RIO — Em meio às tensões na relação entre o governo da Bolívia e a Petrobras após o corte no fornecimento de gás natural do país vizinho ao Brasil, a TotalEnergies Brasil e a Compass assinaram, esta semana, um acordo de intenções com a estatal boliviana YPFB. As partes vão estudar uma aliança para comercialização do gás importado da Bolívia no mercado brasileiro.
“O objetivo é claro, poder acomodar nosso produto no melhor mercado e com o melhor preço possível. O gás boliviano é um dos mais competitivos”, declarou o presidente da YPFB, Armin Dorgathen, em nota.
As negociações entre a Compass, TotalEnergies e YPFB acontecem num momento de crise na relação comercial entre a estatal boliviana e a Petrobras. A YPFB cortou em 30%, a partir deste mês, o volume de gás enviado ao Brasil, para fazer frente aos novos compromissos assumidos com a Argentina, para aumento das exportações ao país vizinho.
Para aprofundar
- Bolívia não vê “complô socialista” em corte de gás natural ao Brasil
- Preço do gás para Petrobras foi fechado por “governo golpista”, diz ministro boliviano
- Como acordo Bolívia-Argentina afeta mercado brasileiro
- Bolsonaro põe em xeque papel da Petrobras, após corte de gás da Bolívia
A Bolívia cobra do Brasil a renegociação dos termos do contrato de suprimento com a Petrobras e alega que busca, na Argentina, melhores preços para o seu produto.
Esta semana, o ministro de Hidrocarbonetos e Energia da Bolívia, Franklin Molina, já havia afirmado que a última revisão do contrato negociada entre Petrobras e YPFB foi firmada em 2020, durante o “governo golpista” de Jeanine Anez e prejudica a Bolívia.
Empresas privadas do Brasil pagam mais, diz Bolívia
Sem mencionar as negociações com a Compass e TotalEnergies, o ministro boliviano sinalizou que empresas privadas no Brasil estariam dispostas a pagar entre US$ 15 e US$ 18 o milhão de BTU, mais que o dobro do que a Petrobras paga pelo insumo.
Relembre: A Bolívia reduziu em 30% o envio de gás à Petrobras, para 14 milhões de m³/dia a partir deste mês, depois de se comprometer a exportar 14 milhões de m³/dia para a Argentina — ante o patamar anterior, de 8 milhões a 10 milhões de m³/dia. O acordo foi celebrado em abril e é válido até setembro.
Para os argentinos, recorrer ao gás boliviano foi uma alternativa aos elevados preços do gás natural liquefeito (GNL) no mercado internacional. Para a Bolívia, significa uma receita extra, já que os argentinos pagarão mais pela cota adicional. A Bolívia informou que o preço pago pela Argentina pela cota extra de gás atingiu, este mês, os US$ 20 o milhão de BTU — ante os cerca de US$ 7 o milhão de BTU pagos pelo Brasil.
De acordo com comunicado da YPFB, a partir de agora a companhia, a Compass e a TotalEnergies analisarão as condições econômicas e comerciais, para que o gás boliviano possa chegar aos consumidores finais no Brasil com melhores condições de preço.
No Brasil, Compass e TotalEnergies já são parceiras comerciais. A companhia brasileira tem acordo com a Total Gas and Power para o potencial suprimento de 10 milhões de m³/dia de gás natural liquefeito (GNL), por dez anos.
O produto será entregue no Terminal de Regaseificação de São Paulo (TRSP), em construção pela empresa do grupo Cosan no Porto de Santos. O ativo deve começar a operar em 2023, com capacidade de regaseificação licenciada de 14 milhões de m³/dia.
Na quinta-feira (26/5), ao ser questionado por investidores sobre as repercussões do corte do envio de gás boliviano ao Brasil, o presidente da Compass, Nelson Gomes, disse que o episódio “não preocupa” a companhia, do ponto de vista da segurança do abastecimento — sem, contudo, mencionar as negociações com a YPFB.
“Olhando para trás, para dez a quinze anos atrás, vemos que nos períodos mais frios, no inverno, existe uma mudança no fluxo do gás boliviano em direção à Argentina. Não é uma novidade deste ano, sempre aconteceu. Não sei quantificar se foi mais ou menos este ano. Sei que, olhando para a Petrobras como supridor [da Comgás], nunca tivemos problemas de suprimento. Não acho que devemos nos preocupar. A Petrobras tem diversas fontes”, disse o executivo, durante evento com investidores.
Ele destacou que o corte de gás da Bolívia reforça a importância do projeto do TRSP, porque permite à companhia diversificar as fontes de suprimento.
A YPFB entende que não está, como sugere a Petrobras, desrespeitando o contrato.
O que diz a Petrobras: A estatal boliviana YPFB comunicou, em abril, que reduziria, de forma unilateral, o volume enviado ao Brasil em 4 milhões de m³/dia, a partir de maio. A petroleira brasileira esclareceu que, após tomar conhecimento da situação, “deu ciência às instâncias governamentais cabíveis, bem como informou as medidas adotadas para assegurar o fornecimento aos seus clientes”. Desde 1º de agosto, a Petrobras recebeu, em média, cerca de 14 milhões de m³/dia da YPFB. A estatal brasileira informou, ainda, que está “tomando as providências cabíveis visando ao cumprimento do contrato”.
O contrato entre a Petrobras e a YPFB estabelece penalidades para ambas as partes, se desrespeitados os compromissos de retirada e entrega. Do lado da YPFB, existe a cláusula de deliver-or-pay — ou seja, caso o fornecedor não entregue o volume previamente solicitado pelo comprador, paga uma multa proporcional aos volumes não fornecidos.
De acordo com executivo boliviano consultado pela agência epbr, a YPFB está se valendo da cláusula e vai pagar as penalidades — que, segundo a fonte, mais que compensam financeiramente.