Energia

Desafios para a comercialização de petróleo e GNL com carbono neutro

Apesar dos desafios para sua implantação, a comercialização de petróleo e GNL com carbono neutro representa uma vantagem competitiva para as empresas, escrevem Camila Mendes Vianna e Paulo Campos Fernandes

Desafios para a comercialização de petróleo e GNL com carbono neutro. Na imagem: Navio para transporte de GLP (Foto: Mohamed Aly/Pixabay)
Observa-se cada vez mais no mercado de O&G a comercialização de cargas de óleo ou GNL com carbono neutro (Foto: Mohamed Aly/Pixabay)

As principais empresas do setor de óleo e gás (O&G) de todo o mundo, incluindo diversas brasileiras, estão engajadas em reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) para a atmosfera originadas em suas respectivas cadeias de valor, processo esse conhecido como descarbonização.

A quantidade de emissões de GEE varia em função do tipo de petróleo, de derivado ou de gás natural, liquefeito ou não. Também há diferença relevante em relação a etapa do processo produtivo (produção, queima no flare, refino, transporte etc.).

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), em sua publicação The Oil and Gas Industry in Energy Transitions, de 2020, apenas de 20% a 30% das emissões de GEE do setor de óleo e gás tem origem no Escopo 1 (emissões diretas de GEE originadas de fontes que são de propriedade ou controladas pela empresa) e Escopo 2 (emissões indiretas resultado da geração de energia elétrica adquirida pela empresa).

Sendo assim, para conquistar resultados expressivos em seus programas de descarbonização, as empresas do setor precisam tratar também as emissões de GEE relativas ao Escopo 3 (outras emissões indiretas, incluindo as resultantes de consumo do produto).

A referida publicação informa que algumas empresas do setor abraçaram o desafio de incluir em seus programas de descarbonização a redução gradual das emissões de GEE do Escopo 3, de modo a fazer que em 2050 haja até 100% de redução.

Óleo e GNL carbono neutro ganham espaço

Neste contexto, observa-se cada vez mais no mercado de O&G a comercialização de cargas de petróleo ou gás natural liquefeito (GNL) com carbono neutro.

Tais produtos são caracterizados por ter sua intensidade de carbono neutralizadas por meio dos esforços dos seus produtores em reduzirem as emissões de GEE para os Escopos 1 e 2 de seus processos produtivos. E também pela compensação do saldo das emissões de GEE por meio de créditos de carbonos adquiridos no  mercado.

O preço de venda do petróleo e do GNL com carbono neutro tem um prêmio em relação aos seus concorrentes por conta dos custos da descarbonização e também pelo valor que o mercado atribui a esse tipo de produto.

Como exemplo, podemos citar as seguintes transações:

  • (i) uma petroleira americana vendeu, em março/2022, cargas de petróleo com carbono neutro, com volumes de até 200 mil barris, por ano, durante 5 anos, para um refinador na Coréia do Sul;
  • (ii) uma petroleira americana vendeu, em janeiro/2021, uma carga de 2 milhões de barris para um refinador na Índia
  • (iii) uma petroleira colombiana vendeu, em outubro/2022, uma carga de petróleo com carbono neutro, com volume de 500 mil barris para um refinador americano;
  • (iv) diversas cargas de GNL com carbono neutro foram vendidas para compradores do extremo oriente, cujo volume total corresponde a aproximadamente 1% do volume comercializado no mercado global de GNL entre 2019 e 2022.

Certificação e procedência dos créditos de carbono

A venda de petróleo e GNL com carbono neutro requer que a empresa vendedora adquira grandes quantidades de créditos de carbono para compensar as suas emissões de GEE.

Nesse sentido, se destaca que, segundo o artigo Credibility Gap for Carbon-Neutral LNG, publicado pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (Center for Strategic and International Studies – CSIS) em 2022, é necessário o plantio de 240.000 árvores para compensar as emissões de GEE relativas a um volume típico de GNL que é comercializado no mercado.

Ainda sobre a compensação do carbono, é importante considerar a fonte e procedência desses créditos. Algumas empresas têm preferências por créditos originados de reflorestamento ou de redução de emissões provenientes do desmatamento e degradação florestal, assim como à conservação, manejo florestal sustentável e ao aumento de estoques de carbono nas florestas (REDD+).

A estruturação de um produto que tenha carbono neutro requer a certificação de todo o processo. Ocorre que não há regulação que uniformize a metodologia de apuração das emissões de GEE e nem dos mecanismos de redução.

Este aspecto alcança tanto o programa de descarbonização das empresas produtoras como também os créditos de carbono adquiridos para fazer a compensação. Sendo assim, há necessidade de se eleger empresas certificadoras que gozem de reputação no mercado.

Cobrimos por aqui: 

Segurança jurídica

Os aspectos citados nos parágrafos anteriores precisam ser adequadamente endereçados nos contratos de compra e venda de produtos com carbono neutro, de forma a trazer segurança jurídica ao comprador e ao vendedor quanto às especificidades do produto. Sendo assim, o contrato é um elemento chave no sucesso da comercialização de produtos neutros em carbono.

Em resumo, o contrato deverá abordar, entre outros, os seguintes aspectos: verificação e certificação do processo de medição da pegada de carbono do vendedor da carga; verificação e certificação do balanço de emissões de GEE do produto comercializado; requisitos de qualificação da certificadora de emissões da empresa vendedora; requisitos para os crédito de carbono usados na compensação e seu registro; e definição do sistema de consequências para o descumprimento das obrigações relativas ao carbono neutro.

A legislação de alguns países, como por exemplo a dos Estados Unidos, aplica penalidades caso produtos comercializados como “verdes” não possuam de fato esta característica. Por essa razão é recomendável que as partes envolvidas na comercialização de petróleo ou GNL com carbono neutro tomem todos os cuidados para evitar tal tipo de questionamento.

Apesar dos desafios para sua implantação, a comercialização de petróleo e GNL com carbono neutro representa uma vantagem competitiva para as empresas em razão de possibilitar o acesso a mercados prêmio, fidelização de cliente e acesso com condições mais favoráveis a recursos financeiros para financiamento de suas atividades operacionais e investimentos.

Para aprofundar:

Camila Mendes Vianna Cardoso é sócia do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados.

Paulo Campos Fernandes é advogado do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados