A Lei nº 8.213/91 prevê que empresas com pelo menos cem empregados observem uma cota mínima destinada à contratação de empregados considerados pessoa com deficiência (PCD) ou que sejam reabilitados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Essa cota pode variar de 2% a 5% de acordo com o número geral do quadro funcional de cada empresa.
Não se duvida que a referida legislação tenha trazido um novo horizonte a toda coletividade, já que despertou o debate social sobre tema de tamanha relevância e, com o passar dos anos, promoveu maior inclusão dessa população.
Assim, não obstante tratar-se de um importante respaldo legal à coletividade de pessoas com deficiência, ampliando a possibilidade de acesso ao mercado de trabalho em geral, é fato que a obrigação de cumprimento da referida cota também trouxe consigo inúmeros desafios e, por vezes, verdadeira incompatibilidade de execução prática da finalidade legal.
Tanto por limitações físicas, que impedem a conciliação entre a capacidade individual e determinadas funções, quanto pela ausência de qualificação específica — realidade presente em todos os segmentos da população, diga-se de passagem — para a ocupação de certo cargo.
Um bom exemplo pode ser verificado no setor de petróleo e gás, principalmente diante da especificidade das atividades e dos locais de trabalho, muitas vezes afastados de cidades próximas ou a mais de cem quilômetros do continente, o que reforça a necessidade de trabalho em regime de confinamento, com dificuldades relacionadas à questão do deslocamento.
Não é por acaso que a jurisprudência trabalhista brasileira vem se transformando com o objetivo de construir interpretação razoável da norma, permitindo certa flexibilização conforme a atividade empresarial desenvolvida, levando em consideração as nuances dos negócios em cada setor e a comprovada dificuldade da empresa em cumprir a cota.
Para exemplificar
Em um caso recente envolvendo uma empresa de montagem industrial em refinarias (Processo º 0001636-46.2015.5.09.0245), a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT/PR) e mantida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) aponta diretrizes que podem guiar empresas diligentes diante de um cenário de dificuldades no atendimento das exigências legais e mitigar potencias sanções.
Embora tenha entendido que, no caso concreto, a dificuldade de contratação de profissionais com deficiência capazes de suprir as cotas legais não estava devidamente justificada e, assim, mantida a aplicação da multa administrativa por descumprimento das cotas legais.
A empresa vinha defendendo que as atividades desempenhadas por seus trabalhadores, por serem de risco, comportariam maior flexibilização da cota legal de pessoas com deficiência.
O TST contudo, entendeu que a montadora não demonstrou constância em suas tentativas de contratação desses profissionais, limitando-se a fazer um único convênio técnico com uma universidade, contatos com as agências de contratação, além de alguns anúncios em jornais.
A decisão pontuou que, ainda que as posições de empregados alocados nas refinarias fossem desconsideradas para fins de cálculo das cotas dedicadas a pessoas com deficiência, a empresa não seria capaz de cumprir com sua cota.
A negativa do TRT do Paraná se baseou, portanto, na incapacidade da empresa em demonstrar que buscou, de forma efetiva, cumprir com a cota legal.
A decisão em questão, embora desfavorável, demonstra um caminho para as demais empresas com dificuldades no cumprimento da cota e traz itens que podem ser considerados pelas autoridades para mitigar ou afastar penalidades em caso de não atingimento da cota como, por exemplo:
- (i) a ampliação (o máximo possível) dos meios de divulgação de vagas destinadas a pessoas com deficiência, mediante comunicação em redes sociais que permitam o efetivo alcance e acesso das notícias por tais profissionais; e
- (ii) a assinatura de convênios com entidades (e.g., associações, ONGs etc) que permitam a conexão de pessoas com deficiência às oportunidades de trabalho divulgadas.
O registro de todas essas iniciativas é igualmente fundamental, com a comprovação documental de dificuldades concretas enfrentadas pela empresa no processo de acesso e recrutamento desses profissionais.
A fiscalização quanto a este aspecto é constante e, portanto, todo o acervo existente pode ser útil nas discussões junto aos órgãos fiscalizadores.
Outro caso, em sentido oposto
Exemplo em sentido oposto, que demonstra o sucesso na administração do tema, pode ser visto em um processo em trâmite no TRT de Minas Gerais (processo nº 0010313-08.2019.5.03.0111), no qual uma empresa do ramo de conservação e limpeza teve sucesso ao reverter autuações sofridas em razão do não cumprimento da cota.
No referido caso, a empresa apresentou uma série de documentos que comprovaram a ostensiva divulgação de vagas destinadas a pessoas com deficiência por meio de e-mails, ofícios a órgãos da prefeitura de Belo Horizonte e, ainda, por anúncios publicados em jornais de grande circulação.
A empresa também demonstrou fazer parte de doze convênios com órgãos diversos visando ampliar as chances de contratação de trabalhadores reabilitados ou com deficiência.
Ao julgar o caso, o TRT/MG concordou com a posição e argumentos trazidos pela empresa, concluindo que havia documentação apta a demonstrar as diversas tentativas efetivadas para a contratação de pessoas com deficiência, existindo, portanto, justificativa válida e razoável para a ausência de cumprimento da cota legal, anulando as multas administrativas aplicadas.
Ou seja, a despeito de não haver liberado a empresa do cumprimento legal da cota, entendeu por bem aliviá-la com o cancelamento das multas, dada a evidente demonstração de esforços para dar cumprimento à obrigação.
Dúvida não há, portanto, que os desafios para dar cumprimento à cota de pessoas com deficiência seguirão existindo com o nobre intuito de permitir maior inclusão social da pessoa com deficiência.
Por outro lado, a jurisprudência tem compreendido melhor as dificuldades relacionadas ao tema e, pautada pelo princípio da razoabilidade, isentado de punição as empresas que, verdadeiramente, demonstrem esforços para incorporar em sua cultura empresarial a busca por maior diversidade, inclusão e acesso para o profissional com deficiência.
Felipe Boechem é sócio de O&G, Paulo Peressin é counsel de Trabalhista e Giulia Caruso e João Pedro Gazzi são advogados de Trabalhista do escritório Lefosse.