Energia

Desafios para a regulação do acesso de terceiros a terminais de GNL

Direito de acesso de terceiros às infraestruturas de gás natural é essencial para tornar o mercado aberto, dinâmico e competitivo, escrevem Paulo Fernandes e Patricia de Azevedo

Desafios para a regulação do acesso de terceiros a terminais de GNL. Na imagem: Visão aérea de estruturas e embarcações atracadas em terminal de regaseificação de GNL do Pecém (Foto: Divulgação Petrobras)
Terminal de regaseificação de GNL do Pecém (Foto: Divulgação Petrobras)

O direito de acesso de terceiros às infraestruturas de gás natural é essencial para fazer com que o mercado se torne aberto, dinâmico e competitivo. Nesse sentido, a nova Lei do Gás (Lei n. 14.134/2021) estabelece tal direito por meio de regras que variam em função do tipo de infraestrutura.

No caso dos terminais de gás natural liquefeito (GNL), a referida lei estabelece que o acesso de terceiros deve ser não discriminatório e negociado, tendo sido definido que caberá a ANP a respectiva regulação.

Em atendimento ao que dispõe a lei, a ANP incluiu em sua agenda regulatória uma ação para a elaboração de uma regulamentação única para tratar do acesso de terceiros à gasodutos de escoamento, unidades de processamento de gás natural, instalações de estocagem e terminais de GNL. Está previsto que a consulta pública sobre a minuta do ato normativo seja iniciada em julho/2023.

Em face da relevância que este assunto tem para o setor, julgamos oportuno apresentar as especificidades que existem para se regular o acesso de terceiros aos terminais de GNL, com foco em aspectos técnicos, contratuais e tributários.

Detalhes técnicos e operacionais

Os projetos de terminais de GNL variam em função da sua finalidade. Como regra geral, terminais destinados a expedir GNL não estão habilitados a receber GNL e vice-versa. Tal situação ocorre porque as instalações requeridas para se fazer a expedição de GNL são diferentes daquelas para receber GNL.

Deve ser observado que existem terminais que fazem uso de embarcações especializadas conhecidas como FSRU — floating storage regasification unit, FSU — floating storage unit ou FLNG — floating liquefaction plants, conforme o caso, ao invés de ter instalações em terra para armazenar e regaseificar GNL ou liquefazer gás natural. Tais tipos de terminais são denominados terminais não convencionais.

O uso de terminais não convencionais para regaseificação de GNL tem crescido acentuadamente em todo o mundo, inclusive no Brasil, em função do menor custo de capital e prazo para implantação.

Por outro lado, o uso de terminais não convencionais para liquefação de gás natural (FLNG — floating liquefaction plants) ainda é bastante incipiente, havendo somente 4 unidades em operação em todo o mundo.

Todas estas diferenças tecnológicas geram especificidades na oferta de capacidade dos terminais e sua dinâmica de operações, afetando assim a regulação a ser elaborada.

Nesse sentido, é conveniente conhecer algumas especificidades relativas aos terminais não convencionais que fazem uso de FSRU, que é hoje o tipo mais comum de terminal no Brasil.

Em primeiro lugar deve ser destacado que a maior parte dos projetos de terminais que fazem uso de FSRU são concebidos economicamente para aproveitar ao máximo a capacidade de armazenamento e regaseificação do FSRU em relação a demanda contratada de GNL regaseificado.

A presença de ociosidade elevada poderia inviabilizar o empreendimento. Tal aproveitamento é obtido por meio da celebração prévia de contratos de longo prazo para compra de GNL e de contratos de venda de GNL regaseificado.

Em diversos casos, os terminais de GNL estão integrados a usinas termelétricas, cujas regras de despacho elétrico podem exigir pronta disponibilidade de GNL regaseificado.

Sendo assim, de forma a não prejudicar os titulares destes terminais, é necessário que a regulação do acesso de terceiros respeite os contratos que viabilizaram o empreendimento.

Cobrimos por aqui: 

Armazenamento e segregação de cargas

Outro aspecto operacional relevante sobre o tema diz respeito à capacidade de armazenamento do FSRU. A maior parte da frota mundial de navios FSRU tem capacidade volumétrica entre 135.000 e 174.000 m³. Tipicamente os lotes de carga de GNL comercializados no mercado tem volume entre 150.000 e 170.000 m³.

Portanto, caso a demanda contratada de GNL regaseificado seja pequena, pode ocorrer que o estoque de GNL a bordo seja grande por longo período, o que faz com que a oferta de capacidade disponível a terceiros seja reduzida.

Nesta hipótese, as alternativas para o terceiro interessado são a compra de carga em lote menor, o que não é comum no mercado, ou, fazer com que o navio importador faça sucessivas descargas parciais, até que todo o lote de carga de GNL comprado seja descarregado. Ambas as alternativas, a depender das condições podem ser comercialmente inviáveis ou de elevado custo.

Também se observa que em um FSRU há limitações para a segregação de cargas de diferentes carregadores, em razão da necessidade de controle de estabilidade e esforços estruturais da embarcação e de restrições à mistura de cargas de diferentes densidades, de modo a evitar a ocorrência de acidentes (roll-over).

Lacunas fiscais

A forma contratual para acesso de terceiros aos terminais em infraestruturas compartilhadas pode ser relevante para definir a tributação aplicável na operação.

O propósito do livre acesso é permitir o uso compartilhado da infraestrutura, sem que necessariamente exista uma operação comercial transferindo a propriedade do gás natural e seus derivados e/ou uma prestação de serviços entre a parte.

No entanto, para evitar discussão com o fisco, seria necessário ajustar a legislação dos tributos aplicáveis, em especial do ICMS e do ICMS.

Ainda na dimensão tributária e aduaneira, há pontos que afetam o compartilhamento de terminais que fazem uso de FSRU que ainda não foram abordados pela legislação e regulamentação fiscal, como por exemplo:

  • (i) o prazo previsto para desembaraço aduaneiro da carga, que pode impactar os casos nos quais o importador não seja o titular do terminal;
  • e (ii) incidência tributária na operação de regaseificação do GNL, se ICMS (por se considerar industrialização por encomenda) ou ISS (por se considerar beneficiamento).

Sendo assim, é importante observar que a regulação do acesso de terceiros a terminais de GNL considere a existência das referidas lacunas fiscais.

A regulação do acesso de terceiros a terminais de GNL é de capital importância para o sucesso do Novo Mercado de Gás.

Todavia, a elaboração de tal regulação deve: considerar as especificidades técnicas e operacionais afetas a cada tipo de instalação; respeitar os contratos de longo prazo de compra de GNL e de venda de GNL regaseificado que viabilizaram a construção do terminal; e estar em sintonia com a regulação fiscal vigente relativa ao GNL e sua regaseificação.

Paulo Campos Fernandes é advogado do Kincaid Mendes Vianna Advogados, com prática e experiência nas áreas de logística, e comercialização de petróleo, produtos e gás natural.

Patricia de Albuquerque de Azevedo é advogada do Kincaid Mendes Vianna Advogados, com prática e experiência em Direito Tributário envolvendo atividades de consultoria, em especial para clientes das indústrias de petróleo e gás e naval.