Energia

Eficiência energética precisa atingir população de baixa renda, dizem especialistas

Pesquisa mostra que gasto com gás e energia elétrica já compromete metade ou mais da metade da renda de 46% das famílias brasileiras

Eficiência energética precisa atingir população de baixa renda no Brasil, dizem especialistas. Na imagem, comunidade de Quatro Rodas, a pouco mais de 13 km da capital do Rio de Janeiro, no bairro de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, não tem sequer fiação para receber fornecimento de energia (Foto: Igor Soares/Projeto Colabora)
Comunidade de Quatro Rodas, a pouco mais de 13 km da capital do Rio de Janeiro, no bairro de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, não tem sequer fiação para receber fornecimento de energia (Foto: Igor Soares/Projeto Colabora)

RECIFE — O aumento da conta de luz dos brasileiros nos últimos anos alertou para a necessidade da eficiência energética tornar-se plano imediato. Uma pesquisa da Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), a pedido do Instituto Clima e Sociedade (ICS), concluiu que o gasto com gás e energia elétrica já compromete metade ou mais da metade da renda de 46% das famílias brasileiras.

A Ipec ouviu 2002 pessoas com idade a partir dos 16 anos, em todas as regiões do Brasil. Entre elas, 10%  afirmam que a despesa com eletricidade compromete quase toda a renda familiar.

Para 90% dos brasileiros que participaram do estudo, a solução para pagar a conta de luz foi diminuir as compras de outros produtos como roupa, sapato e eletrodomésticos. Entre o percentual, 22% deixaram de comprar alimentos básicos para manter a energia em dia. Destes, 28% são nordestinos.

“As pessoas que sofrem mais com esses altos custos de eletricidade são pessoas de baixa renda, que acabam tendo os equipamentos menos eficientes em casa ou não tem nem mesmo acessos a esses equipamentos”, comenta Amanda Ohara, do Instituto Clima e Sociedade (ICS), em entrevista à agência epbr.

Segundo Ohara, para reduzir o consumo de eletricidade, as famílias estão deixando de ligar equipamentos que consomem mais energia, algo que poderia ser amenizado, em conjunto com outras ações, se a eficiência energética atingisse essa fatia da sociedade.

Entre as formas de expandir a eficiência para as diversas camadas de consumidores, o acesso a novas linhas de produtos como geladeira e ar-condicionado surgem como oportunidades necessárias para redução de custos.

Para a especialista, é urgente ter mais equipamentos eficientes disponíveis no Brasil, além da criação de políticas que garantam que os produtos vendidos aqui tenham os mesmos padrões de eficiência exigidos internacionalmente.

“Também é preciso que se criem programas que viabilizem o acesso de pessoas que sofrem mais com o custo da energia. Existem formas de fazer isso, através do percentual de renda das distribuidoras que, por lei, devem ser gastos com medidas via um programa de eficiência da Aneel. Seria muito interessante se esse recurso fosse aplicado para subsidiar a compra de equipamentos para população mais vulnerável”.

Outro ponto é o direcionamento adequado de políticas para reduzir o custo da energia.

“De maneira geral, o Brasil tem muito a fazer para ter uma maior eficiência comparado com outros parques industriais e outras economias. Medidas como essas que o governo está tomando, de corte do ICMS, acabam não sendo boas porque é diferente o que acontece para a população mais pobre, que já está racionando energia pelo próprio custo”, critica.

Na visão da especialista, reduzir o custo da energia para todos não incentiva o uso consciente de forma igual.

“No final das contas, você não cria um ambiente em que a eficiência é valorizada e a distribuição dos custos desse sistema acaba sendo muito desigual”.

Mais

Brasil ainda não ratificou a Emenda de Kigali

Parada na Câmara dos Deputados desde 2019, a ratificação da Emenda Kigali ao Protocolo de Montreal poderia injetar cerca de US$ 100 milhões para modernização da indústria brasileira, segundo cálculos de organizações da sociedade civil.

“A Emenda de Kigali é muito importante porque, ao ser aprovada, ela ataca justamente os principais itens de consumo, entre eles os aparelhos de ar-condicionado”, diz Ohara.

Ela explica que ao trabalhar para ter aparelhos mais eficientes no mercado, como acorda a Emenda, o país garante que o estoque de equipamentos circulantes vai consumir menos energia.

“No caso do setor comercial, se você avalia o quanto se gasta com refrigeração e com climatização, são os principais gastos. A gente não tem nenhum padrão mínimo de eficiência para esse tipo de equipamento no Brasil. Ou seja, acaba que o Brasil recebe equipamentos que em outros lugares do mundo nem podem ser mais comercializados”, completa.

Amanda Schutze, coordenadora de Avaliação de Política Pública da Climate Policy Iniative, também chama a atenção para o direcionamento de medidas eficazes para diferentes setores da economia.

“Tem várias maneiras de estimular a eficiência energética, partindo, por exemplo, de programas informacionais; programas de regulação; acordos de metas; leilões, enfim, são vários mecanismos. Além das medidas que nós já temos, como o Programa Brasileiro de Etiquetagem, temos o selo Procel, a própria Lei da Eficiência Energética”.

O problema, ela diz, é que os programas são criados de forma reativa, sempre em resposta a uma dificuldade no atendimento da demanda. “Não tem um planejamento a longo prazo bem estruturado”, destaca.

Eficiência para o Net Zero

Cerca de 25 ministros de estado de diversos países do mundo todo se reuniram na quarta (8/6) na Dinamarca para debater medidas de eficiência energética para combater a crise energética e ajudar a cumprir as metas climáticas do Acordo de Paris. O Brasil não participou.

Durante o encontro, os líderes enfatizaram que ações aceleradas voltadas para eficiência podem reduzir a demanda global de energia até 2030, em comparação com o Cenário de Políticas Declaradas da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), que leva em consideração as políticas e medidas já aplicadas e também aquelas ainda em desenvolvimento.

Sem esta ação adicional, a demanda final de energia poderia ser 18% maior em 2030 em vez de cerca de 5% menor no Cenário Net Zero.

Para além do setor residencial, a eficiência energética, se implementada ao lado de ações abrangentes para diferentes setores, reflete em impactos positivos para a economia.

Segundo o documento 7ª Conferência Global Anual sobre Eficiência Energética: O valor da ação urgente em eficiência energética, o consumo de energia nos edifícios apresentará uma queda de mais de 20% entre 2020 e 2030.

Esse índice considera uma combinação de medidas que incluem a substituição de caldeiras de combustíveis fósseis por bombas de calor elétricas, além da junção de esforços para substituir o uso tradicional de biomassa sólida — como madeira e carvão para cozinhar — com alternativas mais eficientes e limpas.

Além disso, medidas relacionadas à eficiência também são cruciais para indústrias fabricantes de matérias pesadas e de eletrificação na fabricação, ajudando a moderar o forte crescimento da demanda de energia até 2030.

O documento também apontou que, em 2020, o consumo de energia industrial foi responsável por cerca de 39% das projeções globais relacionadas à energia.

“O interessante da eficiência energética é que ela é uma medida ganho a ganho, porque além dela reduzir custos operacionais e aumentar a produtividade, ela acaba também se apresentando de uma forma positiva para o sistema porque faz com que, para suprir a mesma necessidade da sociedade, você use menos energia”, explica Ohara.

Transportes também entram na conta

Em 2020, o consumo de energia do transporte comum representou cerca de 27% do total de emissões globais relacionadas à energia, segundo a IEA.

Já as ações voltadas para a eletrificação, eficiência aprimorada de veículos com motor de combustão interna, mudança de comportamento e outras medidas de demanda de energia — elementos fundamentais para a estimativa de Net Zero em 2050 —  representaram cerca de 80% da redução de emissões.

Até 2030, o levantamento apontou que a compra de aproximadamente 30 milhões de barris de petróleo por dia poderiam ser evitadas, valor equivalente ao triplo da produção média da Rússia em 2021. Essas reduções seriam responsáveis pela diminuição dos custos de energia entre cerca de US$ 400 bilhões e pouco mais de US$ 1 trilhão, dependendo do preço do petróleo.

“Se você tem transportes pouco eficientes, por exemplo, já que a gente depende muito do transporte rodoviário — quando comparado a outras opções de transportes de cargas e longas distâncias — se consome muito mais energia. Então, se você tem um custo de transporte mais alto por conta do maior gasto energético”, enfatiza Ohara.

Esse custo vai ser repassado para os produtos finais que chegam aos supermercados, impactando a inflação. “Investir em eficiência significa aumentar a produtividade da economia”, finaliza.

Empresas querem investir, mas esbarram em dificuldades

Cerca de 53% das empresas brasileiras estão interessadas em direcionar mais recursos para eficiência energética nos próximos 12 meses, mostra uma pesquisa da Johnson Controls, de maio deste ano. Contudo, quase dois terços dos entrevistados afirmam que têm dificuldades em escalar sustentabilidade em edifícios, regiões geográficas ou unidades de negócios.

“Quando a gente pensa em eficiência energética, a gente sabe que isso se refere à utilização da energia de forma racional. Naturalmente, as indústrias devem se interessar porque elas terão uma redução de custos. A gente fala do ganho para empresa, mas é um ganho para todos”, diz Schutze.

“É mais fácil você pensar em eficiência energética do que construir uma usina ou uma linha de transmissão. Tem toda a questão da redução de gases do efeito estufa, então fica mais barato, gera empregos, estimula o crescimento econômico e ajuda o meio ambiente”, completa.