RIO — A criação de um consórcio entre a Supergasbras e a Ultragaz para o compartilhamento de ativos operacionais de gás liquefeito de petróleo (GLP) foi discutida nesta terça-feira (30/5), na Comissão de Minas e Energia da Câmara, que vai monitorar a tramitação do acordo.
A operação é alvo de questionamento por parte da concorrência e de preocupação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD/MG).
O GLP, conhecido como “gás de botijão”, é um tema politicamente sensível: o combustível está presente em mais de 90% das residências do país; é a principal fonte de energia usada para a preparação de alimentos; e é peça central nas discussões sobre pobreza energética no Brasil.
Cade analisa acordo
O acordo entre as distribuidoras está em análise no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) desde meados do ano passado – e, mais recentemente, despertou a atenção de figuras do meio político.
Em março, SIlveira interveio e solicitou ao Cade que aprofundasse os estudos sobre a operação – que já contava com o aval da Superintendência-Geral do órgão (SG/Cade). Em paralelo, a CME, da Câmara dos Deputados marcou audiência para tratar do assunto, a pedido do deputado Carlos Zarattini (PT/SP).
Concorrente direta das distribuidoras envolvidas no acordo, a Copa Energia tem criticado a criação do consórcio.
“Sabemos da relevância do GLP para os brasileiros e brasileiras mais humildes e, para reduzir a pobreza energética, precisamos assegurar que o produto chegue com preços acessíveis ao consumidor”, afirmou o ministro Alexandre Silveira, em nota, na ocasião.
O que está em jogo?
Em julho de 2022, as distribuidoras Ultragaz, Bahiana, Supergasbras e Minasgás fecharam um acordo para compartilhar estruturas de produção de GLP envasado e a granel.
Em justificativas enviadas ao Cade, as companhias argumentam que a parceria vai gerar ganhos de eficiência operacional, por meio da otimização de custos.
A ideia é compartilhar capacidades ociosas nas bases de produção de GLP, de modo a racionalizar custos e a evitar a necessidade de investimentos para construção de novas bases de envase.
Desse modo, a distribuidora contratada poderá receber uma receita adicional pelo uso da infraestrutura ociosa e prestação de serviços, enquanto a contratante poderá entrar em novos mercados sem precisar construir uma base própria.
O acordo está em análise no Cade — que já levantou preocupações quanto à possibilidade de que a parceria leve a limitações de oferta e afete a capacidade de atuação de outras distribuidoras.
Como chegamos até aqui
Em dezembro, a SG/Cade declarou a criação do consórcio um ato complexo e solicitou a ampliação dos estudos e análises sobre os mercados afetados e a possibilidade de exercício de poder coordenado.
Os estudos concluíram que a criação do consórcio não teria capacidade de alterar condições preexistentes nesse mercado que geram preocupações concorrenciais, como os altos índices de concentração e a baixa variação nas fatias de mercado ao longo dos anos.
Além disso, os estudos do Cade constataram que acordos similares – mas em mercados diferentes, como os de telefonia e de transporte marítimo – levaram a uma redução de preços e aumento de investimentos.
Foi a partir dessas análises que, em março, a SG/Cade aprovou a criação do consórcio sem restrições.
Nesse momento, o MME se manifestou e pediu para que o tema fosse levado ao Tribunal Administrativo do Cade, para análises mais profundas. O ministério pediu ainda para que a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) avaliasse questões regulatórias relacionadas ao acordo.
A Copa Energia entrou com recurso contra a operação então aprovada pela SG. O pedido foi acolhido pela conselheira Lenisa Prado, que prorrogou o processo por 90 dias.
Quem é quem na disputa
A Ultragaz e a Bahiana são subsidiárias integrais da Ultrapar, enquanto a Supergasbras e a Bahiana são empresas do Grupo SHV. Juntas, as companhias dominam 44% do mercado brasileiro de distribuição de GLP.
A Copa Energia tem questionado o acordo no Cade, sob o argumento de que a criação do consórcio aumenta a possibilidade de exercício de poder coordenado. A companhia afirma que a operação abre espaço para a constituição de um duopólio de infraestrutura.
“A operação proposta leva ao controle de oferta e redução do desvio de demanda, com externalidades negativas relacionadas à troca de informações sensíveis e coordenação de investimentos de longo prazo, troca de botijões, pressão por elevação de preços unilaterais e grande probabilidade de elevação de barreiras à entrada estratégicas e de acomodação da concorrência nesse setor”, cita a Copa Energia, em documento enviado ao Cade.
A Copa foi criada a partir da junção das marcas Copagaz e Liquigás, depois da venda desta última pela Petrobras. É uma das líderes de mercado e maior concorrente da Ultragaz e Supergasbras – ao lado da Nacional Gás.
Ultragaz e Supergasbraas alegam, por sua vez, que os pontos levantados pela Copa Energia já foram todos esclarecidos pela SG/Cade e que o recurso, teria, portanto, fins “meramente protelatórios”.
Ao solicitar a convocação da audiência pública para debater o tema, o deputado Carlos Zarattini argumentou que é necessário avaliar os riscos que o consórcio cria para a concentração no mercado de GLP e “a magnitude do repasse dos eventuais benefícios (ou custos) aos consumidores finais”.
Têm presença confirmada na audiência os superintendentes da ANP Luís Esteves (Defesa da Concorrência/SDC) e Diogo Valério (Distribuição e Logística/SDL).
Também foram convidados representantes do Cade, Supergasbras, Ultragaz e Copa Energia, assim como da Federação Nacional dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo (Fetramico), Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo do Estado do Rio Grande do Sul (Sitramico/RS) e Federação dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivado de Petróleo no Estado de São Paulo (Fepetrol).
Relatora no Cade vê semelhanças a uma fusão
Um dos principais receios é que a operação limite a capacidade das concorrentes da Ultragaz e da Supergasbras de reagir em casos de eventuais exercícios de poder de mercado.
A conselheira do Cade e relatora do processo, Lenisa Prado, apontou que a criação do consórcio pode ter efeitos similares a uma fusão entre entre duas das maiores concorrentes no mercado de distribuição de GLP.
Para ela, os ganhos de eficiência serão privados e beneficiarão apenas as partes envolvidas, sem contrapartida aos consumidores finais. Prado aponta que a operação incentiva outros concorrentes a consolidarem infraestruturas fechadas, em duopólios de ativos.
A conselheira afirma ainda que a parceria pode eliminar pressões competitivas – o que impediria o repasse aos consumidores das eficiências geradas pela criação do consórcio.
Cade faz consulta ao mercado
Na sexta (26/5), o Cade enviou questionamentos a 25 agentes do mercado sobre a operação. A consulta inclui dúvidas sobre a dinâmica de distribuição e troca dos botijões e a ociosidade nas bases de produção.
As empresas devem se manifestar até quinta, 1º de junho.