RIO – O governo do Pará, de Helder Barbalho (MDB), publicou este mês o decreto que atualiza a regulamentação dos serviços de gás canalizado no estado, às vésperas da entrada em operação do terminal de gás natural liquefeito (GNL) de Barcarena (PA).
A chegada do GNL, prevista para este primeiro trimestre, é um marco para o início das operações da distribuidora local, a Gás do Pará. Hoje, o estado não tem acesso ao combustível.
O projeto é da New Fortress Energy (NFE), dona do terminal e que desenvolve um projeto termelétrico no porto, e tem contrato de fornecimento com a distribuidora de alumina Alunorte. Foi viabilizado no leilão de energia de 2019, com a contratação da usina Novo Tempo.
O decreto 3651/2024 é bem amplo, composto por 117 artigos que traçam as regras não só para atuação da concessionária, mas também para usuários livres, comercializadores de gás e agentes de distribuição de GNL em pequena escala.
Limites ao mercado livre de gás natural
O regulamento traz, ainda, algumas semelhanças com regulações de outros estados que têm esbarrado em conflitos de competência com a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Numa área de concessão que ainda dá seus primeiros passos de desenvolvimento, o governo local optou por fortalecer a figura da distribuidora.
O novo regulamento mantém o consumo mínimo necessário para enquadramento de usuários livres em 500 mil m³/dia – patamar acima da média dos demais estados e que limita o universo de empresas aptas a entrar no mercado livre a grandes consumidores.
Além disso, os clientes livres, autoprodutores e autoimportadores deverão ter contrato de suprimento de gás com o agente comercializador – e acordo de movimentação da molécula com a Gás do Pará – de, no mínimo, cinco anos de duração.
Sem acesso a entregas diretas de GNL
O Pará também proibiu a entrega direta de GNL e gás comprimido (GNC) a usuários finais. O consumidor livre, autoprodutor e autoimportador poderá adquirir o gás de qualquer comercializador autorizado, desde que entregue o gás antes do sistema de distribuição, cabendo à concessionária a entrega final ao usuário.
Esse veto é um dos pontos que conflitam com a regulação federal. A revisão das regulamentações da ANP sobre a distribuição de GNC e GNL a granel, cuja conclusão escorregou para 2024, reacendeu a disputa sobre as fronteiras com as regulações estaduais.
A NFE tem planos de atuar em GNL em pequena escala a partir de Barcarena e mira indústrias, menores que a Alunorte, localizadas próximas ao porto e no interior do estado e interessadas em substituir combustíveis mais poluentes como diesel e óleo combustível.
Além disso, a NFE está de olho em oportunidades de fornecimento para projetos termelétricos no Amapá, via fluvial.
A distribuição de GNL em pequena escala, no Pará, é apenas um dos potenciais conflitos federativos levantados pela nova regulação estadual.
O decreto também reproduz alguns aspectos de regulamentos de outros estados que têm esbarrado em sobreposições de competência com a atuação da ANP.
A classificação de gasodutos de distribuição é um exemplo – o caso mais emblemático envolve o projeto Subida da Serra, da Comgás, em São Paulo.
O regulamento do Pará veta a conexão direta entre a rede de transporte e o cliente final.
E classifica como gasoduto de distribuição as instalações destinadas à prestação de serviços locais de gás canalizado que visam ao atendimento das necessidades de usuários no estado.
Isso inclui redes conectadas diretamente a terminais de GNC ou GNL; instalações de estocagem; processamento ou tratamento de gás; e plantas de biometano ou hidrogênio.
Classificação em linha com a de outros estados no radar da ANP – que reafirmou em novembro sua posição favorável a questionar, no Supremo Tribunal Federal (STF), leis e decretos estaduais que entrem em conflito com a competência da União.
Reforçou, assim, o entendimento de que normas do mercado de gás de São Paulo, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Maranhão devem ser judicializadas.
O decreto paraense trata também da comercialização de gás – outro assunto que esbarra em conflitos com a competência da ANP em outros estados.
Os desdobramentos judiciais, contudo, dependem de uma decisão do governo federal.
O regulamento do Pará prevê dupla autorização para exercício da atividade: da ANP, no âmbito federal, e do regulador estadual, ao qual o agente deverá solicitar um pedido de registro – concedido sempre em caráter precário, podendo ser revogado ou suspenso.
Para que o agente obtenha o registro para atuar como comercializador no Pará, deve apresentar nove documentos, dentre os quais provas de que dispõem dos volumes para entrega à concessionária nos pontos de recepção.
Também deverá assinar termo de compromisso com o regulador contendo suas obrigações e direitos, bem como penalidades.