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Importar gás argentino depende exclusivamente do consumidor brasileiro, diz VP da Rystad

“O vendedor da Argentina reconhece que ele precisa de mais demanda e essa demanda não está só na Argentina”, diz Vinicius Romano

Importação gás natural argentino depende exclusivamente do consumidor brasileiro, diz vice-presidente da Rystad Energy Brasil. Na imagem: Rede de dutos e chaminés nas instalações da refinaria de alumina Alunorte, da Hydro no Pará (Foto: Halvor Molland/Hydro)
Refinaria de alumina Alunorte da Hydro, no Pará (Foto: Halvor Molland/Hydro)

RIO – Importar gás natural da Argentina é uma decisão que depende, hoje, exclusivamente do consumidor brasileiro, na visão do vice-presidente de Mercado de Gás da Rystad Energy Brasil, Vinicius Romano.

“Essa é a única oferta de gás no Brasil que realmente depende do consumidor brasileiro. Porque uma decisão de investimento no pré-sal ou na Margem Equatorial não depende do consumidor de gás do Brasil. Uma política governamental envolvendo a PPSA ou a Petrobras [para oferta de gás competitivo] não depende do consumidor brasileiro”, disse o analista, em entrevista à agência epbr.

Para Romano, o interesse da iniciativa privada de ambos os países de fazer negócio é o que vai ditar o desenvolvimento dessa relação comercial – embora os agentes esperem dos governos de Argentina e Brasil um apoio na coordenação entre as partes.

Do lado brasileiro, o gás argentino é uma opção de acesso a uma molécula com preço potencialmente menor. E do lado argentino, há uma necessidade de encontrar mercados consumidores para monetizar o desenvolvimento das reservas de Vaca Muerta.

“O vendedor da Argentina reconhece que ele precisa de mais demanda e essa demanda não está só na Argentina”.

Oportunidade para mercado livre

Romano acredita que as comercializadoras brasileiras devem desempenhar um papel de desbravadoras dessa importação de gás argentino, num primeiro momento.

“As comercializadoras hoje no Brasil – ou até mesmo distribuidoras – têm um portfólio de suprimento que ajuda elas a lidar melhor com eventuais riscos dessa negociação”.

A curto prazo, o envio de gás argentino ao Brasil deve se restringir a oportunidades no verão. Isso exigirá, de quem estiver comprando, uma capacidade de gerenciar portfólio – reduzindo, por exemplo, a retirada de volumes contratados com outros supridores no mercado brasileiro até o limite do take-or-pay.

“Alguns usuários poderiam operar pensando nisso, na substituição de contratos existentes, fazendo um mix de preço que faz sentido sem correr riscos de penalidades”.

“Agora criar uma demanda nova baseada no gás de verão argentino é um pouco difícil”, completou.

Preços não serão disruptivos

Apesar dos preços baixos, na boca do poço em Vaca Muerta, Romano não acredita que o gás argentino chegará ao Brasil com “rótulo de gás barato” ou disruptivo.

“Tenho certeza que o gás argentino consegue chegar mais barato do que os compradores [brasileiros] estão enxergando, mas eu não espero que seja muito mais barato”.

“Mas chegará gás argentino [a um preço] para o negócio acontecer, para os agentes mostrarem que é possível, para testar a confiança nos mercados”, disse.

A expectativa, segundo ele, é que a precificação da importação de gás argentino será uma construção caso a caso.

Embora o preço do gás em Vaca Muerta, na cabeça do poço, durante o verão, possa ser vendido a patamares até abaixo do Henry Hub, referência do mercado dos EUA, é preciso acrescentar na equação as margens dos produtores argentinos – bem como os custos de transporte da molécula até a fronteira com o Brasil, passando pela Bolívia.

Romano estima um custo de transporte na malha de gasodutos da Argentina deve beirar entre US$ 2 e US$ 3 o milhão de BTU.

Chile pode competir por gás

A reversão do Gasoducto Norte, na Argentina, permitirá o envio de 19 milhões de m3/dia de Vaca Muerta para a região norte do país – historicamente dependente de gás boliviano. A capacidade do projeto foi pensada para atender aos picos de consumo durante o inverno.

A expectativa, segundo Romano, é que no verão, descontada a demanda da região norte, haveria um volume disponível de 6 milhões a 7 milhões de m3/dia para exportação.

Ele pontua que, a curto prazo, o Chile pode competir pelo gás argentino com o Brasil. O norte do país andino é abastecido com GNL e pode ser um mercado consumidor para o gás excedente do norte da Argentina no verão – disposto, em tese, a pagar um preço mais elevado que os brasileiros.

“Aí você tem fundamentos de preços diferentes: o preço que um comprador no Chile está interessado a pagar seria sua oportunidade para deslocar GNL. O preço do Brasil não está nessa referência, ele está um pouco mais baixo”, comentou.

Rotas alternativas à Bolívia

Romano destaca que, a curto prazo, a infraestrutura existente e ociosa da Bolívia é caminho natural para escoar o gás argentino ao Brasil.

A longo prazo, no entanto, se o comércio Argentina-Brasil se desenvolver para volumes maiores, será preciso investir em mais infraestrutura, seja qual for a rota (via Bolívia ou construção de alguma outra, por Uruguaiana, Uruguai ou Paraguai, por exemplo).

“Se você quer trazer gás para o Brasil num volume grande, no longo prazo, no verão e inverno, será preciso, mesmo pelo caminho da Bolívia, reforçar a malha de gasoduto desde Neuquén [bacia onde se encontra a formação de Vaca Muerta] até a Bolívia”

“Se essa for a intenção, exportar gás firme o ano inteiro, tem outros caminhos possíveis, rotas com menos quilômetros que poderiam ter uma vantagem econômica, a depender da tarifa que a YPFB vai colocar [para passagem do gás argentino ao Brasil”.

Mesmo uma rota pelo Chaco Paraguaio, cujo traçado é longo, pode fazer sentido, na visão de Romano – se, por exemplo, o Paraguai desenvolver no meio do caminho uma indústria de gás.

“Ele poderia criar uma indústria de gás mais simplificada, onde a composição de custo total para uma produção de fertilizantes faz sentido, por exemplo”., cita.