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Dificuldade para contratar plataformas reacende debate sobre uso de fundo da construção naval

Fundo da Marinha Mercante e unidades próprias voltam ao foco para viabilizar produção de óleo e gás

Na imagem: Plataforma P-62, construída no estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco (Foto: Divulgação)
Plataforma P-62, construída no estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco (Foto: Divulgação)

RIO – O cenário complicado para a contratação de navios-plataforma (FPSOs) no mercado internacional gera preocupações sobre os próximos projetos no Brasil e está reacendendo debates sobre o financiamento da construção nacional e o Fundo de Marinha Mercante (FMM).

Em paralelo, a Petrobras mantém conversas com o mercado em uma tentativa de viabilizar condições de financiamento das plataformas de óleo e gás previstas no plano de investimentos até 2028.

São alternativas que se complementam, mas também ditam rumos de encomendas: enquanto o FMM é voltado para a indústria nacional, bancos internacionais, por vezes, financiam exportações de seus próprios países.

O caso mais emblemático de problemas é a licitação da Petrobras para as duas plataformas do projeto de Sergipe Águas Profundas (SEAP), que vão ter capacidade para produzir 120 mil barris/dia cada.

Lançada em abril de 2023 com previsão inicial de entrega das propostas em outubro, a concorrência já teve o prazo prorrogado três vezes, em meio a um ciclo de alta no mercado, em que o Brasil concorre com outros destinos de grandes plataformas.

A Petrobras tem hoje seis processos de contratação de FPSOs em curso, dos quais quatro unidades estão previstas no atual plano de negócios e dois vão entrar em produção depois de 2028:

  • Revitalização de Albacora: em negociação, com previsão de fechamento do contrato em abril. Início da operação deve ocorrer em 2027;
  • Revitalização de Barracuda e Caratinga: ocorre normalmente, com previsão de recebimento das propostas em julho de 2024. Entrada em produção está prevista para 2028
  • SEAP 1 e 2: a baixa competitividade fez a Petrobras estender a concorrência até 14 junho. Expectativa de operação a partir de 2028
  • Sépia 2 e Atapu 2: fase final de negociação. A Petrobras não teve êxito em negociar as unidades de forma separada e, por isso, optou por uma proposta conjunta, ou seja, de um mesmo fornecedor para ambos FPSOs. Projetos estão fora do plano de negócios em curso, portanto só entram em operação depois de 2028

O papel do fundo da construção naval

Segundo o diretor executivo de Engenharia, Tecnologia e Inovação da Petrobras, Carlos Travassos, as iniciativas para elevar a viabilidade dos projetos incluem o acesso aos recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM), além de conversas com bancos privados e estrangeiros.

“Monitoramos o tempo todo o mercado e discutimos com eles para entender qual é a razão da dificuldade na apresentação de propostas”, disse na entrevista coletiva de sexta (8/3), após publicação do balanço da companhia.

A diretoria indicou alguma disposição da Petrobras em ajudar fornecedoras a buscar soluções, mas quando questionada via assessoria de imprensa sobre as dificuldades para viabilizar financeiramente os projetos, a estatal respondeu que “a estruturação financeira dos projetos afretados é responsabilidade dos proponentes”.

“Os recursos do FMM podem ser aplicados aos módulos de FPSOs e outros escopos ligados à indústria naval e offshore, com grande potencial, assim como atualmente tem a aplicação direta para a construção de embarcações, como por exemplo as embarcações de apoio”, disse a estatal em nota.

Responsável pela gestão do FMM, o Ministério de Portos e Aeroportos confirmou que já existe a possibilidade de financiar plataformas com recursos do fundo, sem entrar em detalhes sobre discussões em curso.

Durante o governo de Jair Bolsonaro, houve discussões sobre o fim do FMM e a redução da arrecadação para o fundo, que ocorre pelo Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM).

Em 2021, o Congresso aprovou a BR do Mar, programa que diminuiu o adicional de frete e facilitou o afretamento de embarcações estrangeiras, além de ampliar as possibilidades de uso do FMM.

Segundo dados do BNDES, que é o agente financeiro do FMM, os desembolsos do fundo em 2023 somaram R$ 673 milhões, muito abaixo dos R$ 2,8 bilhões desembolsados em 2015, valor recorde na última década.

A carteira de crédito do fundo em dezembro de 2023 era de R$ 18,4 bilhões. Desse valor, 98% visavam a construção e aquisição de embarcações e 2% estavam destinados para a reforma e construção de estaleiros.

BNDES Azul revive expectativas

A expectativa de que o governo federal volte a atuar como indutor da indústria naval ganhou tração no começo de 2024, com o lançamento do programa “BNDES Azul”. A iniciativa prevê a redução de taxas de juros para modernização da frota naval brasileira.

A visão da pasta é que ao direcionar recursos para descarbonização de embarcações utilizadas, o programa já nasce com o potencial para reduzir os custos de financiamento da exploração e produção de óleo e gás.

“O programa BNDES Azul é de responsabilidade do banco”, explica o Ministério de Portos e Aeroportos.

“Entendemos que a frente [do programa] que pretende incentivar a descarbonização da frota naval pode trazer impactos bastante positivos para o setor de petróleo e gás, pois reduz as taxas envolvidas nas operações financeiras de embarcações que usem tecnologias e combustíveis sustentáveis”, diz a pasta.

Além de fomentar a construção de navios nacionais que usem combustíveis sustentáveis, também existe a possibilidade de uso dos recursos para modernização e construção de frota movida a combustíveis fósseis.

Para os fornecedores, o lançamento desse programa indicou a vontade do BNDES de propor a discussão da construção nacional de navios e do desenvolvimento dessa competência no país.

“É uma decisão de país. Não vai ser o BNDES sozinho, nem três estaleiros, nem a Petrobras sozinha que fará isso”, acredita o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo (Abespetro), Telmo Ghiorzi.

“Um conjunto de atores importantes vai tomar a decisão disruptiva de fazer embarcações, tornar o Brasil um grande polo de desenvolvimento, de engenharia, de fabricação, de exportação dessas embarcações”, diz.

O executivo defende que para construir essa experiência o Brasil vai precisar abandonar a tese das vantagens comparativas, ideia do liberalismo do século XVIII que defendia que um país deveria se especializar na produção de bens de acordo com o melhor custo de oportunidade.

Segundo o presidente da Abespetro, outros países que hoje são competitivos nesse setor conseguiram avançar com base em incentivos, como Coreia do Sul, Japão e China.

“O conceito de vantagens comparativas tem de ser abandonado. Se fosse usar a tese das vantagens comparativas, o Brasil estaria até hoje produzindo pau-brasil, soja”, afirma.

Ele aponta que o banco de fomento teria um papel fundamental caso o governo decida incentivar essa atividade.

“Todo o país que fez essa ruptura tinha um banco enorme, como o BNDES, por trás. Estamos indo nessa direção”, diz.

A Petrobras reconhece que o “BNDES Azul” pode ser “um importante potencializador” para o fortalecimento da indústria naval brasileira, mas ressalta que o programa está voltado às embarcações de carga e de apoio offshore ou portuário, por isso, não deve afetar diretamente a contratação de FPSOs.

Procurado, o BNDES não confirmou a possibilidade de uso do programa para plataformas de produção de petróleo e gás.

Mercado internacional vive ciclo de alta

A exploração e produção marítima de petróleo e gás vive um ciclo de alta de investimentos, com previsão de receber US$ 214 bilhões em 2023 e 2024, maior crescimento em uma década, segundo a consultoria Rystad Energy.

As atividades estão aquecidas sobretudo em águas profundas, no Brasil, Guiana, Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido. Com isso, o mercado global enfrenta gargalos nas contratações de sondas, navios e plataformas este ano.

O cenário gera preocupações acerca da capacidade de entrega no custo e no tempo previsto dos projetos já contratados, além de trazer incertezas para as decisões finais de investimento previstas para novos projetos este ano.

A Rystad alertou no fim do ano passado para um provável aumento de preços e atrasos nas entregas em 2024. Especialistas apontam que a demanda para FPSOs têm sido concentrada em unidades maiores, para produção em águas profundas, e que adotam novas tecnologias para redução de custos, justamente o perfil de plataforma que o Brasil demanda.

O analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, lembra ainda que novos entrantes no fornecimento de plataformas no Brasil enfrentam dificuldades regulatórias. Além disso, também ocorreu um grande aumento nos custos dos seguros marítimos recentemente.

Um dos negócios mais recentes de contratação de FPSO fechado para um projeto no Brasil foi há quase um ano, em maio de 2023, da unidade que vai produzir no campo de Raia, na Bacia de Campos.

Operado pela Equinor (35%), a área tem participação da Petrobras (30%) e da Repsol Sinopec (35%). A japonesa Modec vai ser responsável por fornecer o FPSO, que terá capacidade de produzir 16 milhões de metros cúbicos por dia (m³/dia) de gás natural.

O mercado fornecedor mais apertado não se restringe às plataformas e inclui também sistemas submarinos e sondas, por exemplo. No caso das sondas, no entanto, a estatal já contratou praticamente todas as unidades necessárias para a execução do atual planejamento. “Essa dificuldade não é só da Petrobras, é no mundo inteiro”, disse Travassos na coletiva.

Indústria nacional viveu crise

A indústria naval teve forte crescimento no país durante os dois primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e é vista pelo governo como um importante vetor de geração de empregos.

Na última década, o setor naval nacional sofreu com a redução das contratações da Petrobras e com as dificuldades em competir com os estaleiros asiáticos. Há consenso no mercado de que não é possível neste momento entregar uma plataforma inteiramente construída no Brasil de forma competitiva.

No entanto, também existe o entendimento de que sem demanda a indústria não vai conseguir desenvolver uma curva de aprendizado que eventualmente possa tornar a construção de cascos competitiva no Brasil.

Os projetos de construção e conversão de outros navios em FPSOs envolvem a construção dos cascos, dos módulos das plantas de processamento e a integração desses módulos aos cascos. O Brasil tem experiência principalmente na última etapa, de instalação dos módulos.

Segundo dados do Sinaval, estaleiros nacionais já participaram da construção de 19 plataformas de produção, total ou parcialmente. Por isso, no curto prazo, a principal esperança da indústria nacional são os contratos de engenharia e integração de módulos.