Crédito de carbono florestal pode ser saída para o Brasil parar de queimar dinheiro

Governo está criando o programa Floresta+ Carbono para tentar tirar do papel a aquisição voluntária de créditos de carbono

Brigadista combate chamas em Rio Branco, no Acre. Foto por Sérgio Vale, agência Amazônia Real, agosto de 2020
Brigadista combate chamas em Rio Branco, no Acre. Foto por Sérgio Vale, agência Amazônia Real, agosto de 2020

O Ministério do Meio Ambiente definiu na virada do mês as diretrizes para criação de um mercado privado e voluntário de créditos de carbono no Brasil, em uma tentativa de viabilizar negócios baseados nos pagamentos por serviços ambientais, os PSA. O projeto foi batizado de Floresta+ Carbono, uma aposta no mercado livre de carbono.

“O objetivo do Floresta+, especialmente no que diz respeito ao carbono, é criar uma nova economia verde, gerando empregos na área de conservação”, afirmou Joaquim Álvaro Leite, secretário da Amazônia e serviços Ambientais do ministério, área que coordena o programa, durante evento do BNDES, nesta quinta (22).

O secretário acredita que será possível, por meio da iniciativa privada, até mesmo exportar créditos de carbono de floresta nativa preservada no Brasil, com engajamento das cadeias de produção de setores como o agronegócio, infraestrutura e mineração.

Assim, seria possível dar escala a esse mercado de carbono brasileiro, transformando a preservação ambiental em um negócio lucrativo.

“A gente tem que parar de queimar dinheiro, porque é literalmente isso que está acontecendo”, resumiu o biólogo Fábio Olmos, diretor para a América Latina da Permian Global, firma de investimentos dedicada à preservação das florestas, durante o debate do BNDES. Ele afirma que o Brasil desperdiça tempo ao não monetizar suas reservas ambientais, enquanto as queimadas destroem áreas que deveriam ser encaradas como ativos econômicos.

Segundo Olmos, o mercado de PSA está se tronando rapidamente atraente e, em alguns lugares, os ganhos econômicos com a preservação para os proprietários privados de terras é superior aos que eles teriam ao derrubar a vegetação.

O governo acredita que o mecanismo terá impacto em diversos biomas. No Pantanal, poderá ser uma alternativa para o financiamento de corredores ecológicos e na Mata Atlântica, por meio da recuperação da cobertura vegetal. Em áreas pobres do Cerrado e Caatinga, a expectativa é a redução no uso da lenha nativa como fonte de energia.

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Mercado regulado movimentou US$ 50 bi em 2019

Em 2019, o pagamento por serviços ambientais movimentou US$ 50 bilhões em projetos que envolvem alguma forma de controle e aquisição compulsória de créditos reguladas por governos.

Já os mercados voluntários, que não envolvem a intermediação estatal e nos quais as empresas fazem aquisições voluntárias para aplacar ou zerar suas emissões de carbono, duplicaram em volume de recursos entre 2017 e 2018, alcançando cerca de US$ 300 milhões

Joaquim Leite destacou que Brasil está em uma posição privilegiada para atrair esses recursos no mercado interno e internacional. Segundo o secretário, nenhum outro país tem 190 milhões de hectares remanescentes de floresta nativa nas mãos de proprietários rurais, que podem ser remunerados para preservar essas áreas.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o potencial de atração de capital para o programa seria gigantesco. O Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa prevê contribuições para a recuperação de cobertura vegetal em ao menos 12 milhões de hectares nos próximos dez anos.

Meio Ambiente quer banco de projetos

Agora, a pasta trabalha para criar um banco de projetos de PSA e, em diálogo com o IBGE, espera garantir até o próximo mês a criação de uma subclasse de atividade econômica focada na preservação ambiental, etapa necessária para viabilizar a emissão de nota fiscal para a atividade de conservação ambiental, o que hoje é impossível.

O Floresta+ Carbono prevê o cadastramento de certificadoras independentes que validem os projetos e auditam os créditos de carbono a serem recebidos pelas iniciativas dos beneficiários.

Para que o mecanismo tenha credibilidade, organizações internacionais reconhecidas serão as centrais de custódia, que vão oferecer os serviços de transações dos créditos de carbono e rastreamento desses ativos, garantindo a segurança dos compradores.

O programa prevê a retenção de parte dos créditos transacionados, om a criação da Conta de Reserva Obrigatória, uma espécie de depósito obrigatório que funcionará como seguro à integridade do mercado.

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Lá fora, Bolsonaro defende floresta em pé

O governo vem sendo duramente criticado no Brasil e no exterior pela incapacidade de conter crimes ambientais e mitigar o efeito das queimadas, como ocorreu no Pantanal.

Com dívidas de R$ 19 milhões (US$ 3,4 milhões no câmbio vigente), o Ibama é incapaz de pagar pelo serviço de brigadistas e suspendeu os combates às queimadas em todo o país.

Neste contexto, o Floresta+ Carbono é saudado por ambientalistas e tem nas empresas estrangeiras a peça-chave da estratégia de criação de um mercado privado de créditos. É uma alternativa para superar os entraves nas negociações governamentais.

Atualmente, países desenvolvidos relutam em permitir a inclusão de créditos da preservação da floresta em pé – e não apenas por projetos de reflorestamento – na negociação de uma proposta de mercado internacional e regulado de carbono.

Em setembro, na véspera do lançamento do Floresta+ Carbono, Bolsonaro usou a proposta como vitrine durante um pronunciamento feito virtualmente na Organização das Nações Unidas, para afirmar que o Brasil tem como prioridade a exploração racional e sustentável de seus recursos naturais.

Em um vídeo enviado à Cúpula da Biodiversidade da ONU, Bolsonaro defendeu a criação de um mercado internacional de carbono e de serviços ambientais, que permita pagamentos a agentes que desenvolvam projetos de preservação e uso sustentável dos ecossistemas.

“Uma iniciativa desse tipo em âmbito internacional seria capaz de gerar impactos ainda mais positivos para o meio ambiente”, disse.

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Por aqui, é porta-voz da expansão das fronteiras da produção agropecuária, defende a exploração de terras indígenas e o garimpo. Diversas vezes, criticou o trabalho do Ibama e do ICMBio de combate aos crimes ambientais e chegou a “anunciar” mais de uma vez o veto à destruição de equipamentos utilizados na destruição e mineração em áreas protegidas, uma medida prevista em lei.

No mesmo pronunciamento à ONU, Bolsonaro voltou a afirmar que o Brasil preserva “66% de nossa vegetação nativa”, “usando apenas 27% do nosso território para a pecuária e a agricultura – números que nenhum outro país possui”, discurso do Itamaraty para “desmentir” as críticas à política ambiental.

O problema é que no primeiro ano de governo Bolsonaro, o Brasil representou mais de um terço de toda a perda de florestas tropical e o próprio percentual desconsidera áreas legalmente protegidas, mas onde há exploração de recursos naturais – desde 2019, o Observatório do Clima vem conferindo o que é fato e o que é propaganda no discursos externo do governo.

O mundo debate há décadas quais devem ser os modelos do mercado global de créditos para descarbonização. Um passo foi o Protocolo de Kyoto, que criou em 1997 o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), mas que não se materializou.

Mudança da aposta brasileira sobre mercado de carbono

Apenas neste ano o Ministério do Meio Ambiente alterou esse posicionamento histórico, passando a reconhecer a contribuição do mercado voluntário de carbono florestal para a redução de emissões por desmatamento e degradação de florestas nativas.

Na década de 1990, o governo brasileiro era contra a inclusão da conservação de florestas nativas nesse tipo de mecanismo de compensação, por acreditar justamente que a liberdade para a exploração de seus recursos naturais não deveria ser cerceada – era uma questão de soberania nacional.

Nova tentativa para criar um mercado global está sendo feita com o Acordo de Paris, de 2015, por meio do qual também são negociados termos para para comercialização internacional de créditos.

Antes, foi feita a regulamentação de pagamentos a países em desenvolvimento, que estejam implementando políticas de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, o REDD+, firmado na COP-19, em 2013, com o Marco de Varsóvia.

De lá pra cá o mecanismo é criticado, sobretudo por países em desenvolvimento, por nunca ter sido implantado de fato. Foi esse dinheiro que o ministro do Meio Ambiente brasileiro, Ricardo Salles, foi buscar na COP-25, ano passado, em Madri.

Cobrou dos países desenvolvidos o valor de “US$ 100 bilhões por ano” previstos para pagamentos pelo Fundo Verde para o Clima (GFC), a partir de 2020, que seria o mecanismo de pagamento aos países em desenvolvimento com resultados certificados pelas regras do REDD+.

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