RIO – Empresas especializadas em levantamento de dados geofísicos para a indústria de óleo e gás estão interessadas em prestar serviços de aquisição de dados meta-oceânicos (como velocidade dos ventos e das correntes) para projetos de geração eólica offshore no Brasil. É parte do reposicionamento dos negócios dessas companhias, frente à transição energética.
As empresas especializadas no serviço, porém, ainda veem com cautela a falta de regulação para avançarem de vez com os planos de diversificação de serviços. E pedem urgência na definição das regras sobre a coleta e uso dos dados no setor eólico.
As informações levantadas por esses fornecedores na etapa de estudos de potencial são importantes para ajudar o governo a definir as áreas a serem leiloadas e auxiliar as empresas a definirem regiões prioritárias para investimentos.
A expectativa no setor é que os primeiros projetos de eólica offshore entrem em operação no país antes do fim da década. Por isso, há urgência em iniciar as coletas de dados – que levam dois anos, no mínimo, para uma maior precisão.
“Esses dados são importantes porque ajudam a definir a localização e a capacidade de geração em cada prisma a ser ofertado ao mercado”, afirma o sócio de energia e recursos naturais do Campos Mello Advogados, Marcelo Frazão.
Mercado ainda vê muitas incertezas
Ainda não há uma clareza no mercado, contudo, sobre o licenciamento ambiental para realização dos levantamentos.
E pairam dúvidas se as empresas de aquisição de dados poderão realizar os levantamentos por conta própria e disponibilizar as informações aos diferentes agentes da indústria, como ocorre no modelo “multicliente”, no setor de óleo e gás; ou se os levantamentos vão ser feitos apenas via contratação direta.
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A portaria 52/2022 do Ministério de Minas e Energia (MME), que estabelece as normas para a cessão de áreas para a instalação de eólicas offshore, prevê a possibilidade de leilões planejados para oferta de áreas ao mercado ou cessões independentes.
No caso das cessões planejadas, a portaria estipula que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) realizará chamadas públicas para identificar interessados em investir nos estudos. Já na possibilidade de cessão independente, cada empresa ficaria responsável pelos próprios levantamentos.
“Com exceção da cessão planejada com estudos prévios, caberá aos empreendedores interessados realizar os levantamentos e estudos, seja de forma individual ou em conjunto com outros interessados, sob sua conta e risco”, diz a EPE.
Os requisitos mínimos para a aquisição dos dados vão ser definidos pela própria EPE. Ainda não está claro se os dados serão propriedade do Estado, como ocorre no setor de petróleo.
TGS é uma das empresas que mira a diversificação
Uma das companhias que demonstra interesse em realizar levantamentos para as eólicas offshore é a TGS, que já realizou campanhas sísmicas em 13 bacias da costa brasileira.
O presidente da companhia, João Correa, defende a possibilidade de aquisições do tipo “multicliente”, como ocorre com os dados sísmicos que são usados na exploração de petróleo e gás. Nesse modelo, a empresa levanta os dados por conta própria e depois vende essas informações às companhias interessadas em investir nas áreas.
Para Correa, realizar os levantamentos depois da cessão das áreas, com a contratação direta dos dados pelas empresas concessionárias, aumenta os riscos de dimensionamento dos projetos e de obtenção das licenças ambientais. “Sai mais caro para as empresas, que podem chegar à conclusão de que realizaram ofertas para áreas que não eram tão interessantes”, argumenta.
Segundo o executivo, os dados ambientais e de ventos da costa brasileira disponíveis até o momento são insuficientes para dimensionar os projetos eólicos de forma eficiente.
“Para as obras de engenharia, vão ser necessárias novas aquisições”, comenta.
Por que precisamos de um marco legal para eólicas offshore? Assista nesta quinta (4/5) no antessala epbr
A quem pertencem os dados?
No caso do setor de petróleo, a Lei do Petróleo define que os dados sísmicos são patrimônio do Estado brasileiro – por isso, todos os levantamentos são entregues à Agência Nacional do Petróleo (ANP), que pode usá-los para determinar, por exemplo, quais blocos serão ofertados em leilões.
Os dados ficam por sigilo durante um tempo pré-determinado, antes de se tornarem públicos. Nesse período, as empresas que realizaram aquisições multicliente podem vender as informações levantadas às petroleiras interessadas.
“Como são dados estratégicos e que podem decidir montantes de investimentos em futuras licitações, é muito razoável que regra similar seja interessante para defender os interesses do Estado e sociedade na cessão de áreas para eólicas offshore”, analisa o professor da Escola de Guerra Naval e coordenador do Grupo Economia do Mar, Thauan Santos.
Caso a regulação estabeleça que a propriedade das informações levantadas pelos empreendedores é do Estado, também se abre a possibilidade de o governo criar uma base única de dados ambientais para os projetos de eólicas offshore.
“A disponibilização de dados pode facilitar pesquisa de ponto, maior conhecimento sobre o setor, assim como potencializar investimentos nesta indústria”, diz Santos.
Frazão, do Campos Mello Advogados, afirma que as definições das regras para obtenção e tratamento dos dados para os projetos eólicos podem ocorrer no âmbito regulatório, para dar mais segurança jurídica para as empresas.
O advogado lembra que as atividades eólicas offshore vão demandar a interação entre a Aneel, ANP, a Marinha, e o Ibama, assim como os órgãos ambientais estaduais. No caso da coleta de dados de ventos, que envolvem ainda o uso de torres de medição, deve ser necessário consultar também a Agência Nacional de Aviação (Anac).
“É preciso primeiro definir que tipo de licenças as empresas têm que obter para levantar esses dados. A melhor forma de começar a fazer isso é as companhias realizarem consultas formais aos órgãos envolvidos”, defende.