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Dia da Energia na COP26 mira carvão, mas acordo tem impacto limitado

Brasil, Estados Unidos, Austrália, China e Índia não assinaram acordo anunciado nesta quinta (4)

Dia da Energia na COP26 mira carvão, mas acordo tem impacto limitado
Foto: Divulgação Carbon Tracker

Mais de 40 países assumiram novos compromissos hoje (4) para eliminar a energia a carvão, incluindo Canadá, Chile, Cingapura, Coréia do Sul, Egito, Espanha, Nepal, Polônia, Vietnã e Ucrânia.  

Dedicado ao tema energia, o quinto dia da Conferência do Clima em Glasgow foi marcado também pelo compromisso dos principais bancos internacionais de encerrar efetivamente todo o financiamento público internacional de novas usinas de carvão ​​até o final de 2021. Veja o comunicado na íntegra

Brasil, Estados Unidos, Austrália, China e Índia não assinam o acordo, e o plano fica aquém da ambição inicial da presidência da COP26, analisa a Bloomberg.

Sob o pacto, as nações pretendem interromper o uso da geração de energia a carvão nas décadas de 2030 e 2040 e concordaram em encerrar os investimentos no setor tanto no mercado interno quanto no exterior.

Uma transição justa para a energia limpa e a rápida eliminação do carvão é um ponto importante das negociações da COP26 — mas o prazo até 2040 parece insuficiente.

Por outro lado, a demanda pelo fóssil ainda está aquecida, o que exige respostas efetivas para eliminar a fonte de energia e apresentar alternativas limpas e a preços competitivos.

Em 2021, a projeção é que o carvão sozinho avance 60% a mais do que todas as energias renováveis ​​combinadas, sustentando um aumento nas emissões de quase 5%, ou 1,5 bilhão de toneladas de CO2, alertou a Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês) em abril. 

Além disso, o conceito de transição justa — “não deixar ninguém para trás” — diz respeito também a encontrar soluções para as pessoas que vivem do carvão.

“Precisamos oferecer alternativas. Sem alternativa econômica, a simples contestação não será politicamente sustentável”, comenta Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, estado que concentra 88% das reservas de carvão mineral do Brasil.

O estado estuda como fazer uma transição energética justa para o carvão. Recentemente, teve o projeto de uma mina barrada, por falta de documentos que conseguissem comprovar a sustentabilidade do projeto.

“O caso da Mina Guaíba está arquivado administrativamente, inclusive por demandas do órgão ambiental. De outro lado, o governo está trabalhando na lógica de projetos para alternativas econômicas para as regiões mais dependentes do carvão no RS”, explica Eduardo. 

O governador participou de debate sobre carvão e desafios da transição justa no Sul do Brasil promovido pelo Brazil Climate Action Hub, espaço da sociedade civil na COP26.

“Estamos buscando com as organizações envolvidas com o tema construir planos que viabilizem no mais curto prazo possível — não sei se 2030 é possível –, mas em uma meta ambiciosa e ao mesmo tempo realística de encurtar o prazo de funcionamento oferecendo alternativas econômicas”. 

Além de subsídios, Eduardo defende a atração de novos investimentos, capazes de absorver mão de obra e gerar riqueza e novas oportunidades. “É um custo que precisa ser suportado pela sociedade e pelo setor privado”.

A trajetória ainda é “incipiente”, mas a proposta é que seja feita uma política de Estado, que atravesse governos e dê continuidade aos descomissionamentos de termelétricas a carvão, ao mesmo tempo em que alavanca investimentos em alternativas mais sustentáveis para geração de energia.

A grande aposta é o hidrogênio.

“Um dos projetos que mais estamos tratando aqui na COP é a possibilidade de geração de hidrogênio verde no Rio Grande do Sul a partir do que nós temos de capacidade instalada de energia eólica, estrutura portuária”, diz Eduardo.

A ambição do governador é ir além da exportação — tendência nos projetos de H2V anunciados até agora no Brasil — e buscar sustentação também no mercado interno, com a indústria de fertilizantes, por exemplo.

“Isso tem uma relação inclusive com regiões afetadas por descomissionamento de termelétricas a carvão”.

Sobre o acordo assinado nesta quinta  

Em uma nova Declaração de Transição do Carvão Global para Energia Limpa, as duas dezenas de países também se comprometeram a aumentar a energia limpa e a garantir uma transição justa do carvão.  

As nações desenvolvidas prometeram novo apoio para ajudar os países em desenvolvimento a fazer a transição para a energia limpa. 

Enquanto, bancos e instituições financeiras, incluindo grandes credores internacionais como HSBC, Fidelity International e Ethos, afirmaram que vão interromper o financiamento para carvão.

Mais:

  • 28 novos membros se inscreveram na maior aliança do mundo para a eliminação progressiva do carvão. The Powering Past Coal Alliance, lançada e co-presidida pelo Reino Unido e Canadá. Os novos membros incluem Chile e Cingapura. Aliança tem mais de 160 países membros, além de governos subnacionais e empresas. 
  • 20 novos países, incluindo Vietnã, Marrocos e Polônia se comprometeram a não construir novas usinas a carvão, combinando anúncios semelhantes no ano passado pelo Paquistão, Malásia e Filipinas, e agregando ao No New Coal Power Compact lançado em setembro pelo Sri Lanka, Chile, Montenegro e parceiros europeus.
  • Índia, Indonésia, Filipinas e África do Sul anunciaram parcerias com os Fundos de Investimento do Clima para acelerar suas transições para longe da energia do carvão, apoiadas por fundo dedicado de US$ 2 bilhões.
  • Indonésia e as Filipinas anunciaram parcerias pioneiras com o Banco Asiático de Desenvolvimento para apoiar a aposentadoria antecipada de usinas de carvão. 

Os acordos seguem anúncios recentes da China, Japão e Coréia do Sul para encerrar financiamento do mineral no exterior — um corte significativo de recursos internacionais de origem pública para este tipo de energia.

Em junho, o G7 também já havia se comprometido com fim de subsídios para carvão ainda este ano. O G20 também já concordou em interromper o financiamento de projetos de carvão no exterior. 

Em 2020, as nações do G20 contribuíram com quase US$ 600 bilhões para projetos de petróleo, gás e carvão, de acordo com estimativas da BloombergNEF. 

Os ativistas esperam usar a declaração conjunta para ajudar a pressionar financiadores e países que não assinaram a promessa e ainda estão dedicando dezenas de bilhões a projetos fósseis estrangeiros anualmente.

Aposta arriscada

O think tank Carbon Tracker lançou nesta quinta o Levantamento de Riscos de Carvão, mostrando que os mercados financeiros mundiais estão expostos a US$ 121 bilhões de risco de encalhe, se o mundo tomar medidas para atingir as metas de temperatura estabelecidas no Acordo de Paris — a exemplo dos compromissos assumidos hoje na COP26. 

O relatório avisa investidores que as empresas listadas que ainda planejam construir uma nova capacidade de carvão estão fazendo “uma aposta muito arriscada”. 

“A competição crescente com as energias renováveis ​​de baixo custo e o preço do carbono significa que é improvável que elas gerem retorno ao longo de sua vida útil e os compromissos líquidos de zero dos países podem levar a fechamentos antecipados”, explica.

Os riscos segundo o Carbon Tracker:

  • 90% do risco de encalhe está concentrado nas bolsas de valores asiáticas, com as listagens na bolsa de Mumbai respondendo por US$ 59 bilhões de risco de encalhe.
  • As dez maiores empresas respondem por US$ 65 bilhões do risco de encalhe listado (54% do total).
  • A NTPC na Índia é a única empresa mais exposta a um potencial encalhe de ativos, com US$ 19 bilhões.
  • US$ 68 bilhões do risco de encalhe total listado corresponde a empresas em índices de referência primários, investidores passivos e ativos podem, portanto, ter exposição indesejada ao carvão.
  • As empresas listadas enfrentam um adicional de US$ 49 bilhões em encalhe em potencial de novos projetos de carvão.