Congresso

Comunidade científica reage contra MP do programa Renovar

Instituições de pesquisa temem que recursos de P&D do setor de óleo gás sejam desviados para programa de reciclagem de caminhões

Comunidade científica reage contra MP do programa Renovar. Na imagem: Laboratório de Física de Rochas do Cenpes – Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo A. Miguez de Mello (Foto: Geraldo Falcão/Agência Petrobras)
Laboratório de Física de Rochas do Cenpes – Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo A. Miguez de Mello (Foto: Geraldo Falcão/Agência Petrobras)

RIO — A Medida Provisória nº 1.112/2022, que institui o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País (Renovar), tem gerado reações contrárias da comunidade científica — que vê, na MP, riscos de sucateamento da infraestrutura de pesquisa, desenvolvimento de tecnologia e inovação (PD&I) no setor de petróleo e gás natural no Brasil.

A MP altera a Lei do Petróleo (Lei nº 9.478/1997) e permite que as petroleiras destinem recursos da cláusula de PD&I dos contratos de concessão para o desmonte e a destruição dos veículos pesados em fim de vida útil como sucata.

Relembre: Os contratos de concessão de exploração e produção de óleo e gás obrigam as empresas a investir, na área de PD&I, até 1% da receita bruta gerada por campos de grande rentabilidade ou com grande volume de produção — aqueles nos quais incidem a cobrança de participação especial (PE).

De acordo com a MP, no entanto, as petroleiras podem descontar, dos compromissos contratuais em PD&I, os valores destinados ao Renovar. A medida vale para as obrigações contratuais relativas aos anos de 2022 a 2027, assim como para quitar os repasses em aberto referentes a anos anteriores.

Coppe/UFRJ reforça protesto da comunidade científica

O Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos centros mais tradicionais de pós-graduação na área de engenharia do país, publicou, no dia 10 de maio, uma moção pedindo para que o Congresso rejeite a MP (ler na íntegra, em .pdf).

No documento, a instituição de pesquisa destaca que a medida provisória pode marcar um “retrocesso irreversível” no financiamento da comunidade científica do país, ao permitir o redirecionamento ilimitado dos recursos oriundos das cláusulas de PD&I das petroleiras. Em 2021, por exemplo, os recursos gerenciados pela ANP, decorrentes dessas obrigações, totalizaram cerca de R$3 bilhões.

Segundo a Coppe/UFRJ, o “esvaziamento do atual e bem-sucedido modelo de financiamento gerenciado pela ANP inviabilizará o exercício dessas atividades”.

“De tal esvaziamento resultará o sucateamento da infraestrutura de pesquisa, desenvolvimento de tecnologia e inovação em mais de 100 de seus ultramodernos laboratórios especializados, além daqueles distribuídos nas demais ICTs [Instituições de Ciência e Tecnologia], nos quais atualmente trabalham milhares de docentes, pesquisadores, técnicos, doutorandos, mestrandos e graduandos, e a eventual desativação de programas de formação de pessoal de alta qualificação”, cita a moção apresentada pela Coppe/UFRJ.

A instituição defende que o Renovar deveria ser um programa estável, financiado em bases correntes, inclusive com recursos direcionados pelo próprio setor empresarial beneficiado.

Em abril, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) já havia enviado uma carta (na íntegra, em .pdf) ao Congresso alertando para as ameaças que a MP 1.112/2022 traz ao Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI).

“[A MP] ataca de forma inusitada e drástica o financiamento da pesquisa científica e tecnológica do setor de óleo e gás”, cita o documento.

Assinam a carta, além da ABC:

  • Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes);
  • Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap);
  • Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies);
  • Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif);
  • Conselho Nacional dos Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti);
  • Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas & Sustentáveis (Ibrachics);
  • e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Entenda o Renovar

O programa tem como objetivo tirar de circulação, de forma voluntária, veículos pesados no fim da vida útil e, assim, renovar, progressivamente, a frota no país.

O foco está em veículos em condições que não atendem mais aos parâmetros técnicos de rodagem e com idade acima de 30 anos. Em 2020, havia no Brasil 854 mil caminhões e cerca de 76 mil caminhões-trator com mais de 30 anos, de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).

De acordo com a MP nº 1.112/2022, editada por Jair Bolsonaro no dia 1º de abril, a implantação do Renovar será feita por etapas. Os primeiros beneficiados serão os caminhoneiros autônomos.

A iniciativa prevê ações como desmonte ou destruição de veículos como sucata, além de medidas para redução dos custos logísticos, por exemplo.

A MP muda quatro legislações, com o objetivo de buscar fontes de financiamento para o Renovar. Além da Lei do Petróleo, a medida altera as leis:

  • nº 9.503, de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito pode ser aplicada na melhoria das condições de trabalho dos caminhoneiros, na segurança e no desempenho ambiental da frota. Antes, o dinheiro podia ser usado apenas em sinalização, engenharia de tráfego, fiscalização, policiamento e educação de trânsito;
  • nº 10.336/2001, que criou a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre os combustíveis. Pela regra atual, a Cide pode financiar programas de infraestrutura de transportes. A MP inclui a renovação de frota circulante entre as ações passíveis de financiamento;
  • nº 11.080/2004, que criou a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, de forma a ampliar o escopo de atuação da autarquia e incorporar ações de inovação, transformação digital e difusão de tecnologia. Também poderão ser consideradas receitas adicionais da ABDI a prestação de serviços pela operação da Plataforma Renovar.