RIO — A Petrobras anunciou, em maio, que estuda um possível programa de recompra de ações. A diretoria da empresa deve submeter ao Conselho de Administração, até o fim de julho, a proposta de uma nova política de remuneração aos acionistas — hoje fortemente centrada em distribuição de dividendos.
Mas, afinal, o que é um programa de recompra de ações? Quais as possíveis consequências para a companhia e para investidores? A Petrobras voltará a ser uma empresa 100% estatal?
A seguir, a agência epbr detalha o tema, no intuito de clarear o debate.
O que você vai ver aqui:
- Petrobras estuda recompra de ações, em sua nova política de remuneração aos acionistas
- Operações do tipo estão em alta no mercado global, sobretudo entre petroleiras
- Recompras podem ser feitas com vários objetivos, um deles valorizar a ação da companhia
- Uma das consequências naturais da operação é o aumento da concentração da base de acionistas
- No caso da Petrobras, pode significar um aumento da participação da União no capital da empresa
- Mas minoritários também podem se beneficiar da recompra
- Analistas acreditam que recompra pode ajudar a compensar eventual redução dos dividendos
- Quando a Petrobras deixou de ser 100% estatal
O que é a recompra de ações?
O buyback é um mecanismo pelo qual a administração de uma empresa de capital aberto compra ações que a mesma companhia, anteriormente, emitiu no mercado (daí o termo recompra).
Uma vez recompradas as ações, a empresa pode optar por:
- cancelar os papéis para diminuir, assim, o número de ações em circulação;
- ou custodiá-las em tesouraria, para esperar um melhor momento para revendê-las, por exemplo
E o que não é? O diretor Financeiro e de Relacionamento com Investidores da Petrobras, Sérgio Leite, afirmou, em maio, que o objetivo da recompra de ações é “alinhar a Petrobras com suas congêneres” — as grandes petroleiras, de capital aberto, que optam pelos buybacks, em geral, para aumentar o retorno aos acionistas.
Pela sinalização do executivo, não se trata aqui, portanto, de uma oferta pública de aquisição de ações (OPA) para fechamento do capital da Petrobras na bolsa.
E por que as empresas recompram ações?
Em geral, a operação ocorre quando a companhia considera que suas ações estão desvalorizadas — num momento de forte estresse do mercado, por exemplo — ou não refletem corretamente seu real valor.
Ao reduzir o número de papéis em circulação, a recompra muda a relação de equilíbrio entre oferta e demanda no mercado e as ações tendem a se valorizar.
Também pode ser feita para aumentar o retorno ao acionista (aquele, obviamente, que não se desfez de sua posição na companhia). Isso porque o lucro total da empresa passa a ser dividido entre menos investidores. Traduzindo: a relação dividendo por ação tende a subir.
“Usualmente, a recompra de ações costuma ser positiva para os acionistas, pois o minoritário passa a ser dono de uma porcentagem maior da empresa, aumentando seu patrimônio”, comenta o especialista de Renda Variável e sócio da Acqua Vero, Heitor De Nicola.
No exterior, pode ser, inclusive, uma forma de driblar o pagamento de impostos, já que em alguns países, como os EUA, a distribuição de dividendos é taxada, enquanto o buyback não.
No Brasil, porém, a lógica é diferente. Como aqui os dividendos não são taxados, existe um incentivo maior para o pagamento direto aos acionistas.
As companhias podem, também, recomprar as ações e mantê-las em tesouraria para, posteriormente, revendê-las. Esse ganho de capital será adicionado aos lucros da empresa e distribuído aos acionistas no futuro. O ganho do investidor, nesse caso, contudo, será pontual.
A operação é comum também quando as companhias têm excesso de caixa. É uma forma mais eficiente, do ponto de vista da alocação de capital, do que, na falta de novos projetos para investir, deixar o dinheiro parado.
O desafio é sempre encontrar o equilíbrio entre a necessidade de novos investimentos, pagamento de dividendos e recompra nessa alocação de capital.
Empresas também recorrem à recompra quando querem aumentar a remuneração de seus executivos pelo esquema de Stock Options (compra de ações por preços pré-determinados).
Quais as possíveis consequências no caso Petrobras?
Uma das consequências mais diretas da recompra, quando seguida de cancelamento das ações, é aumentar a concentração da base de acionistas da companhia.
Ao retirar papéis do mercado, automaticamente a empresa aumenta a participação de cada acionista remanescente.
A conta é simples: um investidor que possui apenas uma ação numa Empresa X tem uma participação maior (de 1%) na companhia, se ela tiver cem papéis em bolsa, do que se tiver mil ações circulando no mercado (uma fatia de 0,1% nesse caso).
O acionista, portanto, tende a receber mais dividendos pelas mesmas ações que possui.
A União é a controladora da companhia, com 28,67% do capital total. A maior parte dos papéis da empresa, contudo, está nas mãos de investidores privados — os maiores são, hoje, o GQG Partners LLC (5,45% do capital total) e BlackRock (2,15%).
A depender do tamanho da operação do programa, essa redivisão da composição acionária, pós-recompra, pode também mudar a correlação de forças entre os acionistas na influência sobre a gestão da empresa, via assembleia — e, no limite, até na eleição para o conselho de administração da companhia.
Numa eventual recompra, a União tende a ampliar a sua fatia na empresa. Na última assembleia, por exemplo, o governo emplacou seis de seus oito candidatos ao CA. Os minoritários se articularam e conseguiram eleger Juca Abdalla e Marcelo Gasparino, nas oito cadeiras em jogo.
Usar um programa de recompra de ações para ampliar o poder de votos da União numa eleição de Conselho, porém, requer a aquisição de uma fatia representativa da petroleira — e investimentos vultuosos.
Num exercício hipotético: para que a União eleve sua fatia de 50,26% do capital votante na petroleira para 60%, por exemplo, seria necessário recomprar cerca de 1,2 bilhão de ações ordinárias – ao custo de quase R$ 40 bilhões, com base na cotação atual das ações da empresa.
Segundo fontes próximas ao assunto, a tendência é que o aumento da fatia da União no capital da empresa seja marginal.
“Pode ser que o mercado não receba muito bem um aumento relevante da participação do governo na companhia, por outras questões, como a governança e a possibilidade de haver maior influência política na gestão”, ressalva o analista Ruy Hungria, da Empiricus.
“Para os acionistas, mais importante do que o programa de recompra, é a sinalização do governo de que vai manter a sustentabilidade financeira da companhia e isso é o que tem ocorrido”, concluiu.
Mas por que, então, a recompra?
Os altos dividendos pagos pela Petrobras nos últimos anos foram alvos de frequentes críticas no meio político. Foi assim no governo Bolsonaro e tem sido assim também no atual mandato de Lula.
Na visão dos analistas com quem a agência epbr conversou, a recompra de ações pode ser uma forma de a gestão da companhia, num aceno político, reduzir o pagamento de dividendos e, ao mesmo tempo, manter a Petrobras atrativa para investidores (e, claro, para a própria União, que é quem mais recebe dinheiro da petroleira).
É o que defende, por exemplo, Ruy Hungria, da Empiricus. Embora o governo ainda não tenha deixado claro os motivos pelos quais pode adotar um programa de recompra de ações, o analista acredita que a opção por remunerar os investidores por meio da recompra — e com menos dividendos — pode reduzir ruídos políticos.
“O acionista pode acabar recebendo uma remuneração maior, mesmo se o pagamento de dividendos for menor, por haver menos ações em circulação”, resume Hungria.
Isso vem em linha com a retórica presente nos discursos do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira — que, quando contrariam os interesses do mercado financeiro, prometem que a petroleira será uma opção atrativa para investidores de longo prazo.
Relembre: Desde o início do governo petista, Lula e ministros do governo têm cobrado do presidente da estatal, Jean Paul Prates, uma mudança no pagamento aos acionistas. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, chegou a afirmar que é preciso “rever a indecente distribuição de dividendos” da companhia. Prates tem dito que é preciso um equilíbrio maior entre a remuneração aos acionistas e investimentos em “bons projetos”.
Os analistas de mercado se dividem sobre o assunto. Nos últimos dias, dois grandes bancos de investimentos (JPMorgan e Morgan Stanley) elevaram a recomendação para as ações da Petrobras para compra, dado o desconto dos papéis da petroleira brasileira em relação aos seus pares globais.
O JPMorgan citou que, embora possam ser eventualmente menores, os dividendos, com a adição da recompras de ações, devem continuar sendo pagos em linha com as principais petroleiras.
O UBS BB se contrapõe e vê com cautela as discussões sobre a nova política de remuneração aos acionistas da Petrobras. A recompra de ações, segundo os cálculos do banco, poderia ajudar a melhorar o rendimento de dividendos (dividend yield), indicador que mede a performance da empresa de acordo com os proventos distribuídos, de 16% para 20%, em relação ao cenário base – sem recompra e segundo o qual a empresa deve cortar seus dividendos de cerca de 60% para 40% do fluxo de caixa livre.
Nos dois cenários, contudo, o UBS BB vê a ação da Petrobras menos atrativa do que na conjuntura atual.
Petrobras diz que recompra alinha empresa aos seus pares
O diretor Financeiro da Petrobras, Sérgio Leite, afirmou, em maio, que a formulação da nova política de remuneração aos acionistas foi um pedido do Conselho de Administração à diretoria da petroleira — mas nasceu de uma proposta técnica da própria diretoria financeira.
“As empresas, as grandes empresas que atuam de forma mundial como a Petrobras, têm a recompra incluída na sua política [de remuneração aos acionistas]”, alegou a investidores.
Justificou, ainda, que a recompra permite uma maior flexibilização na gestão de caixa da empresa – e também leva em consideração os aspectos tributários na remuneração aos acionistas.
Recompras batem recorde no mundo
Os buybacks, de fato, estão em alta. Levantamento da gestora Janus Henderson, mostra que as recompras bateram recorde no mercado global em 2022.
As operações do tipo cresceram 22% em relação a 2021, para US$ 1,31 trilhão — quase se igualando ao montante distribuído na forma de dividendos, de US$ 1,39 trilhão.
No Brasil, as recompras cresceram 18%, para US$ 6,71 bilhões. Esse montante colocou o país na 13ª posição no ranking global de buybacks, de acordo com o Janus Henderson Global Dividend Index.
O setor de petróleo foi o que mais contribuiu. Num ano marcado pela inflação das commodities globais, após a invasão da Rússia à Ucrânia, as grandes multinacionais da indústria de óleo e gás, com a geração de caixa fortalecida, recompraram US$ 135 bilhões de suas próprias ações — montante mais que quatro vezes superior às cifras de 2021.
Dentre as dez companhias que mais recompraram ações do mundo, no ano passado, três são da indústria petrolífera: a Shell (5ª colocada, com US$ 18,9 bilhões); ExxonMobil (6ª, com US$ 15,2 bilhões); e Marathon Petroleum Corporation (9ª, com US$ 11,9 bilhões).
A consultoria Westwood Global Energy Group destacou que, enriquecidas pela valorização do barril, as grandes petroleiras globais preferiram pagar mais dividendos do que investir em 2022, num cenário oposto ao vivido pelo setor em 2013 — quando o preço do petróleo superou, pela última vez, a média anual de US$ 100 o barril.
A distribuição recorde de dividendos e o pé no freio das petroleiras na retomada dos investimentos renderam críticas pelo mundo e manteve aceso, em 2022, o debate sobre a criação de windfall taxes (taxação sobre lucros extraordinários).