Decreto de Bolsonaro jogou licenciamento em terras indígenas no limbo e impacta Linhão de Tucuruí

Decisão da Justiça determinou que área da terra indígena Waimiri-Atroari não pode receber empreendimentos sem autorização prévia da população local

Terra indígena Waimiri-Atroari / Foto: EBC
Terra indígena Waimiri-Atroari / Foto: EBC

Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha afirmado na noite desta quarta-feira, 27, que irá enquadrar a construção do Linhão de Tucuruí como obra de interesse nacional para acelerar os trâmites burocráticos envolvendo o licenciamento do empreendimento, a dúvida permanece na administração federal quanto ao órgão responsável por executar o licenciamento ambiental dentro das terras indígenas da população Waimiri-Atroari.

O trecho representa cerca de 1/3 dos 750 quilômetros que separam Manaus de Boa Vista e é considerado a parte mais complexa do empreendimento graças à resistência da população indígena em permitir a obra.

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Em janeiro o presidente Bolsonaro transferiu por decreto à nova Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura a responsabilidade por “formular, coordenar e supervisionar as ações e diretrizes sobre (…) licenciamento ambiental em terras quilombolas e indígenas”. Na prática, o decreto 9667 de 2 de janeiro zerou a autonomia da Funai, antiga responsável por estudos de impacto ambiental em terras indígenas.

Na última terça-feira, dia 26, o presidente da Funai reuniu o corpo de diretores do órgão para tratar das novas prerrogativas. A proposta levantada internamente é de sugerir à pasta da Agricultura “uma possível coordenação” para fazer a articulação entre a Funai e o ministério no que diz respeito às atribuições retiradas do órgão indigenista.

Mas fontes da Funai e do Ministério da Agricultura procuradas pelo Político afirmaram que ainda não há articulação ou mesmo troca de informações sobre o tema do licenciamento em terras indígenas.

Procurados formalmente por email, o Ministério da Agricultura e a Funai não responderam à reportagem da epbr até o fechamento desta matéria.

O processo de licenciamento do linhão remete a uma obra polêmica realizada durante a Ditadura Militar, a  construção da BR-174 no trecho que liga Boa Vista a Manaus. Habitando uma área localizada no traçado da rodovia, a população da terra indígena Waimiri-Atroari foi fortemente impactada pelas obras. De acordo com a Comissão Nacional da Verdade, a população Waimiri-Atroari na terra indígena foi reduzida de cerca de 3000 indivíduos na década de 70, para 332 pessoas na década de 80.

Iniciada no começo da década de 1970, a BR-174 só foi inaugurada em seu último trecho em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O plano para as obras do linhão de Tucuruí pretende aproveitar o traçado da estrada, percorrida quase em linha reta entre Manaus e Boa Vista. O objetivo seria o de facilitar a concessão de licenças ambientais.

O Linhão de Tucuruí é como vem sendo chamado a linha de transmissão Manaus – Boa Vista, extensão da Tucuruí – Manaus, que interligou o Amazonas ao Sistema Interligado Nacional (SIN). A linha Manaus – Boa Vista foi contratada pelo consórcio Transnorte (Eletronorte/Alupar), em 2011.

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Justiça Federal determinou que empreendimentos de grande impacto não podem ser realizados sem consentimento prévio dos Waimiri-Atroari
Na noite de ontem o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o governo pretende classificar a construção do linhão como “obra de interesse nacional”. A classificação visa reduzir entraves burocráticos ao empreendimento, entre eles dificuldades com o processo de licenciamento ambiental. Mas a decisão do governo corre risco de ser judicializada.

Em 2017 o Ministério Público Federal moveu ação na Justiça Federal do Amazonas pedindo uma indenização de R$ 50 milhões à população Waimiri-Atroari por violações cometidas durante as obras da BR-174.

No ano passado, a Justiça Federal do Amazonas reconheceu as violações praticadas e determinou que empreendimentos com potencial para causar grande impacto na terra indígena não podem ser realizados sem consentimento prévio da população Waimiri-Atroari. 

O impasse acerca da construção do Linhão de Tucuruí já dura desde 2011. No ano passado, a então presidente do Ibama, Suely Araújo, considerou a possibilidade de fracionar o licenciamento ambiental para a obra. A sugestão permitiria acelerar os processos de licenciamento dos dois trechos que ficam fora da terra indígena Waimiri-Atroari enquanto a licença dentro do território indígena era negociada.

Consultado sobre a proposta, o Ministério Público Federal no Amazonas recomendou à Funai e ao Ibama que se abstenham de promover qualquer espécie de fracionamento no processo de licenciamento ambiental referente à linha de transmissão sem o consentimento do povo indígena Waimiri-Atroari. O MPF afirma que o fracionamento da licença e da obra e a ausência de consulta prévia à população indígena podem configurar ato de improbidade administrativa, sendo passíveis de ação judicial.