RIO – Protagonistas no 1º leilão de reserva de capacidade, em 2021, as termelétricas a gás natural vão dividir espaço na licitação deste ano com as hidrelétricas e podem ganhar a concorrência de mais fontes – dos tradicionais combustíveis fósseis às novas energias renováveis – a depender do elenco de tecnologias que o governo incluir no certame.
Diferentes fontes tentam garantir um espaço no 2º leilão de reserva, previsto para 30 de agosto. Das renováveis (biogás/biometano, hidrogênio, biomassa e baterias) às usinas a diesel e óleo combustível, que judicializaram a licitação de 2021 para não ficarem de fora.
Os agentes apresentaram em março, ao Ministério de Minas e Energia (MME), seus seus pleitos durante a consulta pública sobre as diretrizes da licitação.
O mercado aguarda, agora, uma definição de detalhes importantes, como a demanda por potência da licitação; qual será o espaço reservado às térmicas e hidrelétricas na divisão desse bolo; e sobre que combustíveis poderão participar de fato da concorrência com o gás natural – este sim, citado na minuta das diretrizes da licitação.
Com o enfraquecimento da demanda das distribuidoras nos tradicionais leilões de energia nova dos últimos anos, os leilões de reserva se tornaram visados pelas térmicas a gás com contratos por vencer (ou já vencidos); e por quem tenta viabilizar novas usinas a gás.
No leilão de 2021, por exemplo, foi contratada uma potência de 3,763 GW a gás – praticamente toda a capacidade de fato contratada, depois que as liminares que garantiram a negociação das usinas a óleo caíram.
Térmicas a óleo pedem mudanças nas regras
Os requisitos mínimos definidos para o certame colocam determinadas tecnologias em vantagem, como as térmicas a gás e óleo; as usinas a carvão e a vapor (cogeração de biomassa) têm mais desafios técnicos para operar dentro das exigências de flexibilidade.
As térmicas a óleo tentam convencer o governo a incluir a fonte na disputa deste ano, sob o argumento de que elas, tecnicamente, são capazes de dar respostas rápidas de segurança – em linha com a proposta da licitação de contratar termelétricas 100% flexíveis que consigam ser acionadas rapidamente a qualquer momento, de acordo com as variações instantâneas da demanda.
A defesa das térmicas a óleo contou com o apoio do ex-diretor da Aneel, Reive Barros, por meio de sua empresa Acropolis Energia. Ele sugere que o governo priorize a contratação das usinas existentes a diesel e OC, sob o argumento de que elas têm flexibilidade operativa de rápido acionamento; mais facilidade para disponibilidade de combustível; menor probabilidade de atrasos; baixo custo de investimento com a modernização.
Reive se antecipa também ao debate ambiental, ao alegar que as usinas a óleo operam em condições extremas e que isso não justifica a preocupação com o nível de emissão de CO2. Cita ainda que as termelétricas existentes a óleo representam atualmente 3% da capacidade instalada no Brasil e que, portanto, não sujarão a matriz elétrica brasileira.
As geradoras pedem mudanças também na precificação das usinas no leilão. A Suape Energia, que opera a UTE Suape II (381 MW), a óleo combustível, defende que o Custo Variável Unitário (CVU) teto da licitação não seja um “entrave quanto ao seu valor para participação de todas as fontes, incluindo as fontes a óleo”.
Em 2021, as usinas a óleo judicializaram o leilão, que impedia a habilitação de térmicas com CVU superior a R$ 600/MWh.
As empresas Candeias, Potiguar e Gera Maranhão, porém, garantiram a participação por força de liminares e negociaram sete usinas a diesel e óleo combustível, num total de 804 MW, com CVUs acima do teto. Posteriormente as liminares foram derrubadas e a habilitação dessas térmicas foi invalidada.
A Gera Maranhão, que tentou por liminar negociar a UTE Geramar I e a UTE Geramar II, em 2021, voltou a questionar a aplicação de um CVU teto como critério de habilitação técnica no leilão deste ano. Entende que a medida é uma “ilegal limitação à competição, em claro prejuízo aos consumidores, passível de ser anulada judicialmente”.
Outra contribuição do setor veio da EBrasil, acionista da UTE Termocabo, que pede que os valores do teto do CVU sejam definidos caso a caso, para os diferentes combustíveis.
Etanol pede espaço para biogás e biomassa
A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e a Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen) sugeriram ao MME que seja criado um produto específico no leilão para contratação de térmicas a combustíveis renováveis, como biogás/biometano; e uma segunda categoria para térmicas sazonais – mirando, assim, em especial, as usinas a biomassa que operam durante a safra canavieira.
A Unica defende que a uma usina que opere com biogás/biometano, associado ao gás natural, estaria disponível para operar durante o ano todo – uma das dificuldades do biogás é, justamente, garantir uma produção constante na entressafra da indústria sucroalcooleira.
Também defende a inclusão, nesse produto renovável, da cogeração com o licor negro, aparas de madeira, pinos/eucalipto, Resíduos Sólidos, Combustíveis Derivados de Resíduos (CDR) etc.
Para isso, a Unica pleiteia a adaptação nas condições da flexibilidade operativa definidas pelo MME – caldeiras e turbinas a vapor, típicas dessas usinas, precisam de um tempo mínimo de permanência ligadas/desligadas e rampas de acionamento/desligamento diferentes daquelas propostas para o leilão.
Já a Nexblue Energia defendeu junto ao MME que o leilão contemple o hidrogênio verde como fonte elegível para contratação de termelétricas.
Essa seria, na visão da empresa, uma forma de estimular a implantação das primeiras unidades industriais em larga escala de hidrogênio verde. A Nexblue aposta num modelo de negócios que integra a geração de energia renovável e produção de combustíveis sintéticos (como diesel verde) a partir do hidrogênio e captura de CO2.
Agentes reforçam defesa por sistemas de baterias
Outra incógnita que paira sobre o leilão deste ano é a inclusão ou não dos sistemas de armazenamento de energia por baterias (BESS, na sigla em inglês)
A tecnologia tem sido defendida publicamente pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), como uma solução para a licitação, mas a inclusão das baterias é vista com ressalvas pelas áreas técnicas da pasta.
Na nota técnica sobre a minuta das diretrizes do leilão, o armazenamento ficou de fora, sob o argumento de que a tecnologia ainda carece de “regulamentação devidamente madura”.
A solução, contudo, encontra respaldo entre alguns agentes do mercado, como a EDP e a Cymi Renováveis – além da Associação Brasileira de Armazenamento de Energia (Armazene) e o Regulatory Assistance Project, think tank focada em transição energética.
A EDP destaca que, embora os sistemas de armazenamento ainda não disponham de uma regulamentação específica, a operação da tecnologia cumpre “papel crucial” ao reduzir picos de geração, melhorar a eficiência da infraestrutura elétrica e otimizar a contratação do sistema de transmissão de projetos renováveis.
Já a Cymi defende que as baterias permitem que projetos de fontes renováveis não controláveis (como eólicas e solares) tenham flexibilidade de despacho e, portanto, condições de oferta de potência para o atendimento à ponta de carga do SIN – contribuindo, assim, para reduzir a necessidade de contratação de fontes mais poluentes.
As empresas de transmissão de energia, representadas pela Abrate, veem nos sistemas de armazenamento de energia uma nova oportunidade de negócios.
Eles se veem como potenciais fornecedores de serviços de flexibilidade para o sistema e defendem a criação de um leilão de transmissão específico para contratação do BESS, para reserva de capacidade de potência e flexibilidade.
A Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) defende, por sua vez, que a tecnologia fique de fora do leilão de reserva de capacidade deste ano.
“Essa solução, embora também capaz de atender aos requisitos em certa medida, ainda carece de melhor suporte regulatório. Não há regras estabelecidas para os contratos de uso do sistema (transmissão ou distribuição) nas situações que operam injetando ou consumindo energia. Sem regras claramente estabelecidas, os riscos de disputas são certos”, citou a Anace, em sua contribuição.