RIO — Em dezembro de 2023, durante a COP28, nos Emirados Árabes, os países participantes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas concordaram em fazer uma transição para longe dos combustíveis fósseis e triplicar a capacidade renovável até 2030. O acordo inédito relacionado a fósseis é apontado por analistas como um reconhecimento dos líderes globais sobre a urgência de frear emissões para limitar o aquecimento do planeta.
Ainda assim, o petróleo deve continuar a ser uma fonte relevante para atender à demanda global por energia por décadas, enquanto a transição para fontes renováveis ocorre de forma gradual.
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), o consumo de combustíveis fósseis, como diesel e gasolina, por exemplo, ainda nem chegou ao pico, o que deve ocorrer em 2026.
Como a demanda não está caindo, mas as mudanças climáticas impõem um esforço no corte de emissões de gases de efeito estufa, torna-se ainda mais importante reduzir a intensidade de carbono do refino do petróleo e da produção dos combustíveis.
Saiba como isso é possível e o que tem sido feito no Brasil.
- Quando mundo vai parar de usar combustíveis fósseis?
- Por que não encerrar a produção de fósseis de uma vez?
- Como as refinarias decidem o que fazer para reduzir os impactos ambientais?
- O que já está em curso no Brasil
- O que ainda pode ser feito
- Até que ponto é possível descarbonizar o refino de petróleo tradicional?
- Como essa indústria vai se adaptar no longo prazo?
Qual a previsão para o mundo parar de usar combustíveis fósseis?
Na última Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, a declaração final dos países foi a primeira a incluir uma “transição para longe” dos combustíveis fósseis, mas não trouxe nenhuma meta específica para a eliminação do uso de carvão, petróleo e gás.
A maioria dos países ainda não tem uma meta clara para o fim do uso desses produtos e prefere focar na busca por zerar as emissões líquidas, o que não necessariamente significa o fim dos fósseis, já que abre espaço para a continuidade das emissões, desde que compensadas.
O Brasil, por exemplo, tem como meta atingir emissões líquidas neutras até 2050. Como parte da contribuição brasileira para o Acordo de Paris, está previsto o aumento da participação de bioenergia na matriz energética para 18% até 2030, ano em que o país espera alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na matriz.
Ou seja, não há ainda uma perspectiva concreta para encerrar o uso dos combustíveis fósseis nas próximas décadas.
Por que não parar de produzir combustíveis fósseis de uma vez?
Como a demanda continua existindo, deixar de produzir combustíveis sem substituí-los por outra fonte de energia vai criar escassez e aumentar os preços.
Reduzir a oferta de produtos como diesel, gasolina e gás liquefeito de petróleo (GLP) sem que outras alternativas estejam disponíveis na mesma escala pode levar a um aumento da inflação e à pobreza energética.
Nos últimos anos, um dos fatores que contribuiu para o aumento do crack spread (a margem do refino, medida pela diferença entre o preço do derivado e o do petróleo bruto) para o diesel no mundo foi justamente a desativação de refinarias antigas, sobretudo na Europa.
Consultorias apontam que 75% dos produtos consumidos no Brasil são transportados por caminhões, sendo que a maioria ainda é movida a diesel.
“A transição vai ocorrer, mas, ao mesmo tempo em que temos que garantir uma transição energética em uma boa velocidade, temos que fazer isso com segurança energética, que é a garantia de gerar bem-estar social para a população. Ou seja, preservar o bem-estar social e não gerar uma inflação energética mundial”, resume Marcelo Lyra, vice-presidente de Comunicação, ESG e Relações Institucionais da Acelen, dona da refinaria de Mataripe, na Bahia.
Como as refinarias definem as estratégias para reduzir os impactos ambientais?
As principais iniciativas em curso no mundo hoje incluem ampliar a eficiência no uso de energia e água, além do reaproveitamento de subprodutos que são poluentes.
Já existem tecnologias capazes de converter gases das unidades de hidrotratamento em fertilizantes, por exemplo. No caso da energia, há iniciativas para a substituição de fontes fósseis por renováveis.
As decisões sobre as tecnologias adotadas são baseadas, sobretudo, na análise de quais equipamentos dentro das refinarias são mais emissores e qual é a potencial curva de redução de emissões, frente aos custos. Além disso, são feitos estudos sobre a integração entre as diferentes unidades dentro da refinaria e as possibilidades de otimizá-la, de modo a entregar mais produtos com o uso de menos matéria-prima e energia, levando a uma menor geração de emissões.
“O passo inicial consiste em enviar as moléculas adequadas para as unidades adequadas dentro da refinaria – ou seja, otimizando a configuração de refino. Este conceito chamamos de ‘precisão molecular’”, diz Leon Melli, diretor de vendas na Honeywell UOP, companhia norte-americana que fornece tecnologias para refinarias.
Esses esforços estão ocorrendo tanto em unidades novas quanto na reconfiguração das existentes. As plantas mais antigas, que não passaram por processos de atualização tecnológica, costumam apresentar oportunidades maiores de redução de emissões, diz Melli. Segundo ele, é necessário avaliar também o potencial de otimizar a configuração das plantas.
“É importante não somente uma atualização tecnológica, mas também a análise de uma mudança de objetivos estratégicos do ativos de refino como um todo. Um estudo que avalie se o que está sendo consumido como elenco de petróleo está sendo convertido para um mix de produtos da maneira mais economicamente eficiente possível”, afirma.
As iniciativas em curso no Brasil
As principais empresas de refino no país apostam em ganhos de eficiência e no uso de energia solar. A agência epbr detalha a seguir as iniciativas:
Petrobras
A estatal é responsável pela maior parte do parque de refino do país e conduz a iniciativa RefTOP, programa de eficiência operacional para o refino lançado em 2021. A previsão é que o projeto receba US$ 1,1 bilhão em investimentos até 2030.
A empresa diz que o objetivo é ter o parque de refino com desempenho similar aos dos melhores do mundo, tendo como referência as refinarias dos Estados Unidos, mas ainda não detalhou os parâmetros usados para medir esses avanços.
O programa nasceu focado nas refinarias do Sudeste, ativos que a empresa pretendia manter depois do programa de desinvestimento conduzido nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Nos dois primeiros anos, o projeto gerou US$ 589 milhões em ganhos, segundo a empresa. Depois de desistir das vendas de ativos de refino, a iniciativa foi estendida para todo o parque em 2023.
Recentemente, a Petrobras anunciou a intenção de substituir o uso de hidrogênio fóssil nos processos de refino pelo de origem renovável, mas ainda não detalhou como. A petroleira é uma das maiores consumidoras de hidrogênio do país, com uma demanda de cerca de 500 mil toneladas por ano.
A estatal também estuda instalar células de geração solar fotovoltaica em quatro refinarias.
A primeira instalação fotovoltaica será a Refinaria Gabriel Passos (Regap), em Betim, Região Metropolitana de Belo Horizonte. A previsão é que uma usina solar de 11 megawatts (MW) de capacidade entre em operação em 2025. As outras três unidades em avaliação para receber o projeto são a Refinaria de Paulínia (Replan) e a Refinaria Henrique Lage (Revap), ambas em São Paulo, e a Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco.
Ao ser questionada sobre o potencial de redução de emissões com o uso de fontes renováveis, a empresa afirmou, em nota, que “é prevista a diminuição das emissões devido às integrações operacionais que os projetos permitem, entre eles a redução do consumo de gás natural”.
Acelen
Já a Acelen, que opera a Refinaria de Mataripe (BA), tem investido em melhorias operacionais desde que assumiu o ativo, em dezembro de 2021. A planta foi comprada no processo de desinvestimentos da Petrobras.
Com investimentos em melhorias operacionais que levaram ao aumento da eficiência da refinaria, a empresa estima que deixou de emitir 273 mil toneladas de CO2 na carga processada desde que assumiu a planta.
Os esforços incluíram troca de motores e geradores, além de melhorias nas caldeiras e revisões em tubulações para reduzir vazamentos, por exemplo, assim como processos para diminuir a emissão de particulados. Em 2022, a Acelen investiu R$ 1,4 bilhão em melhorias operacionais e redução de impactos ambientais.
Para mitigar as emissões na importação da carga de petróleo que é processada na unidade, a empresa também comprou créditos de carbono.
Marcelo Lyra explica que quando a empresa assumiu o ativo a carga processada estava em cerca de 200 mil barris/dia de petróleo, volume que já chega hoje próximo aos 290 mil barris/dia devido aos ganhos de eficiência.
No último ano, a empresa reduziu em 7% o consumo de energia elétrica, o equivalente à demanda do estado do Acre, além de ter aumentado em 7% o reúso de água nas operações.
Em um movimento similar ao da Petrobras, a Acelen anunciou este ano uma parceria com o fundo Perfin e com a Ilian Renováveis, do grupo Electra, para a construção de uma usina solar fotovoltaica na Bahia com capacidade instalada de 161 megawatts no pico. O acordo inclui a venda da energia gerada na usina para a Acelen, no modelo de autoprodução.
O que ainda pode ser feito?
A captura e armazenamento de carbono em reservatórios geológicos (CCS) é uma das principais apostas dos especialistas para reduzir os impactos dos poluentes gerados no refino tradicional. “É um modelo que poderia beneficiar as refinarias brasileiras”, diz o diretor da Honeywell.
A criação do marco legal para as atividades de CCS ainda está em discussão no Congresso Nacional. A própria Petrobras já indicou que tem interesse na atividade tendo em vista a descarbonização das próprias operações, assim como a prestação desse serviço para outras empresas.
Até que ponto é possível descarbonizar o refino de petróleo tradicional?
Os esforços para reduzir os impactos do refino tradicional são focados nas emissões de escopo 1, que são resultado direto das atividades operacionais, e de escopo 2, que são aquelas provenientes do consumo de energia.
Isso porque é mais difícil descarbonizar o escopo 3, que diz respeito à cadeia de suprimentos e aos produtos, já que é baseada em combustíveis fósseis. No entanto, é justamente ele que concentra a maior intensidade de carbono do setor: cerca de 80 a 95% do total de emissões das empresas de petróleo e gás são de escopo 3.
Segundo o diretor da Honeywell UOP, uma das maneiras de reduzir os impactos do escopo 3 é avançar na integração entre o refino e a petroquímica. “Isso é essencial para que possamos paulatinamente migrar da pura produção de combustíveis para a de produtos de alto valor agregado, como polímeros e elastômeros”, explica.
Como o refino vai se adaptar no longo prazo?
A tendência é a migração para o biorefino, substituindo o petróleo por biomassa na produção de combustíveis.
Como parte desse movimento, a Petrobras tem iniciativas para implantar plantas dedicadas à produção de bioquerosene de aviação e diesel 100% renovável na Refinaria Presidente Bernardes (RPBC), em São Paulo, e no Polo Gaslub, no Rio de Janeiro, que serão concluídas após 2028.
A companhia também trabalha em parceria com a Ultra e a Braskem para transformar a Refinaria Riograndense, em Rio Grande (RS), em uma biorefinaria até 2026.
Outra iniciativa é o desenvolvimento o diesel R, tecnologia capaz de processar o diesel de petróleo junto com uma parcela de conteúdo renovável, como óleo vegetal ou gordura animal. Ou seja, ainda é um produto com conteúdo fóssil, mas com menos emissões.
A companhia tem duas refinarias que processam diesel com 5% de teor renovável (R5), a Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, e a RPBC, em São Paulo. Até o final do ano, esse produto vai passar a ser entregue também na Replan e na Refinaria Duque de Caxias (Reduc), no Rio de Janeiro.
Os primeiros testes de uso do diesel R5 em uma frota de ônibus ocorreram em 2022.
A Acelen também está de olho no biorrefino. A companhia planeja investir US$ 2,5 bilhões para entrar na produção de combustível sustentável de aviação (SAF) e diesel renovável.
Esse é um dos projetos em que a Petrobras avalia potencial de parceria. Inicialmente, os derivados serão produzidos a partir de óleo de soja e milho, mas o objetivo da companhia é focar no uso da macaúba, planta nativa brasileira. A previsão é de início de produção no segundo semestre de 2026, com capacidade para entregar 20 mil barris/dia.
Lyra explica que o fato de o projeto ser verticalizado, ou seja, de a companhia também ser responsável pelo plantio da macaúba, vai ajudar a descarbonizar as operações da Refinaria de Mataripe, dada a geração de créditos de carbono.
“No longuíssimo prazo, nós imaginamos, sim, fazer efetivamente a transição e sair do combustível fóssil de alto carbono para o biocombustível. Mas, olhando no curto prazo, é um processo longo. Do ponto de vista global, mais de 80% da matriz energética ainda é dependente de combustíveis fósseis”, diz o executivo.
- Combustíveis e Bioenergia
- Empresas
- Energia
- Petróleo
- Transição energética
- Acelen
- Acordo de Paris
- Agência Internacional de Energia (IEA)
- Biorrefino
- Combustíveis fósseis
- Combustível sustentável de aviação (SAF)
- Diesel R (HBIO)
- Diesel verde (HVO)
- Eficiência energética
- Gases de Efeito Estufa (GEE)
- Petrobras
- Venda de refinarias