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Diálogos da Transição
APRESENTADA POR
Editada por Nayara Machado
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No final de agosto, a 9ª vara federal de Porto Alegre determinou que o Ibama inclua diretrizes climáticas no licenciamento de termelétricas no Rio Grande do Sul — uma decisão classificada como um marco do avanço do movimento de litigância climática no Brasil.
Pelo mundo, os processos contra governos e empresas cobrando indenizações ou mudanças em metas e estratégias com foco no clima já acontecem há alguns anos.
Exemplo mais recente vem da Holanda, onde uma ação movida por organizações da sociedade civil conseguiu decisão favorável para obrigar a Shell a cortar suas emissões em 45%.
No Brasil, o governo federal é processado desde o ano passado pela suspensão do Fundo Amazônia (ADO 59), paralisado desde o início de 2019.
Mas o caso do RS teve um caráter histórico ao abrir precedente para que a questão climática faça parte do licenciamento de empreendimentos intensivos em carbono.
“É uma decisão importante porque mostra que estamos realmente caminhando para um direcionamento da ampliação desse movimento de litigância climática também aqui no Brasil”, avalia Antonio Augusto Reis, sócio da prática de Ambiental do escritório Mattos Filho.
Em entrevista à agência epbr, o advogado explica que o caso do RS se soma a outras litigâncias climáticas no Brasil e no mundo, mas agora com efeito direto sobre o licenciamento ambiental dessas atividades no país.
“Há um movimento ESG [sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança] mundo afora e, no Brasil, não estamos distantes disso”.
Segundo Augusto, o sexto relatório do IPCC traz um “cenário técnico muito preocupante”, ao mostrar que as mudanças climáticas são um fenômeno já concreto, atual e diretamente ligado a atividades antrópicas.
“Nesse contexto, ganha muita força a discussão em relação às políticas nacionais e internacionais que tenham relação com as emissões de gases de efeito estufa”.
E a indústria do carvão está na lista das atividades sensíveis do ponto de vista climático, mas não está sozinha.
“Esse caso do Rio Grande do Sul, para nós, foi paradigmático porque de fato impôs uma obrigação ao Ibama, ao nível estadual, para que a variável climática seja devidamente considerada em uma avaliação ambiental estratégica”, diz.
A seguir, os principais pontos da entrevista:
ENTREVISTA | Antonio Augusto Reis, sócio da prática de Direito Ambiental e Mudanças Climáticas do escritório Mattos Filho
Papel da litigância climática
“Em vários países, já existem ações que têm por objetivo impor tanto indenizações e reparações de eventuais danos, mas também impor certos comportamentos para governos e empresas.
Mas essas questões precisam ser vistas em compasso com as realidades nacional e local.
E é compreensível no caso de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, por exemplo, que são estados produtores de carvão, que haja uma maior resistência a esse tipo de política que venha restringir o uso desse combustível.
Agora, é um fato que essa restrição tem se dado não só do ponto de vista regulatório, em todo o mundo, mas fortemente influenciada pelos investidores.
Hoje há uma restrição muito rigorosa de crédito em relação a projetos que utilizam carvão.
Esse fenômeno dos litígios ambientais e climáticos é crescente, não só no setor de carvão, mas em quaisquer empreendimentos que tenham uma contribuição significativa de emissões”.
Alcance de uma decisão como a da Justiça Federal no RS
“Essa decisão do Rio Grande do Sul merece um destaque no sentido de ter determinado que a variável climática seja efetivamente analisada no licenciamento ambiental.
Hoje isso não tem sido uma realidade nos empreendimentos. Quando vemos que o judiciário começa a impor esse cuidado dentro do licenciamento ambiental, podemos considerar que isso é uma tendência.
Mas se uma ação vai ter ou não um impacto prático concreto, vai depender do caso.
Nesse exemplo do RS, a ação determina apenas que o Ibama exija o estudo em relação aos impactos climáticos desses projetos.
Não quer dizer que vai proibir a implantação de um projeto que funcione à base de carvão.
Mas todos esses impactos terão que ser analisados em detalhe e aí eles serão certamente confrontados com todos os compromissos já assumidos pelo Brasil na esfera internacional e nacional em relação ao clima.
Então entendo que o impacto dessas ações climáticas pode ser bastante significativo para diversos setores intensivos em carbono”.
Legislação ambiental
“Historicamente, o Brasil tem uma legislação ambiental bastante rigorosa.
Basta ver que a matéria ambiental está prevista na Constituição e a gente tem diversas normas – federais, estaduais e municipais – que tratam de preservação ambiental e estabelecimento de critérios e padrões para poluição, dentre outras coisas.
Especificamente, temos a Lei 12.187 de 2009, que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima.
Some-se a isso os diversos princípios de Direito Ambiental internacionais e nacionais. Essa gama de normas permite um arcabouço de fundamentos jurídicos para essas discussões.
Então, eu entendo que não necessariamente um litígio precisa passar por uma modificação legislativa.
Nós já temos no Brasil condições de legislação que permitem a propositura dessas ações”.
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Pressão sobre governos e empresas
“Certamente há um espaço grande para ações climáticas focadas nos governos.
É justamente nesses cenários [onde não há atuação concreta de governos] que surgem as demandas judiciais climáticas.
Na Holanda, por exemplo, o caso Urgenda, que foi o primeiro caso paradigmático, visava condenar o governo a impor uma redução de 25% das emissões.
É muito normal e é muito esperável que essas ações sejam propostas contra os governos.
O que não afasta o risco, como no caso da Shell, de ações focadas em empresas.
No exemplo do RS, a ação foi proposta contra a empresa empreendedora do projeto e também contra o Ibama, na qualidade de órgão licenciador, até porque o objetivo ao final do Ministério Público Federal é de estender os efeitos dessa decisão para toda e qualquer térmica a carvão licenciada no estado”.
Efeitos sobre planejamento das empresas
“De uma maneira sólida, proativa, é muito importante que uma empresa tenha seu próprio planejamento e não se exponha ao risco de uma meta ou uma diretriz vir a ser imposta por uma decisão judicial.
Então quanto antes essas empresas estiverem com seus planejamentos bem estruturados, uma comunicação clara, transparente, que essas ações de redução e compensação de impacto sobre o clima sejam verdadeiras, concretas, mensuráveis, menor a probabilidade de uma empresa vir a sofrer os impactos de uma demanda judicial climática”.
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Curtas
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