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Verão será teste de confiança para gás argentino, diz diretor da A&M Infra

Rivaldo Moreira Neto vê com otimismo cauteloso as oportunidades de importação de gás de Vaca Muerta

Rivaldo Moreira Neto é diretor sênior na Alvarez & Marsal (Foto: Divulgação)
Rivaldo Moreira Neto é diretor sênior na Alvarez & Marsal (Foto: Divulgação)

RIO – As primeiras importações de gás natural argentino, esperadas para ocorrerem no próximo verão em caráter flexível, serão um teste de confiança para que o país vizinho se consolide como uma fonte de molécula competitiva e firme para o mercado brasileiro a longo prazo, na visão do diretor sênior na Alvarez & Marsal Infra, Rivaldo Moreira Neto.

Ele destaca que o gás de Vaca Muerta surge como uma oportunidade interessante para estimular competição num mercado concentrado como o Brasil, mas vê com otimismo cauteloso o início da integração gasífera entre os dois países.

“Por que os fundamentos nos indicam uma capacidade muito forte de produção [na Argentina]. Só que até viabilizar comercialmente um formato estruturado de longo prazo, isso ainda vai tomar um caminho ainda bastante desafiador para que se realize”, disse, em entrevista à agência epbr.

Moreira Neto cita a cultura de controle de preços que, no passado, levou a produção local ao declínio — e culminou, nos anos 2000, na interrupção do fornecimento ao Chile e ao próprio Brasil. “Então é natural que exista um desafio ao gás argentino em termos de confiabilidade”, afirmou.

“É um desafio que a Argentina vai ter que superar para ganhar espaço efetivo no mercado brasileiro”

“Porque a nova de expansão dos gasodutos argentinos só poderá acontecer a partir de investimentos privados, que muito geralmente pedem contratos firmes”, complementou.

O histórico de ruptura no fornecimento de gás argentino – e o próprio caráter sazonal da capacidade de envio do país vizinho, num primeiro momento – exigirá, por parte dos compradores brasileiros, uma capacidade de compor um portfólio de suprimento diversificado para garantir a segurança do abastecimento.

“Dentro desse cenário, seria natural esperar que a gente tivesse uma demanda por portfólio – que pode ser GNL, algum gás doméstico também. Das comercializadores, do lado de cá da fronteira, terem algum gás flexível com a Bolívia. Enfim, seria necessário algum tipo de arranjo de portfólio para passar essa segurança”.

Primeiras importações testarão modelo

Ainda assim, para Rivaldo Moreira Neto, a chegada de gás argentino, em bases interruptíveis e volumes limitados num primeiro momento, será um marco importante.

“Porque vai viabilizando o modelo, vai estruturando a saída via Bolívia, vai criando aí uma estrutura, um contorno formal para que esse gás eventualmente chegue num modelo mais estruturado nos próximos anos”, disse.

Comercializadores brasileiros já têm a experiência de contratos interruptíveis de importação de gás da Bolívia. Embora esse tipo de negócio nunca tenha decolado, de fato, Moreira Neto pontua que os mercados argentino e boliviano guardam particularidades.

No caso da Bolívia, há um único vendedor, a estatal YPFB, enquanto, do lado argentino, há vários players com interesse na exportação

“Na Bolívia, o apetite dela [YPFB] enviar mais gás flexível é muito circunstancial. Depende muito do que a Petrobras, que é o cliente preferencial, está puxando naquele momento, enquanto na Argentina não há, necessariamente, uma Petrobras como uma grande cliente”.

“É possível que a gente veja mais dinamismo na Argentina, uma busca mais ativa para enviar esse gás flexível para cá, justamente por se tratar de players privados com sobra de gás e que desejam, certamente, criar mercado e desejam pavimentar o caminho para eventualmente mandar o gás de longo prazo para cá nos próximos anos”, completou.

O fator Petrobras

A diversificação de agentes na Argentina também deve marcar uma diferença importante na capacidade da Petrobras, como agente dominante no mercado brasileiro, de assumir uma posição também dominante no acesso ao gás do país vizinho – a exemplo do papel historicamente assumido pela estatal brasileira na Bolívia.

“Pode ser que a gente veja a Petrobras, de novo, tentando aumentar a sua relevância no comércio regional, mas, pelo menos do lado argentino, nos parece que, hoje, pelo menos, a Petrobras não tem a mesma capacidade de gerar essa posição como ela teve no passado. Mas, claro, é um player relevante demais para ser colocado fora dessa mesa”.

Ele acredita que, na Argentina, os diferentes produtores buscarão o seu próprio caminho de forma individual, não necessariamente coordenadas entre si.

O perfil da demanda

Do lado de cá, entre os compradores, haverá o desafio de casar a demanda com a oferta de caráter sazonal. Nem toda a indústria tem um perfil de consumo capaz de fazer essa conciliação.

“Não será uma situação de total abertura a esse tipo de contratação. Porque o nosso mercado industrial é muito firme e as flutuações que acontecem no consumo industrial brasileiro, na média, também são imprevisíveis, acontecem dentro do mesmo dia”.

Isso exigirá um esforço comercial importante.

“Não nos parece uma operação trivial e que pode ser feita de uma forma absoluta e quase que pode ser refletida no mercado como um todo. Vai ser muito de oportunidade comercial”.

Competitividade

Por ser interruptível, o gás argentino deve chegar a preços competitivos, segundo Moreira Neto.

Ele acredita que, para que os contratos de importação avancem no futuro para a modalidade firme, a ponto de justificar investimentos na expansão da infraestrutura para aumentar a capacidade de envio de gás de Vaca Muerta ao Brasil, os produtores argentinos terão de colocar na mesa preços competitivos em relação às diferentes fontes de suprimento do Brasil – gás nacional, Bolívia, GNL…

“Pensando em gás firme, o gás argentino é a última molécula a chegar na festa. Então é aquele gás que tem que chegar para deslocar uma estatal como a Petrobras, que tem reduzido seus preços e que tem uma oferta crescente nos próximos cinco, sete anos”.

“Também tem projetos privados relevantes entrando, como Raia com a Equinor e Repsol Sinopec aumentando o portfólio. Enfim, ele é o último a chegar e tendo que demonstrar capacidade e segurança de suprimento. Então, para ser competitivo aqui e buscar contratos firmes, ele tem que ser muito competitivo, pelo menos mais competitivo que o mais competitivo do lado de cá”, avalia.

Rivaldo Moreira Neto, no entanto, destaca que os baixos custos de produção em Vaca Muerta tornam essa missão factível.