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Diálogos da Transição
eixos.com.br | 22/02/22
Editada por Nayara Machado
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A tendência de eventos climáticos extremos como o que aconteceu em Petrópolis na última terça (15/2) vem sendo observada em vários lugares do mundo e deve ficar cada vez mais frequente — só no Brasil, tivemos situações semelhantes em São Paulo, no início do ano, e no sul da Bahia, no final do ano passado.
O alerta não é novo — em agosto do ano passado, o relatório mais recente do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) mostrou que o aquecimento médio de 1°C fez com que as inundações aumentassem 30%.
Episódios de chuvas extremas já estão correndo com volume de água 6,7% maior, podendo chegar a 30,2% no pior dos cenários.
Os cientistas do IPCC agora trabalham na segunda parte do relatório, com foco em adaptação, cuja publicação está prevista para 28 de fevereiro.
O documento deve trazer indicações do que o mundo precisa fazer para se adaptar a chuvas intensas e inundações, ou secas prolongadas e incêndios, por exemplo.
A grande questão é se os líderes globais estão dispostos a agir para solucionar o problema.
“Na COP26 não chegamos a um bom resultado com relação a esse olhar para racismo ambiental. Não conseguimos destravar o fundo de perdas e danos para apoiar países mais vulneráveis na recuperação dos prejuízos que as mudanças climáticas estão gerando”, comenta JP Amaral, coordenador do programa Criança e Natureza no Instituto Alana.
A conferência climática de Glasgow em novembro do ano passado ficou marcada pelas promessas dos países para evitar mudanças catastróficas, mas falhou em conseguir levantar os recursos necessários para perdas e danos — uma demanda que se arrasta após anos de negociações.
Países ricos prometeram, em 2009, mobilizar US$ 100 bilhões anuais para os países pobres. A promessa não cumprida foi adiada para 2023.
A expectativa é que a COP27, que será realizada este ano, no Egito, se debruce sobre a questão.
“O Egito deve trazer uma pauta mais do Sul global, falando sobre justiça climática, em especial pelo continente africano. Esperamos mesmo que isso avance, porque enquanto estamos discutindo meta para daqui dez, vinte, quarenta anos, temos uma realidade latente em vários países pobres que já estão sofrendo essas consequências”.
E essas consequências são sentidas de forma mais intensa e frequente pelas populações negras e periféricas, diz JP, porque é justamente onde a infraestrutura é precária para evitar desastres.
Localmente, também falta ação do poder público.
A prefeitura de Petrópolis tinha em mãos, desde maio de 2017, um estudo que identificou 15.240 moradias com risco alto ou muito alto de destruição por consequência de chuvas no 1º Distrito da cidade, o mais castigado pelo temporal.
“Falta plano de adaptação dessas regiões. Não só em relação às mudanças climáticas, que é investir em planos de emergência e remoção das famílias, ou casas mais resistentes. Mas também planos de mitigação dessas famílias, o que passa também por política de habitação”.
- Em 2011, cinco municípios da região Serrana do Rio sofreram com a maior tragédia climática da história do Brasil — 900 pessoas morreram. Na época, uma CPI da Alerj fez 42 recomendações para evitar novas catástrofes naturais na região. Pouca coisa foi feita
Há ainda outras formas de negligência: as políticas ambientais da gestão Bolsonaro.
JP critica os congelamentos dos Fundos Clima e Amazônia, cujos recursos deveriam estar sendo aplicados em políticas de adaptação e mitigação dos efeitos climáticos. “A região Amazônica tem um papel fundamental de equilíbrio climático no Brasil”.
Crise climática gera ainda mais desigualdade. JP explica que os efeitos das mudanças climáticas afetam o acesso de populações periféricas a direitos básicos, como saúde, alimentação, água potável e até educação, e podem levar à migração climática.
Além disso, os danos são sentidos a longo prazo, uma vez que as famílias demoram a se restabelecer e a cidade precisa arcar com custos que não estavam previstos.
“O que a prefeitura de Petrópolis está fazendo ao dar um auxílio aluguel para as vítimas é fundamental. Mas olha o prejuízo financeiro por conta dessa negligência de observar e investir nessas regiões”.
Com 867 desabrigados, Petrópolis anunciou um auxílio de R$ 1.000, sendo R$ 800 pagos pelo estado e R$ 200 pelo município.
No centro dessa crise, estão crianças e adolescentes negras, periféricas, indígenas e de povos tradicionais.
Levantamento do Unicef aponta que um bilhão de crianças estão “extremamente expostas” aos impactos da crise climática.
“Essas crianças e adolescentes enfrentam uma combinação mortal de exposição a múltiplos choques climáticos e ambientais com alta vulnerabilidade devido a serviços essenciais inadequados, como água e saneamento, saúde e educação”, diz o Fundo de Emergência das Nações Unidas para a Infância.
Para JP, Petrópolis é um exemplo expressivo dessa vulnerabilidade.
“Estamos chegando a 200 mortos e mais de 117 desaparecidos, entre eles 16 crianças e adolescentes. Justamente porque, em uma situação de desastre ambiental como esta, as crianças são mais vulneráveis para tomar uma atitude para se salvarem“.
Segundo a Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro (Sepol), o oitavo dia de buscas em Petrópolis, na região serrana, começou com a confirmação de 182 mortos.
Dos 182 óbitos registrados até agora, 111 são mulheres, 71 homens e 32 crianças. Até o momento, 89 registros de desaparecidos foram feitos na Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA). Agência Brasil
Em tempo: Nesta quarta (23/2), o Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde realiza sua primeira reunião para discutir os projetos que alteram a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
Em ofício endereçado ao presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirmou na semana passada que a crise climática global se acentuou em 2021 e pediu uma atualização urgente das políticas desenvolvidas nessa área pelo governo. Reuters/UOL
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