BRASÍLIA – A pedido de Paulo Guedes, a área técnica do Ministério da Economia vai revisar seu parecer sobre a mudança na aplicação de tarifas e encargos na geração distribuída – o que Bolsonaro chama de “taxar o Sol”. O presidente mobilizou líderes da Câmara e do Senado, durante as férias de Guedes, para impedir que as mudanças sejam promovidas, exclusivamente, pela agência que regula o setor elétrico, a Aneel.
Técnicos que participam da discussão anteciparam ao político epbr, serviço exclusivo para assinantes, que há uma tendência de preservar os contratos existentes, isentando os consumidores que já investiram em sistemas de geração distribuída. O mercado é formado, majoritariamente, por mini e microgeradores com placas solares, daí o foco da discussão na “taxação do Sol”.
O posicionamento original dos ministérios de Minas e Energia e da Economia é que a revisão não se trata de “taxar o Sol”, mas reduzir um subsídio cruzado, que beneficia “redes varejistas, bancos ou mesmo consumidores residenciais de alta renda”, em um setor que supera todas as previsões de crescimento – ultrapassou 2 GW de capacidade em 2019.
“É, no mínimo, um contrassenso defender a liberalização completa do mercado e, ao mesmo tempo, criar um encargo de pagamento obrigatório a todos os consumidores para subsidiar painéis solares de grandes usuários (sejam eles redes varejistas, bancos ou mesmo consumidores residenciais de alta renda) que foram viabilizados por empreendedores que comercializam energia elétrica por meio de uma interpretação duvidosa da REN 482 [a resolução da Aneel]”, afirma nota conjunta dos ministérios, elaborada em dezembro.
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O tema é discutido desde o ano passado na Câmara dos Deputados. O relator do Código Brasileiro de Energia Elétrica, deputado Lafayette Andrada (Republicanos/MG), sugeriu um novo texto para criar um marco regulatório para geração distribuída.
Seu colega de partido, Silas Câmara (Republicanos/AM) – líder da bancada evangélica – é autor de outro projeto, que chegou a tramitar na Comissão de Minas e Energia (CME) da Câmara. Há diversos projetos sobre o tema, mas foi com Silas que Bolsonaro negociou, durante as férias de Guedes, um subsídio para conta de energia de grandes templos religiosos, o que beneficia os evangélicos.
O deputado do Amazonas também tratou da aumento do IPI para bebidas no estado. O governo quer cortar a alíquota nacional de 8% para 4%, o que reduz a competitividade da Zona Franca de Manaus.
“Houve um lapso, um pequeno problema, sobre taxar, sobre os concentrados, os xaropes…Tá acertado na Economia e a gente vai continuar naquela escadinha, de modo que todos possam se adequar e ninguém ter prejuízos”, afirmou Bolsonaro, no dia 15, em vídeo ao lado de Silas Câmara, anunciando que a redução será gradual.
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Projeto de Lafayette Andrada prevê pagamento crescente em dez anos
Em meio ao recesso parlamentar, não há definição sobre qual será a estratégia do governo, capitaneado por Bolsonaro, e as lideranças parlamentares. Rodrigo Maia (DEM/RJ), presidente da Câmara, deve participar da definição de qual projeto será priorizado.
O texto que vem sendo discutido este ano, de Lafayette Andrada, prevê que a isenção seja mantida para quem instalar sistemas até 2021 e os novos sistemas passariam a pagar, escalonadamente, dependente do tipo:
- Na geração remota: fim dos descontos para novos sistemas, a partir de 2022. Nesse modelo, a energia é gerada fora do local de consumo.
- Para a geração local, com apenas uma unidade de consumo: pagam 10% da tarifa de distribuição e encargos em 2022, até atingir 100% em dez anos;
- E na geração compartilhada: começam pagando 50% a partir de 2022, chegando a 100% em dez anos;
“Em fevereiro vamos matar isso. [Rodrigo] Maia pediu para segurar um pouco para conversar com líderes sobre qual é o melhor caminho regimental para dar celeridade, mas o importante é ter o texto e isso temos”, afirmou Andrada.
A assessoria de Maia afirmou que não há uma definição se o andamento do tema será feito por um novo projeto de lei ou alguma matéria já em andamento na Câmara. Segundo Bolsonaro, Maia se comprometeu a votar uma proposta em regime de urgência.
Enquanto isso, a revisão é discutida por meio da consulta pública da Aneel. O Ministério de Minas e Energia, ao qual a agência é subordinada, adotou a posição que as ações de Bolsonaro não configuram uma interferência.
Para o ministro Bento Albuquerque, a agência é soberana e ao decidir contra a “taxação do Sol”, Bolsonaro apenas determinou que tal decisão não partirá do governo.
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O que é a “taxação do Sol”. Na verdade, a questão não é sobre taxar ou não a geração solar, mas sim as regras para pagamento de encargos que são rateados por todos os usuários do setor elétrico.
Consumidores residenciais, comerciais e industriais, incluindo grandes empresas, podem investir nos seus próprios sistemas de geração de energia, no local onde ela é consumida ou até de forma remota, a partir de pequenas usinas.
A fonte poder ser o Sol – a energia solar fotovoltaica – ou até mesmo outras fontes renováveis, como a cogeração a partir do bagaço de cana. Esse micro ou minigerador solicita à Aneel a conexão da sua usina à rede de distribuição e passa a ter direito a injetar a energia excedente para receber, de volta, créditos que servem para abater parte da energia consumida das distribuidoras.
Esse crédito não considera totalmente encargos, então quem gera a própria energia acaba sendo beneficiado. Mas como essa despesa é rateada entre todos os consumidores, quem não gera a própria energia, acaba pagando uma parcela dos encargos de quem investiu na geração distribuída.
Esse subsídio foi criado para incentivar o setor, o que é benéfico para o sistema elétrico – gera energia limpa, de forma distribuída, reduzindo a demanda por infraestrutura de transmissão, por exemplo, e abre caminho para redes inteligentes, a smart grid. Mas como é uma forma de subsídio, onera outros consumidores e já era prevista uma revisão dessas regras.
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