No quinto artigo que escrevi dessa série, em junho de 2018, discorri sobre a formação da recente família de descomissionamento da Petrobras e terminava perguntando: existe uma indústria de descomissionamento no Brasil?
No texto a seguir, vou discorrer sobre pontos importantes da recém-publicada licitação da Petrobras para descomissionamento das plataformas de Cação. Convido-os à leitura e, ao final dela, respondam: estão preparados para serem a indústria de decomissionamento no Brasil?
— Ficha Técnica da Licitação:
OBJETO: Descomissionamento de Plataformas Marítimas Fixas (Plataformas do Campo de Cação)
Licitação Nº: 7002423988; Entrega das propostas (Data Início): A partir de 25/02/2019 às 8h; Abertura das propostas (Data Fim): 06/05/2019 às 15h; Procedimento de Contratação: Licitação por Modo de Disputa Fechado; Critério de Julgamento: Menor Preço “Total”; Abrangência da Licitação: Internacional
Vejam que esta licitação foi aberto a todas as empresas do Brasil e do mundo que, se vencedoras, deverão atender a todos os critérios que serão exigidos, mas, principalmente, o notório “Saber Fazer”.
— Itens importantes e cuidados ao licitar:
2.2. Será permitida a participação de sociedades organizadas sob a forma de Consórcio, observadas as orientações dispostas nos subitens a seguir.
Leiam com cuidado, a novidade boa aqui é a abertura total aos consórcios, mas os itens no edital merecem toda a atenção dos que pretendem participar no certame.
5. VERIFICAÇÃO DE EFETIVIDADE DA PROPOSTA E NEGOCIAÇÃO
c) Apresente preços inexequíveis, conforme disposto no item 5.2 deste Edital, e não tenham a sua exequibilidade demonstrada, após diligência da Comissão de Licitação;
Cuidado com este item, temos visto em várias licitações que, cada vez mais as empresas estão reduzindo os preços, pelos motivos mais variados, mas fiquem certos que a Petrobras está atenta a exequibilidade do vencedor, ainda mais em uma licitação deste porte.
15.1.1 – Os serviços serão medidos na data de verificação do cumprimento dos eventos constantes do Anexo II – Planilha de Preços Globais, conforme abaixo:
Os critérios estão justos, mas um erro poderá comprometer a sua economicidade.
CLÁUSULA DÉCIMA SÉTIMA – RESPONSABILIDADES DAS PARTES
17.2 – As partes se obrigam a indenizar os danos ambientais e os prejuízos sofridos por terceiros, em decorrência da execução deste contrato, da seguinte forma:
Cerquem-se, licitantes, dos melhores consultores. Destaquei um trecho, mas tenham muita cautela com todo o item 17. Solicitem apoio de quem entende dos temas, façam um bom plano de resposta aos riscos.
CLÁUSULA DÉCIMA-OITAVA – SEGUROS
18.1 – A CONTRATADA obriga-se a realizar, às suas expensas e em consonância com a legislação em vigor e com a Cláusula de Responsabilidade das Partes deste Contrato, a contratação dos seguros necessários ao cumprimento deste Contrato e destinados à cobertura de seu pessoal e de seus bens, mesmo quando transportados sob a responsabilidade da PETROBRAS, bem como de responsabilidade civil por danos causados a terceiros, sob pena do presente Contrato ser suspenso ou rescindido, a critério da PETROBRAS.
São poucas as empresas especializadas ou se especializando no Brasil. O que exatamente irão segurar? Dependerá da estratégia do próprio projeto de descomissionamento.
CLÁUSULA VIGÉSIMA QUINTA – MATRIZ DE RISCOS
25.1 – As Partes, tendo como premissa a obtenção do melhor custo contratual para ambas, mediante a alocação do risco à parte com maior capacidade para geri-lo e absorvê-lo, identificam os riscos decorrentes de fatos supervenientes à celebração deste Contrato e, sem prejuízo de outras previsões contratuais e decorrentes das obrigações assumidas, estabelecem os respectivos responsáveis na Matriz de Riscos constante do Anexo 4 – Matriz de Riscos, deste Contrato.
25.1.1 – É vedada a celebração de aditivos decorrentes de eventos supervenientes alocados, na Matriz de Riscos, como de responsabilidade da CONTRATADA.
Se a licitante não tiver certeza de cada disciplina que compõe um projeto de descomissionamento, cerque-se de quem entende. A Petrobras está sendo bem clara: não haverá aditivos….
ANEXO 1 A até D – ESPECIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS e ANEXO 3 – SMS
Trata-se de uma licitação na qual o licitante deverá possuir profissionais em todas as disciplinas de um projeto de descomissionamento. Vejam os riscos e o grau de entendimento que cada profissional deverá possuir. Não entender um ponto importante, poderá significar que falta de compreensão sobre o que será exigido.
Esta licitação incluirá serviços de desmontagem e desativação, os chamados EPRD (engenharia, preparação, remoção e disposição) de plataformas fixas. Tais serviços englobam engenharia de planejamento, preparação e condicionamento da planta com a limpeza, desinstalação e desmontagem dos equipamentos, bem como corte, remoção e transporte de estruturas metálicas, tratamento e descarte de resíduos, armazenamento e disposição final de materiais, licenças ambientais, exigências de SMS em geral, serviços de barge engineer, requisitos legais, tributários (REPETRO), especialistas em NORM etc.
Neste universo, estão todas as empresas de engenharia e de projetos, dos setores civil ou naval. Mas essas empresas terão de dominar outras disciplinas, como Custos / Mecânica / Elétrica / Instrumentação / Ambiental (NORM, a questão dos corais) e muitas outras.
Sobre a exigência de “tratamento de resíduos, armazenamento e disposição final de materiais”, o problema é enorme. A empresa e seu setor de engenharia de planejamento terá de entender também da Lei nº 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS); de legislações sobre resíduos de hidrocarbonetos, como por exemplo a Lei 9.966/2000 (prevenção, controle e fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo).
Além disso, será necessário cumprir com TNORM, CAT I e CAT II (rejeitos de bário e estrôncio contidos na exploração e produção de petróleo, caso haja), em consonância com a CNEM. E mais, os recursos de suporte em diques secos e flutuantes, deverão permitir a remoção da bioincrustação, atendendo a todas as exigências ambientais pertinentes ao tema.
Vejam que, analisando esta peça licitatória, eu elaborei uma EAP (estudo analítico de projeto) ou WBS, para quem prefere em inglês. Depois transferi para o Project (software de gerenciamento de projetos), com mais de 300 linhas e o resultado ainda é muito básico. Entender bem do PMBOK, ser PMP não basta, tem de entender do negócio profundamente, ter experiência em descomissionamento para não ter prejuízo nesta “nova” licitação e essa experiência não se adquire sem trabalhar muito com o tema.
Uma coisa é certa com relação ao custo: acredito que todas as estimativas dos entrantes no novo negócio serão erradas, mas não me refiro a erros na margem de 20% para lá ou para cá – isso sai na contingência -, mas de erros substanciais.
Pessoal, dissecar esta licitação, nos mínimos detalhes, seria facilmente um trabalho de 100 páginas. Procurei, aqui, oferecer algumas dicas.
A boa notícia é que já existem parcerias sendo montadas e consultor(es) experientes que podem ajudar. Espero ter sido útil e dúvidas (que não seja consultoria), podem me procurar.