Em maio de 2022, foi editado o decreto n. 11.075 que se propunha a instituir o Sistema Nacional de Redução de emissões de gases de efeito estufa (Sinare). Em verdade, o decreto era lacônico e não oferecia uma regulação completa e exaustiva sobre o tema.
O texto também abria espaço para a autorregularão: estabelecia um prazo para que determinados setores apresentassem voluntariamente seus planos setoriais de mitigação climática. Em outras palavras, previa que caberia a cada setor identificar qual seria a melhor forma de reduzir suas emissões.
Independentemente de seus potenciais defeitos ou virtudes, o decreto caiu em desuso com a assunção do novo presidente. Com ênfase muito maior na agenda climática, o novo governo federal já encaminhou para o Congresso uma série de leis nessa matéria, sobretudo com a proximidade e o evento da COP28.
Só nas últimas semanas, aprovou na Câmara o marco regulatório das eólicas offshore, o marco regulatório para a captura e armazenamento de carbono (CCS), as regras para o hidrogênio com baixa emissão de carbono e, finalmente, o projeto de Lei que regulamenta o mercado de carbono.
Ao contrário do decreto anterior, esse PL (1425/2022) oferece, efetivamente, uma verdadeira moldura para a criação e desenvolvimento de um mercado regulado doméstico de redução ou sequestro de gases de efeito estufa.
Era para a lei ter saído durante a própria COP28, mas na última hora o Congresso considerou que as discussões continuariam no ano que vem. Aqui na COP, congressistas de todos os lados (ambientalistas e agro, região norte e região sul) disseram que há modificações a serem feitas no projeto.
Quando entrar em vigor, essa nova regulação propiciará a implementação de um mercado regulador de carbono no Brasil, ou seja, um mercado em que há atores econômicos que são obrigados a mitigar suas emissões. Caso consigam, o resultado excedente dessa mitigação gera um ativo que pode ser vendido. Caso não consigam, eles devem adquirir os créditos daqueles que tenham feito a lição de casa.
Convém lembrar que isso não se confunde com o mercado voluntário de carbono, que já existe, tanto nacionalmente quanto internacionalmente. Esse mercado corresponde às transações voluntárias (ou seja, sem obrigação legal) entre agentes privados ou públicos para a negociação de créditos de carbono em suas diferentes formas.
O projeto de lei não regula esse mercado voluntário, porque sua essência é exatamente a de permitir todos os arranjos privados possíveis, mas ainda assim traz termos comuns e bases de estabilidade para o mercado voluntário e, especialmente, a sua relação com o mercado regulado.
Grosso modo, o PL prevê que aqueles créditos que sejam contabilizados no âmbito de um mercado não podem ser novamente contabilizados no âmbito do outro.
E como fica o mercado regulado brasileiro aqui na COP, já que a lei ainda não foi aprovada?
Em princípio, COPs não cuidam dos mercados domésticos de carbono, ou dos mercados voluntários. As COPs não costumam tratar de como os países vão mitigar suas emissões, mas tão somente de estabelecer em que velocidade e em que grau devem fazê-lo.
Algumas exceções existem, como a discussão quanto ao abandono ou a redução da utilização de combustíveis fósseis, ou ainda os incentivos para soluções baseadas na natureza (nature based solutions).
Por isso, o mercado voluntário continuará existindo como existiu até agora (“à margem da lei”) e o mercado regulado continuará dependendo da aprovação da lei que o cria e implementa coercitivamente.
Ainda assim, a COP oferece muitas discussões sobre a possibilidade de países e empresas cooperarem internacionalmente para a redução dos gases de efeito estufa, ou então de adquirirem créditos de carbono que tenham sido produzidos em outro país.
Esses diferentes mecanismos de interação, previstos no Artigo 6 do Acordo de Paris, são uma pauta importante da COP. Esta COP não é diferente, discute-se a possibilidade e os limites do mecanismo REDD+ (reducing emissions from deforestation and forest degradation) como crédito de carbono, as suas diferenças com a chamada conservação incrementada ou aprimorada, além da possibilidade e velocidade de se eliminar ou reduzir o uso de combustíveis fósseis.
Se a ocorrência de mais uma COP vai oferecer alguns tratados adicionais que favoreçam a constituição de um mercado doméstico ou internacional de carbono, ainda é necessário esperar algumas horas.
O que permanece indiscutível, antes ou depois dessa COP, é que o Brasil continua ocupando uma posição muito privilegiada no presente e futuro mercados de comercialização de carbono.
Isso porque nós contamos com uma matriz limpa de energia. Ao contrário dos países do hemisfério norte (e alguns do Sul), o país não precisa limpar sua matriz, ou mudar toda a sua estrutura de produção para comportar uma forma mais limpa de produção de energia.
Ao contrário, as principais emissões do Brasil estão associadas a desmatamento ou degradação de terras, bem como à agricultura e pecuária do país. Em outras palavras, o Brasil já conta com uma lição de casa mais fácil do que outros países, porque pelo menos metade de sua meta pode ser atingida com um simples não fazer (não desmatar), ao invés de ter que alterar processos produtivos. Além disso, nós possuímos estoque de carbono, biodiversidade e florestas cujo valor precisa ser reconhecido e preservado.
No que tange às atividades de produção de bens e serviços, também a agricultura, a pecuária e a mineração poderão ser fontes de geração de créditos de carbono.
Fato é que essas caraterísticas do Brasil, juntamente com estabilidade institucional e posição geopolítica favorecem investimentos intensivos nacionais e estrangeiros nessa agenda.
Resta saber em que velocidade esses recursos entrarão e como vamos garantir que eles se tornem efetivamente uma fonte de capacitação, desenvolvimento e redução de desigualdades no longo prazo.
Este artigo expressa exclusivamente a posição da autora e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculada.
Tatiana Cymbalista é sócia da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.