Combustíveis e Bioenergia

A transição energética e a nova Era dos Metais

Expansão das renováveis ampliará consumo de metais, cuja geopolítica é, possivelmente, mais complicada que a do petróleo, escreve Marcelo Gauto

A transição energética e a nova Era dos Metais. Na imagem: Vista aérea de mina de lítio. Escavação em níveis, com grande profundidade (Foto: Eddy Pump/Divulgação)
China, Austrália e República Democrática do Congo controlam mais de três quartos da produção global de lítio, cobalto e terras raras (Foto: Eddy Pump/Divulgação)

Ao longo da evolução humana, os metais foram tão importantes que marcaram um período histórico chamado “Idade dos Metais”, que remonta à Pré-História, antes da escrita. A utilização dos metais nos tirou da Idade da Pedra.

O primeiro metal que marcou a humanidade foi o cobre. É difícil identificar a origem exata das primeiras utilizações de utensílios e ferramentas à base de cobre, pois remontam a mais de cinco mil anos antes de Cristo. Possivelmente, os primeiros objetos tenham sido feitos a partir do metal virgem encontrado na natureza — e somente depois a partir de um minério contendo o metal propriamente dito.

Muitos historiadores consideram a Idade do Cobre como parte da Idade do Bronze (de 3.300 a 1.200 a.C.). O bronze é uma liga metálica formada essencialmente por cobre e estanho, sendo mais dura e resistente do que o cobre puro.

Objetos de bronze datados de milênios atrás demonstram que a sociedade já tinha algum grau de sofisticação e conhecimento sobre os metais, a ponto da engenhosidade de desenvolver uma liga. O uso dos metais, nesse período, foi certamente o principal fator para o aperfeiçoamento dos instrumentos e das técnicas usadas na guerra, na caça e na agricultura.

A fundição do ferro, metal mais abundante do que cobre, estanho, prata ou ouro, exigia temperaturas mais altas do que os rudimentares fornos de fundição podiam oferecer, fazendo com que a Idade do Ferro só tivesse início dezenas de séculos depois do bronze. Talvez a frase “em casa de ferreiro o espeto é de bronze”, tenha sido comum àquela época.

O desenvolvimento da mineração, técnicas de fundição e metalurgia proporcionaram enorme avanço tecnológico para a humanidade. Níquel, cromo, alumínio, entre tantos outros elementos, possibilitaram a formulação de ligas extraordinárias, sendo o aço, em suas variadas composições, talvez a liga mais conhecida e utilizada mundo afora até hoje. Milhares de anos de história trilhados até aqui.

A transição energética e os metais

A necessidade de se acelerar a transição para uma matriz energética que tenha menores emissões de carbono vai exigir uma revolução na produção de metais. Para cumprimento das metas estabelecidas no “Carbon Net Zero”, serão necessárias grandes quantidades de metais.

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Energia eólica, solar e baterias, que são os principais pilares da eletrificação em massa apontada no horizonte 2050-2060, aumentarão exponencialmente o consumo de cobre, níquel, manganês, cobalto, lítio, entre outros elementos raros, nas próximas décadas.

Será algo tão significativo que não seria exagero dizer que estamos diante de uma nova “Era dos Metais”.

No cenário de emissões líquidas zero, espera-se que até 2030 os veículos elétricos representem pouco mais da metade das vendas globais de veículos leves (IEA, 2022). Para concretizar tal projeção, a demanda por baterias e infraestrutura de recarga exigirá múltiplos de crescimento.

Um veículo elétrico típico carrega hoje perto de 205 kg de metais, valor seis vezes superior à de um veículo de combustão (figura 1), o que ajuda a dar uma ideia do tamanho da pressão sobre a cadeia de suprimento de metais que se tem pela frente somente pela eletrificação da frota.

Figura 1 – metais utilizados em veículos elétricos comparado com veículos convencionais (Fonte: adaptado de IEA, 2021)

Espera-se igualmente, que a geração de energia eólica e solar sigam com crescimento exponencial, passando de 1.500 GW para mais de 20.000 GW de capacidades instaladas somadas até 2050 (IRENA, 2021).

Cada MW de capacidade instalada em uma eólica onshore demanda dez vezes mais metais do que uma usina de gás natural (figura 2).

Figura 2 – comparação da quantidade de metais críticos para a transição utilizados em usinas geradoras de energia elétrica (Fonte: adaptado de IEA, 2021)

Diante disso, é possível observar que será necessário aumentar muito a produção de alguns metais tidos como essenciais ou críticos para a transição. A mineração será elevada a níveis nunca vistos, exercendo enorme pressão no suprimento de minérios e no adequado manejo ambiental necessário.

A corrida pelos metais

O lítio ganhou atenção especial nos últimos anos por conta da sua utilização em baterias de veículos elétricos. É um metal com consumo em ascensão, que tem despertado uma busca frenética por jazidas que possam suprir sua demanda nos decênios a frente. Estima-se que o seu consumo possa aumentar em 75 vezes de 2020 a 2050 (EIA, 2021), o que exigirá grande esforço de mineração e processamento.

Cobre, Níquel e Cobalto são outros elementos críticos para o rápido desenvolvimento da eletrificação, com demanda igualmente crescente em exponencial. Este rápido crescimento representa um desafio significativo para o setor de mineração e metais em diversos sentidos: disponibilidade de jazidas, obtenção de licenças ambientais, acesso a capital e cadeias de suprimentos eficientes.

O aumento da oferta de metais é um processo intrinsicamente lento, dadas as complexidades de desenvolvimento de um projeto de mineração, ao passo que a demanda pode/deve aumentar rapidamente, exercendo pressão sobre os preços, tornando a transição mais cara.

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A reciclagem exercerá papel fundamental para atenuar a pressão sobre a oferta de metais, alguns dos quais já são amplamente reciclados, como cobre e alumínio. As dificuldades de logística reversa, de separação e processamento são ainda entraves a serem superados para o lítio e terras raras, especialmente. De qualquer forma, a reciclagem sempre estará aquém da demanda pelos metais.

As questões de cunho socioambiental são cada vez mais relevantes e devem ganhar especial atenção diante do aumento significativo da mineração associada à transição energética.

A produção de cobalto no Congo, muitas vezes denunciada por utilizar precárias condições de trabalho e mão de obra infantil; a poluição de grandes mananciais de água por conta da lavra em condições inadequadas do minério de níquel na Indonésia; e o rompimento de barragens de lama residual, como as ocorridas no Brasil em passado recente, são exemplos de questões que exigirão cuidadoso olhar da sociedade.

Paralelamente, essa corrida pelos metais tem suscitado discussões sobre segurança energética. A produção dos minérios críticos é concentrada em poucos países e o seu processamento é amplamente dominado pela China. A disponibilidade e acessibilidade aos minerais críticos são fatores fundamentais da segurança energética. A geopolítica dos metais é possivelmente mais complicada que a do petróleo.

Não deixa de ser no mínimo curioso que o mundo esteja tentando se livrar da energia fóssil pelo caminho do extrativismo mineral acelerado associado à obtenção de metais.

A contemporânea “Idade dos Metais” está apenas começando e vai exigir que se garimpe fundo nas entranhas terrestres para dar vazão à tamanha demanda colocada pela transição energética.

Nossos ancestrais levaram milênios para atravessar a Idade dos Metais. Tem-se bem menos tempo agora para isso. É o futuro energético sendo forjado a “ferro, lítio, cobre, níquel, cobalto…” lama e fogo.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.

Referências

IEA (2021). The Role of Critical Minerals in Clean Energy Transitions. Disponível em: <https://www.iea.org/reports/the-role-of-critical-minerals-in-clean-energy-transitions/executive-summary>. Acessado em fevereiro de 2023.

IEA (2022). Electric Vehicles. Disponível em: <https://www.iea.org/reports/electric-vehicles>. Acessado em fevereiro de 2023.

IRENA (2021). World Energy Transitions Outlook: 1.5°C Pathway, International Renewable
Energy Agency, Abu Dhabi.