RIO — Os riscos de desabastecimento de diesel, no segundo semestre, não são iguais para todas as regiões do país. A consultoria Leggio não acredita numa escassez generalizada do produto no mercado brasileiro, mas destaca que os estoques nacionais estão em queda e que em alguns estados, onde as cadeias de suprimento são mais vulneráveis, pode, sim, faltar combustível nos próximos meses.
A agência epbr conversou com o sócio da Leggio Consultoria, Marcus D´Elia, para entender em que estados a situação da segurança do abastecimento é mais arriscada, caso as importações de diesel sejam afetadas, no segundo semestre, pelo cenário de desequilíbrio entre a oferta e a demanda do produto no mercado global.
Em resumo, o consultor explica que o risco de faltar derivado é maior nas regiões mais dependentes de uma refinaria e/ou porto e onde há forte déficit no balanço da oferta e demanda.
Na avaliação de D’Elia, existem três eixos mais vulneráveis aos riscos de desabastecimento:
- Maranhão, Piauí e Tocantins: Esses três estados são muito dependentes da chegada de produtos pelo Porto de Itaqui (MA) e pelo escoamento das cargas pela ferrovia Norte-Sul;
- Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul: A Refinaria Presidente Vargas (Repar), em Araucária (PR), não é suficiente para abastecer a região toda e é dependente das importações via Paranaguá (PR);
- Região Norte/Mato Grosso: Possui apenas uma refinaria, a Isaac Sabbá (Reman), que é insuficiente para suprir o estado do Amazonas. O suprimento da região depende das importações e cabotagem, via portos.
Estoques em baixa
Há duas semanas, em resposta aos alertas dados pela Petrobras ao governo, de que pode faltar diesel se os preços de mercado não forem respeitados, o Ministério de Minas e Energia informou que os estoques de diesel S-10 do Brasil eram suficientes, na ocasião, para abastecer o país por 38 dias — junto com a produção nacional — caso as importações do produto sejam zeradas.
De acordo com a análise da Leggio, o número revela que os estoques brasileiros estão sendo consumidos. Embora os dados da ANP sobre armazenamento não sejam públicos, a consultoria estima que as refinarias, terminais e bases do país estão operando, hoje, com metade da capacidade de armazenagem ociosa.
“Estamos no limite inferior da média do que podemos considerar uma boa margem de estoque operacional. Esse número [38 dias] não é alto, esse é o ponto. E não estamos falando de estoques de segurança. No duro, não existe estoque estratégico, de segurança, no Brasil, como existe nos EUA. Estamos falando de estoque operacional, aquele formado para manter a movimentação de produtos. Existe uma capacidade ociosa, hoje, na capacidade de armazenamento e não estamos conseguindo ampliar os estoques — algo que qualquer distribuidora gostaria de fazer neste momento”, explicou D’Elia.
O consultor lembrou, ainda, que os estoques brasileiros não são uniformemente distribuídos no país. “A chance de faltar diesel em São Paulo e no Rio de Janeiro é praticamente zero”, comentou.
Para aprofundar
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Para D’Elia, os riscos de desabastecimento no Brasil revelam as carências de infraestrutura e de planejamento do país. Segundo ele, faltam planos de contingência para lidar com os riscos de ruptura do mercado global.
Na opinião do consultor, diante do contexto de instabilidade mundial, não parece ser útil questionar se poderá haver falta de diesel ou não, mas sim preparar o país para caso o desabastecimento se confirme.
“Nesses estados [com cadeias logísticas mais vulneráveis], há pontos-chaves que devem estar cobertos por planos de contingência. O desenvolvimento desses planos não pode ser substituído pelo lema ‘o mercado vai se adaptar’. As soluções passam pela coordenação de agentes de mercado para uso de rotas alternativas de suprimento, priorização do fornecimento do produto para transporte, formação de estoques por grandes consumidores, entre outras medidas que não são de implementação rápida e precisam de planejamento. O cenário de escassez pode não se confirmar, mas estamos preparados caso aconteça algo? Não”, afirmou o especialista.
De acordo com D’Elia, um país como o Brasil precisa ter um planejamento ainda maior, dado que a infraestrutura de abastecimento do país é carente e não consegue responder de imediato a medidas de urgência.
“Se há um pico de movimentação, a infraestrutura não suporta. Não temos capacidade para absorver picos. Por mais que queiramos reagir e trazer mais produtos, em cima da hora, para formar estoques, há limitações na capacidade de escoamento rápido desse produto”, considerou.
Os riscos de desabastecimento, segundo a Petrobras
A estatal brasileira reforçou, esta semana, as preocupações com a falta de diesel no mercado brasileiro, no segundo semestre. De acordo com a petroleira, o risco de desequilíbrio no mercado global, nos próximos meses, é justificado por três fatores:
- aumento sazonal da demanda mundial no segundo semestre — e, no Brasil, agravada pelo escoamento mais intenso da safra das commodities agrícolas;
- menor disponibilidade de exportações russas pelo prolongamento e agravamento de sanções econômicas ao país após a invasão da Ucrânia;
- e eventuais indisponibilidades de refinarias nos Estados Unidos e Caribe, diante da proximidade da temporada de furacões, de junho a novembro.
Em nota emitida esta semana, em meio às intensas discussões no governo e no Congresso sobre medidas para atenuar a inflação dos combustíveis, a companhia reforçou que a prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado global é “necessária para a garantia do abastecimento doméstico”. No Brasil, lembrou a estatal, 30% da demanda por diesel é abastecida via importação.
“Preços abaixo do mercado inviabilizam economicamente as importações necessárias para complemento da oferta nacional. Exemplos recentes de desalinhamento aos preços de mercado já se traduzem em problemas de abastecimento em países vizinhos ao Brasil”, destacou a Petrobras, em referência aos problemas de suprimento na Argentina.