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Diálogos da Transição
Editada por Nayara Machado
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Artigo 6
Um dos resultados mais aguardados da Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas — COP26, a definição de regras para o mercado de carbono global ainda não entrou nos esboços do texto final da cúpula de Glasgow.
Apesar dos avanços nas negociações, ainda há temas pendentes de consenso, especialmente sobre os artigos 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris (Mattos Filho). Em resumo:
- o aceite de transição de créditos de carbono e projetos oriundos de mecanismos previstos no Protocolo de Quioto;
- a destinação de parte das receitas provenientes do Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS) para financiamento de atividades de adaptação às mudanças climáticas;
- os mecanismos de ajustes de contabilidade de emissões a serem adotados para evitar dupla contagem nos resultados de mitigação de reduções de emissão no comércio de créditos de carbono.
O Brasil, que na última COP travou as negociações sobre o Artigo 6, ontem (11) fez uma concessão em proposta conjunta com o Japão. “Estamos em vias de chegar a um acordo. Não posso dar detalhes porque geraria uma pressão sobre esse ou aquele país porque atrapalha a negociação”, afirmou o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.
Um ponto é a formação do Fundo de Adaptação. Segundo Leite, a busca por recursos deve ser desconectada dos mecanismos de mercado de carbono.
A mudança de posicionamento do governo brasileiro em relação ao tema é uma demanda do setor empresarial, que antes da COP26 vinha pedindo uma “evolução” do país.
Já a delegação da Rússia pediu hoje mais trabalho no Artigo 6. Assim como o Brasil, os russos estão particularmente interessados em uma resolução sobre os créditos do Protocolo de Quioto e a possibilidade de serem transferidos e contados dentro de mercados recém-estabelecidos.
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O que temos até agora?
O texto mais recente faz ligeiras mudanças para reforçar a necessidade de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) alinhadas com a meta de Paris (1,5º a 2º). Eleva o senso de urgência e reduz o prazo para 2022.
Além disso, cobra o cumprimento pleno da meta de financiamento de US$ 100 bilhões anuais urgentemente até 2025.
E atenua a linguagem sobre combustíveis fósseis em comparação com o rascunho divulgado na quarta.
O novo esboço solicita às Partes que acelerem a transição para sistemas de energia de baixa emissão, e a eliminação “gradual da energia do carvão” e dos “subsídios ineficientes para os combustíveis fósseis”. Veja na íntegra, em inglês (.pdf)
Segundo a Reuters, a nova versão agradou os sauditas, para quem o rascunho atual é “viável”. “Estamos em contato com vocês e suas equipes para garantir que nada naquele texto, nada naquela decisão desvie o saldo que fechamos no Acordo de Paris”, Ayman Shasly, em uma conferência.
Mary Robinson, ex-presidente irlandesa e chefe de um grupo de líderes políticos seniores sobre o clima, acusou alguns dos maiores emissores de carbono do mundo de sabotar qualquer tentativa de garantir um plano de ação mais ambicioso na COP26.
Ela disse à Associated Press que a Rússia e a Arábia Saudita estavam “recuando fortemente” para bloquear qualquer menção no acordo final com Glasgow de trabalhar para eliminar o carvão ou reduzir os subsídios do governo aos combustíveis fósseis.
Como estamos?
Net Zero Economy Index 2021, da PwC calcula que entre os países do G20, apenas México e Indonésia reduziram a intensidade de carbono das suas economias a uma taxa superior a dois dígitos. O mundo precisaria acelerar para mais de 12,9% ao ano para alcançar a meta de 1,5º C.
Não produtores comprometidos com fim dos fósseis. Países e entidades subnacionais, liderados por Costa Rica e Dinamarca, lançaram ontem a Aliança Além do Óleo e Gás (Beyond Oil and Gas Alliance, BOGA), considerada o primeiro esforço diplomático voltado para a manutenção de combustíveis fósseis no solo.
Até o momento, Costa Rica, Dinamarca, França, Irlanda, Groelândia, Quebec, Suécia e País de Gales fazem parte como membros completos, e Califórnia, Nova Zelândia e Portugal são membros associados, e Itália entrou no grupo com “amigo”.
Enquanto Brasil deve incentivar ainda mais… “O Brasil tem incentivos claros em relação a combustíveis fósseis e deve incentivar ainda mais, porque é uma solução importantíssima”, afirmou o ministro Joaquim Leite à Estratégia ESG, parceria entre a Alter Conteúdo e a agência epbr. “O importante é geração de emprego”.
A política energética brasileira mira um crescimento constante da produção de petróleo e gás natural até 2050, quando o país se comprometeu a atingir a neutralidade de emissões de carbono. Há, também, o interesse em construir novas usinas a carvão.
Greenwashing?
A área de alertas de desmatamento em outubro foi a maior para o mês em cinco anos, mostram dados do Inpe divulgados nesta sexta (12).
Segundo o sistema Deter, 877 km² de floresta tombaram na Amazônia, um aumento de 5% em relação a outubro de 2020. É o recorde de outubro na série histórica iniciada em 2016.
Para o Observatório do Clima, os dados de hoje são um lembrete de que “o Brasil que circula pelos corredores e pelas salas da COP26, em Glasgow, é o mesmo onde grileiros, madeireiros ilegais e garimpeiros têm licença do governo para destruir a floresta”.
“Quando voltar ao Brasil vou falar com o ministro Anderson [Torres, da Justiça,] para entender esses dados do Inpe. Não acompanhei esses números, estava focado nas negociações”, disse Joaquim Leite durante encerramento dos trabalhos no estande brasileiro em Glasgow.