BRASÍLIA — O acordo final da conferência do clima das Nações Unidas (COP27) sobre o Artigo 6 do Acordo de Paris “abre a porta para acordos secretos” de mercado de carbono entre países com pouca supervisão, avalia a Carbon Market Watch, associação especializada em precificação de carbono.
Encerrada neste fim de semana em Sharm el-Sheikh, no Egito, a COP27 tinha entre os itens mais críticos de sua agenda avançar com as regras para permitir que países possam negociar créditos de carbono entre si, e que empresas possam comprar créditos dos governos.
Para a Carbon Market Watch, as duas semanas de negociações internacionais na COP27 no Egito resultaram em um acordo que incentiva o sigilo e retrocede na proteção dos direitos dos povos indígenas.
Os pontos de divergência estão relacionados à transparência, remoções de carbono e o risco de abrir os novos mercados globais para lavagem verde corporativa por meio de compensações duplamente contadas.
“Em vez de concordar com os mercados de carbono com transparência exemplar, governança robusta e disposições contábeis rigorosas, os governos não descartaram o sigilo arbitrário e a supervisão fraca”, disse o diretor de políticas da CMW, Sam Van den plas.
“O espírito do mercado de carbono de Glasgow se transformou no fantasma compensador de Sharm-el-Sheikh, que corre o risco de assombrar ações climáticas efetivas nos próximos anos”.
Em novembro passado, em Glasgow, na Escócia, durante a COP26, países chegaram a um acordo sobre a definição dos ajustes de correspondentes e a repartição de custos para adaptação, além de requisitos para os países poderem ascender a esse mecanismo, como estar em dia com a implementação da sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês).
Transparência e dupla contagem dos créditos de carbono
Uma questão negociada na cúpula do Egito, a transparência saiu enfraquecida no acordo final, com a permissão dada aos países para designar qualquer tipo de informação como confidencial, sem exigir uma justificativa.
“Em vez de esclarecer a ambiguidade em torno das condições de ‘confidencialidade’ nas negociações de crédito de carbono de país para país, o mau resultado em Sharm el-Sheikh não conseguiu estabelecer nenhuma proteção significativa”, disse Jonathan Crook, especialista da CMW em mercados globais de carbono.
“Essa brecha na transparência corre o risco de ser explorada por países que buscam esconder seus negócios de emissões em segredo. Se um país quiser ser clandestino sobre seu envolvimento nos acordos bilaterais do Artigo 6.2 e no comércio de créditos de carbono, agora eles têm um passe livre para fazê-lo”.
Crook avalia que, embora os países retomem esse ponto no ano que vem, eles provavelmente se limitarão a falar sobre como revisar informações confidenciais, ao invés de criar limites à quantidade de informações que podem ser consideradas confidenciais.
- Um roteiro para emissões líquidas zero sem greenwashing Grupo de especialistas lança dez recomendações para trazer integridade, transparência e responsabilidade às metas de descarbonização
Por outro lado, os negociadores concordaram em estabelecer um novo tipo de crédito de carbono do Artigo 6, em uma tentativa de barrar créditos baratos de baixa qualidade nos mercados voluntários de carbono.
Conhecido como unidade de “contribuição de mitigação”, ele representa reduções de emissões (ou remoções) que são contadas para a meta climática do país anfitrião, e usar esses créditos para qualquer outra meta de emissões equivaleria a dupla contagem.
“A COP27 oficializou o conceito de ‘contribuição’ para a ação climática. Esta é uma alternativa real ao uso de créditos de carbono para compensar as emissões. Essa decisão é um sinal claro de que, quando as reduções de emissões são contabilizadas por um país, elas não devem ser também reivindicadas por uma empresa por meio da compra de um crédito de carbono”, explica Gilles Dufrasne, líder da CMW nos mercados globais de carbono.
“As empresas podem enquadrar a compra desses créditos como contribuições para a mitigação doméstica, mas não devem fazer reivindicações de compensação enganosas”.
Questões para a COP28
O órgão supervisor encarregado de projetar e regular o mercado global de carbono regido pelo Artigo 6.4 do Acordo de Paris define as remoções de carbono para sua futura elegibilidade como créditos.
Mas, na avaliação da CMW, a forma como foi definida é vaga e, se tivesse sido adotada, teria permitido que atividades como captura e armazenamento de carbono (CCS), captura e utilização de carbono (CCUS), entre outros produtos fossem classificadas como remoções.
A discussão sobre atividades de remoção foi adiada para a COP28, após pressões da sociedade civil.
No entanto, os países rejeitaram uma proposta anterior para incluir referência clara aos direitos humanos no mandato para trabalhos futuros — um retrocesso na proteção dos direitos dos povos indígenas.
“A criação de créditos de carbono a partir de atividades de remoção é um grande risco, e não é de surpreender que o órgão encarregado de fornecer orientações sobre isso não o tenha feito nas poucas semanas que teve para trabalhar no assunto”, observou Dufrasne.
“É uma decisão sábia dar um passo atrás e retrabalhar o texto proposto. Se tivesse sido adotado, teria aberto a porta para a criação desenfreada de créditos de carbono duvidosos de atividades de remoção que podem não criar nenhuma remoção”, completa.
Diálogos da COP 27 | Reveja as entrevistas feitas pela agência epbr com especialistas em clima e transição energética, agentes do mercado, indústria e sociedade civil durante a conferência.