O CEO da Unigel, Roberto Noronha Santos, defende que o Programa Nacional de Fertilizantes, em desenvolvimento pelo governo federal para impulsionar o setor no Brasil, deve priorizar a competitividade do gás e da energia elétrica.
“Matéria-prima [gás natural] competitiva e energia competitiva: são dois pontos cruciais para animar as empresas a investir mais em produção”, disse à agência epbr.
O programa deve ser anunciado nos próximos dias, depois do encontro de Jair Bolsonaro (PL) com o líder russo Vladimir Putin. O país atualmente importa cerca de 85% dos adubos, sendo a Rússia o principal fornecedor de nitrogenados.
A expectativa é incluir medidas tributárias para reduzir o custo da cadeia de produção dos insumos agrícolas.
O presidente brasileiro vai pedir garantias de fornecimento de fertilizantes ao Brasil e mais investimentos no setor, segundo a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse à CNN Brasil.
A iniciativa do governo vem após os desinvestimentos da Petrobras nas suas plantas de fertilizantes.
No início do mês, o grupo russo Acron acertou a compra da fábrica de fertilizantes nitrogenados UFN-III, da estatal brasileira em Três Lagoas (MS). As fábricas da Unigel em Sergipe e na Bahia também foram arrendadas da estatal.
Investimentos da Unigel
A Unigel investiu cerca de R$ 510 milhões para recolocar as unidades em operação e é hoje a maior produtora nacional de fertilizantes nitrogenados, como ureia e amônia.
Tanto a ureia como a amônia e outros fertilizantes nitrogenados têm o gás natural como principal matéria-prima. O suprimento foi feito diretamente com produtores, no mercado livre de gás.
“Um país que é o terceiro produtor de alimentos, quarto maior mercado de fertilizantes do mundo, não pode ter a dependência que tem, todos os outros países têm uma dependência de 20%”, avalia o executivo da Unigel.
A companhia irá investir esse ano mais R$ 500 milhões em uma planta de produção de ácido sulfúrico — matéria-prima do sulfato de amônio — em Camaçari (BA), que deverá operar no primeiro trimestre de 2023.
A expectativa da empresa é aumentar sua participação no mercado doméstico desses produtos nos próximos anos.
“Na produção da ureia temos uma capacidade de 1,1 milhão de toneladas, em um mercado de 8 milhões de toneladas/ano. Já no sulfato de amônio vamos ter uma capacidade de 700 mil toneladas num mercado de 2,5 milhões”, detalha.
Ele conta que a participação da companhia no mercado é insuficiente para atender a demanda atual.
O papel do gás
O CEO da companhia destaca a importância do novo mercado de gás para o setor de adubos, ao permitir a entrada de novos players e aumentar a competitividade.
“A Unigel foi a primeira empresa brasileira a ser o primeiro consumidor livre de gás natural no Brasil”, pontua.
“Shell, Petrobras são alguns dos nossos fornecedores, e alguns outros players, o que não seria possível sem o novo mercado de gás”.
Contudo, Roberto lembra que ainda há muito o que ser feito.
“Tem um espaço imenso para avançar. Para que o negócio fique realmente competitivo, você precisa de mais infraestrutura, mais terminais de regaseificação, mais gasodutos, mais UPGNS (…) Não tem nenhuma UPGN nova [planejada]”.
Hidrogênio e amônia verde
Além dos fertilizantes, a Unigel também pretende expandir suas atividades para a produção de amônia e hidrogênio verde (H2V) para substituição de combustíveis nos setores de transporte, mineração e siderurgia.
“A Unigel vai ser a primeira produtora de hidrogênio e amônia verde no Brasil (…) Estou falando de produção em escala industrial”, assegura o executivo.
A companhia pretende instalar também em Camaçari, na Bahia, uma unidade com capacidade de produção de mais de 600 toneladas de amônia verde por dia. Apesar da companhia não revelar o valor do investimento, o governo da Bahia estima que seja de pelo menos R$1,4 bilhão.
A previsão inicial era começar a operar no primeiro semestre de 2023, mas o prazo foi adiado para a segunda metade do ano que vem, devido aos desafios na aquisição de eletrolisadores.
“Estamos tentando antecipar a entrega dos eletrolisadores e fazer a planta em módulos. Na primeira fase seria possível produzir pelo menos 200 toneladas dia”, explica Roberto.
Outro grande desafio para colocar o projeto de pé é a necessidade de um enorme volume de energia elétrica renovável. Roberto espera que toda a energia necessária para rodar a produção seja produzida no próprio estado da Bahia.
O executivo ressalta que o principal componente do custo do H2V é o preço da energia elétrica negociado a longo prazo e que vem conversando com desenvolvedores de projetos de renováveis onshore e offshore no estado.
Recentemente, a companhia fechou com a Casa dos Ventos um contrato de longo prazo para fornecimento de energia eólica em valor superior a R$ 1 bilhão.
Mercado consumidor
Assim como outros projetos anunciados no Brasil, a Unigel está focada em produzir H2V e exportar amônia verde, principalmente para a Europa.
Segundo o Roberto, as empresas europeias já estão muito avançadas no caminho da descarbonização das suas atividades e conta que, a princípio, foram elas que buscaram a companhia para estudar o potencial de produção de amônia verde.
“Recebemos várias consultas de empresas para que nós pudéssemos produzir amônia verde no Brasil. Obviamente eles já estavam vendo quem possui grandes unidades de produção de amônia”.
O executivo ressalta que ao contrário do hidrogênio verde, no caso da amônia verde já existe infraestrutura compatível para transporte e estocagem. O H2V é um passo antes de chegar na amônia verde.
“Já temos uma infraestrutura para fazer estocagem e transporte totalmente pronta, incluindo o terminal que arrendamos no Porto de Aratu”.
Indústrias brasileiras
Além das companhias europeias, Roberto conta que, recentemente, também há uma grande procura de empresas nacionais pelo fornecimento não só de amônia verde como também de hidrogênio verde.
“As empresas nacionais também estão buscando substituição aos combustíveis”.
Os principais setores interessados são mineração e siderurgia, considerados os de mais difícil descarbonização.
No Brasil, companhias como Vale, Gerdau e ArcelorMittal já anunciaram metas de neutralidade em carbono até 2050 e já incluíram o hidrogênio verde em seus planos de redução das emissões.
Companhia espera emitir títulos verdes
Após desistir de realizar uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) no final do ano passado, a Unigel — empresa de capital fechado — continua analisando a ideia e também espera captar recursos por meio de emissão de títulos de dívida vinculados a metas de sustentabilidade ainda este ano.
“Temos a intenção de fazer uma IPO”, conta Luiz Felipe Fustaino, diretor de Relações com Investidores da companhia, à epbr.
“Continuamos analisando ativamente a possibilidade de retomar uma abertura de capital e entendemos que temos projetos de impacto muito positivos do ponto de vista ESG para trazer para os investidores”.
Fustaino explica que a companhia já possui títulos de dívida emitidos no mercado internacional e que a empresa pensa em trazer funding vinculado ao desafio de transição energética.
“É com financiamento verde que a gente pretende realizar os planos de crescimento”, ressalta.
“A Unigel já vem se preparando para que uma futura emissão no mercado internacional esteja linkada a indicadores de sustentabilidade. Estamos olhando para os nossos projetos ligados a descarbonização e transição energética de forma a atrair um funding compatível com isso. Estamos caminhando nesse sentido”, conclui Fustaino.