Agendas da COP

COP28: a solução para a descarbonização está no tratamento do lixo

A utilização do gás verde no transporte rodoviário é capaz de reduzir até 96% das emissões de carbono, avalia Maurício Carvalho

COP28: a chave para a descarbonização está no tratamento do lixo e na produção de biometano. Na imagem: Ônibus 100% a biometano testado em Londrina (PR), conectado à bomba em posto de abastecimento de GNV e biometano (Foto: Cortesia Compagas)
Ônibus 100% a biometano testado em Londrina (PR), conectado à bomba em posto de abastecimento de GNV e biometano (Foto: Cortesia Compagas)

Em sua participação na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, o Brasil se destaca como um dos principais produtores de energia limpa e renovável.

Apesar da necessidade urgente de redução e controle do desmatamento, o país deve avançar no tema da descarbonização de setores cruciais, como indústria e transporte, para demonstrar sua contribuição na construção de um mundo mais sustentável ambientalmente.

Nesse contexto, o biometano, também conhecido como “gás verde”, proveniente da purificação do biogás gerado a partir da decomposição de resíduos sólidos urbanos e do agronegócio, desponta como solução por ser um produto 100% renovável e que, de forma eficaz, substitui os combustíveis fósseis.

A Associação Brasileira do Biogás (ABiogás) estima que o Brasil poderá alcançar uma produção diária de cerca de 6 milhões de m3 por dia até 2030, distribuídos em 86 plantas de produção.

No entanto, é alarmante observar que apenas 63% dos municípios brasileiros dispõem adequadamente os seus resíduos em aterros sanitários, o que resulta em um descarte inadequado de aproximadamente 30 milhões de toneladas de lixo anualmente, de acordo com o mais recente Diagnóstico da Política Nacional de Resíduos Sólidos, divulgado pela Conferência Nacional dos Municípios (CNM).

Os números confirmam o diagnóstico do Governo Federal e reforçam como o biometano deve, mais uma vez, ser uma solução protagonista na COP28 para redução de emissões de metano, pois já está sendo utilizado de forma bem-sucedida no processo produtivo de grandes indústrias e, também, no abastecimento de veículos leves e pesados, em substituição a todo tipo de combustível poluente, como diesel, GLP, óleo combustível, gás natural e gasolina.

Sendo assim, o biometano é um forte aliado na redução de emissões de gases do efeito estufa dos escopos 1 e 3, pois pode também ser usado no abastecimento de frotas terceirizadas de empresas e no transporte rodoviário em geral.

Os mercados mais avançados em termos de tecnologia e industrialização há algum tempo já indicam que o caminho para a transição energética é adotar o “gás verde” gerado a partir dos resíduos.

A Europa está superando as metas de produção e batendo recordes, com mais de 1.300 plantas produtoras de biometano em 2023, um aumento de 30% em comparação a 2021, conforme indicado pelo Mapa do Biometano, publicado em colaboração pela Associação Europeia de Biogás (EBA) e pela Infraestrutura de Gás Europeia (GIE), que registrou a instalação de mais de 300 novas unidades somente este ano.

A razão pela qual o biometano é amplamente considerado a principal solução para a descarbonização se torna cada vez mais evidente na prática. Um recente estudo espanhol do Instituto de Investigación Tecnológica da Universidad Pontificia Comillas revelou que Portugal e Espanha conseguiram reduzir 500 mil toneladas de emissões de dióxido de carbono em 2022, graças à adoção de biometano no transporte rodoviário.

A utilização do gás verde no transporte rodoviário é capaz de reduzir até 96% das emissões de carbono. Como exemplo, um único caminhão que percorre, em média, 14.500 km por mês pode evitar a emissão de 231 toneladas de CO2 equivalente por ano ao mudar do combustível fóssil para o biometano, o que equivale a plantar 133 árvores.

Além disso, ao produzir e adotar o biocombustível, evita-se duas vezes a emissão de gases poluentes. Primeiro porque o biometano é produzido a partir do metano gerado pela decomposição dos resíduos, evitando que chegue à atmosfera.

Em seguida, ao disponibilizar para empresas uma solução renovável que substitui em definitivo os combustíveis fósseis, evita-se novas emissões, em um ciclo virtuoso de proteção do meio ambiente.

Embora o Brasil já seja líder na produção do biocombustível na América Latina, há margem para muitos avanços, como o aumento do tratamento correto de resíduos urbanos.

Para melhorar a gestão de resíduos no Brasil, é fundamental investir em infraestrutura eficiente de coleta seletiva e na implementação de tecnologias avançadas de tratamento de resíduos, além de incentivar o investimento privado em projetos de soluções ambientais.

Esses esforços devem envolver o governo, a indústria, a sociedade civil e a população em geral. A má gestão de resíduos não representa apenas uma ameaça ao meio ambiente, à saúde da população e à biodiversidade das regiões, mas também é o principal obstáculo para que o Brasil assuma um papel de liderança na transição energética global.

Além disso, vale lembrar que o Brasil tem uma vocação natural para a produção do biocombustível, dado o tamanho e a relevância do agronegócio no país, cujos rejeitos servem de matéria-prima para a produção do biometano.

Se todo o potencial do Brasil for aproveitado para produção do biometano, será capaz de suprir 70% da demanda de diesel do país, trocando um combustível fóssil importado por uma solução ambiental produzida em território nacional.

É importante lembrar dos objetivos centrais da COP28, que é demonstrar o avanço no compromisso dos países em reduzir as emissões de metano em 30% até 2030 em relação aos níveis de 2020, e limitar o aumento da temperatura global média anual a 1,5ºC. Para atingir essas metas, é preciso incentivar o investimento em soluções renováveis para suprir a crescente demanda de energia limpa.

O potencial do Brasil o coloca como protagonista da transição energética global. E o biometano é revolucionário como a principal solução para a descarbonização.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.

Maurício Carvalho é sócio fundador do Grupo Urca Energia.