibilidades de mudarem a situação de dificuldade econômica e adquirirem melhor padrão de vida.

Transição justa e acesso a energia

O Brasil, sendo um país caracterizado por elevado grau de desigualdade econômica e social, enfrenta um grande desafio: realizar a transição energética justa. Esse conceito, por sua vez, significa que apenas a descarbonização da matriz energética é insuficiente, ainda que envolva grau elevado de digitalização, maior descentralização dos sistemas energéticos e que passe por modernização do arcabouço regulatório e desenho de mercado de energia.

Mas, o que é exatamente a transição energética justa? Embora não haja propriamente um consenso em relação à sua definição, alguns elementos estão comumente a ela associados.

Primeiro, ela reconhece que as mudanças climáticas, ao aumentarem a frequência e intensidade dos eventos climáticos, tendem a afetar com maior magnitude as camadas mais vulneráveis da sociedade. Assim, faz-se necessário aumentar a velocidade na descarbonização da matriz energética ao mesmo tempo em que se reforça o sistema de proteção desses grupos aos eventos extremos.

Segundo, a descarbonização das matrizes energéticas, embora benéfica para o mundo no geral, leva a perdas de grupos sociais, cidades e, eventualmente, regiões inteiras cujos modos de vida estão atrelados a atividades econômicas ligadas a fontes fósseis e que teriam dificuldade de fazer uma adaptação acelerada para uma economia de baixo carbono.

Nesse caso, faz-se necessário apresentar alternativas produtivas associadas a fontes de energia de baixa emissão e que ofereçam perspectiva de maior qualidade de vida e de renda para essas populações.

Além disso, a desigualdade de acesso à energia está, muitas vezes, relacionada a outras formas de desigualdade socioeconômica, tais como a discriminação étnico-racial, a disparidade de gênero, a desigualdade de renda, a falta de oportunidades de acesso às instâncias de decisão e a baixa mobilidade social.

Portanto, a transição energética precisa ser indutora não apenas da mudança da matriz energética na direção de uma economia de baixo carbono, mas de uma economia mais inclusiva e justa, de modo a proteger as camadas mais vulneráveis, ampliando especialmente a democratização do acesso desses grupos à energia, para permitir a erradicação da pobreza.

Responsabilidade social e ambiental

Nesse sentido, a transição energética justa é também uma pauta política, pois está atrelada a um novo modelo de desenvolvimento, baseado em um sistema que promova a segurança energética, com maior eficiência econômica, responsabilidade ambiental e justiça social, trazendo maior qualidade de vida à população e aumento do bem-estar social.

Assim, para ser justa, precisa de compromissos políticos que redirecionem as transformações em direção ao desenvolvimento sustentável em todas as suas esferas, principalmente garantindo maior democratização no acesso à energia.

Em Glasgow, a declaração conjunta dos EUA e da China sobre o Reforço da Ação Climática foi um importante passo nessa direção, com o comprometimento de “maximizar os benefícios societais da transição de energia limpa”. Esse compromisso reconheceu a necessidade de se assegurar uma transição justa na condução de um desenvolvimento sustentável, com erradicação da pobreza, criação de postos de trabalhos de qualidade compatíveis com a baixa emissão de gases de efeito estufa e a resiliência ecológica e climática.

Concluímos, portanto que, um dos maiores desafios da atual transição energética no caso brasileiro é fazer a modernização dos seus mercados de energia levando em conta uma transição energética justa, com ampliação da participação dos grupos mais vulneráveis, pluralidade de visões e maior consciência social e ambiental.

A transformação precisa ser sistêmica, inclusiva e direcionada para o bem-estar desta e das futuras gerações. O Brasil, com sua abundância e diversidade de recursos, tem potencial para gerar um modelo de desenvolvimento sob novas bases em direção à economia de baixo carbono do século XXI, com maior democratização de acesso à energia e todas as oportunidades a ela relacionadas.

Emílio Matsumura é professor do IBMEC/RJ.

Nathalia Paes Leme é mestranda em Planejamento Energético do PPE/COPPE/UFRJ e assessora de direção executiva do Instituto E+ Transição Energética.