O conflito entre Israel e o Hamas criou um cenário de tensão geopolítica em uma região que é protagonista no mercado global de petróleo e gás.
No entanto, apesar de ter gerado uma grave crise humanitária, a guerra no Oriente Médio teve impactos limitados sobre os preços do barril de petróleo e os fluxos globais de óleo e gás até o momento, dado que os países envolvidos diretamente não são grandes produtores, dizem analistas.
Uma eventual escalada, no entanto, pode causar abalos significativos para o mercado global de energia.
Entenda a seguir as principais implicações do conflito sobre o óleo e gás:
- Quais os impactos até agora sobre o preço do petróleo?
- O que mudou em relação às crises anteriores no Oriente Médio?
- Quais os outros efeitos do conflito sobre o mercado de petróleo?
- Como isso afeta o mercado de óleo e gás do Brasil?
- Quais são os maiores riscos para o mercado global no curto prazo?
- Quais são os impactos mais duradouros sobre o mercado?
- Como a guerra está influenciando a geopolítica do petróleo?
Quais os impactos até agora sobre o preço do petróleo?
O impacto até o momento é moderado. Antes dos ataques do Hamas a Israel, no dia 6 de outubro, o Brent, principal referência mundial, estava na casa dos US$ 85. Até então, a tendência era de queda nos preços, devido às incertezas sobre o crescimento da economia global. Depois do início do conflito, os preços já chegaram a tocar os US$ 93, mas têm oscilado.
Analistas afirmam que o fato de a guerra envolver sobretudo duas regiões – Israel e Faixa de Gaza – que não têm relevância tão expressiva no suprimento global de petróleo e gás limita os efeitos sobre os preços, por enquanto. As incertezas estão associadas à entrada de outros países no conflito, principalmente grandes produtores, como a Árabia Saudita e o Irã.
“Sempre que ocorre uma crise nessa região, a percepção de risco sobre a oferta de petróleo acaba se acirrando. O preço do barril tem um componente especulativo, psicológico, mas também tem uma racionalidade, baseada em demanda e oferta. Pela região envolvida até então não ser uma grande produtora de petróleo, os impactos sobre os preços têm sido circunstanciais e envolvem mais os países do entorno”, diz o pesquisador da FGV Energia, João Victor Marques.
Caso ocorra uma escalada nas tensões que envolvam outros países, um eventual aumento dos preços de petróleo deve ter efeitos na inflação mundial. A Bloomberg Economics calcula que um conflito direto entre Israel e Irã – um dos principais apoiadores do Hamas e grande produtor de petróleo – poderia levar o barril a US$ 150 e gerar uma recessão econômica global.
“A instabilidade causada por uma possível escalada da guerra, certamente atingiria a economia real com menos investimentos e uma fuga de capital dos países emergentes”, acrescenta Raphael Moses, professor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O que mudou em relação às crises anteriores no Oriente Médio?
Grandes países produtores não se envolveram diretamente no conflito até então, o que é diferente das crises do petróleo do século passado, que causaram efetivas reduções no suprimento global. A primeira crise do petróleo, há 50 anos, ocorreu quando grandes produtores de petróleo membros da Opep promoveram um embargo às exportações devido ao apoio dos Estados Unidos a Israel na Guerra do Yom Kippur. Aquela foi a primeira vez que os países árabes se utilizaram da produção de petróleo como barganha econômica e política.
Desde então, mudanças no perfil da produção global reduziram a influência da Opep no fornecimento global de petróleo. O cartel ainda representa cerca de 30% do suprimento global e as decisões do grupo têm influência sobre os preços globais. No entanto, nas últimas décadas o crescimento mais forte da produção mundial veio de países de fora da Opep, como Estados Unidos, Canadá e Brasil.
Se na década de 1970, os Estados Unidos tinham uma forte dependência das importações de petróleo do Oriente Médio, que atendiam a cerca de 80% da demanda do país, hoje são os maiores produtores de petróleo do mundo.
Em 2022, a produção estadunidense de petróleo totalizou 20,3 milhões de barris/dia, o que correspondeu a 21% da extração global, segundo a U.S. Energy Information Administration (EIA). Este ano, a tendência é que as exportações do país cresçam ainda mais e ganhem mais espaço no mercado global.
“No passado, existia uma relação mais combativa da Opep com o Ocidente, que hoje está amistosa, principalmente considerando a aproximação da Arábia Saudita com os Estados Unidos”, diz o pesquisador da FGV.
Quais os outros efeitos do conflito sobre o mercado de petróleo?
A guerra já causa impactos regionais no mercado de gás. Um dos principais efeitos do conflito no mercado de energia até o momento é a interrupção na produção no campo de Tamar, em Israel. A área tem uma produção de cerca de 8 milhões de m³/dia, o que pode levar a uma restrição na oferta de gás na região.
Israel hoje exporta gás sobretudo para Jordânia e Egito, sendo que este último é também um importante exportador de gás natural liquefeito (GNL) para a Europa.
Segundo a consultoria Rystad Energy, a produção de Tamar atende mais de 70% da demanda israelense de gás, sendo a principal fonte para a geração de energia termelétrica no país. Entre 5% e 8% da produção do campo é exportada.
O analista da StoneX, Bruno Cordeiro, aponta que por enquanto o cenário não causa maiores preocupações na Europa, pois o continente está com elevados estoques de gás.
Além disso, segundo Cordeiro, até então a tensão em Israel não gerou impactos nos fluxos globais de petróleo e gás. O cenário é diferente do que ocorreu após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, por exemplo, quando as sanções europeias e americanas aos russos levaram a alterações nos perfis de importação e exportação de diversas regiões.
“Com a guerra no Leste europeu, ocorreu uma mudança efetiva dos fluxos de petróleo que saíam da Rússia e iam para a Europa, e passaram a ir para a Ásia. Até aqui, a guerra no Oriente Médio não causou esse mesmo transtorno nos fluxos logísticos, que seguem normais, inclusive no Irã “, diz.
Como isso afeta o mercado de óleo e gás do Brasil?
As incertezas geopolíticas têm reflexos no preço do barril de petróleo e no câmbio, dois componentes que são levados em consideração na definição dos preços dos combustíveis da Petrobras.
“Com esse conflito, no mínimo as coisas se estabilizam, mas num patamar alto”, disse o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, em entrevista ao Energy Talks da agência epbr.
Na quinta-feira (19/10), a Petrobras anunciou um aumento de 6,5% no litro do diesel vendido em suas refinarias, que passará a ser vendido a R$ 4,05 a partir de sábado. A estatal também comunicou uma redução de 4% no preço da gasolina, que passa a ser de R$ 2,81 por litro.
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Quais são os maiores riscos para o mercado global no curto prazo?
O principal risco é o envolvimento direto de outros países no conflito, sobretudo importantes produtores de petróleo e gás na região, como Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã. A eventual entrada desses países na guerra pode levar a uma maior restrição no fornecimento global de óleo e gás.
Outro receio é uma eventual interrupção dos fluxos no Estreito de Ormuz, na costa do Irã, por onde passam mais de 20% do petróleo que atende a demanda global. Para o analista da StoneX, é improvável que haja algum bloqueio na região, o que levaria a uma escalada do conflito.
“Isso seria negativo para os produtores da região escoarem a produção, como a Árabia Saudita, assim como para os consumidores, com uma elevação expressiva no preço do petróleo, gerando problemas no combate à inflação nos Estados Unidos e Europa. Não seria interessante para nenhum país”, afirma.
Nos últimos dias, representantes do governo iraniano defenderam publicamente o estabelecimento de embargos contra Israel, mas analistas apontam que a Opep não parece disposta a adotar ações desse tipo.
Quais são os impactos mais duradouros sobre o mercado?
As incertezas sobre o futuro da extração de gás natural em Israel podem ter impactos no suprimento europeu. Hoje, cerca de 3% das importações de GNL europeias vêm do Egito e, antes da guerra, havia perspectiva de aumento dessa fatia, dada a busca por reduzir a dependência do suprimento russo. Agora, o cenário fica incerto, pois parte do suprimento de gás do Egito vem de Israel.
A Rystad Energy aponta que, caso a tensão prossiga, é possível que haja uma interrupção na produção do campo Leviatã, maior produtor de gás em Israel, com extração de cerca de 59 milhões de m³/dia. Há ainda receios sobre possíveis ataques a infraestruturas de gás em Israel.
Segundo a consultoria, existe também a possibilidade de que o país perca US$ 4 bilhões de investimentos em projetos de exploração e produção anunciados para os próximos três anos.
“Isso pode minar o progresso que estava sendo feito na normalização de uma região que viu significativo sucesso exploratório e a descoberta de recursos de baixo custo”, disse a Rystad em relatório.
Marques, da FGV, aponta também que aumentaram as incertezas sobre o andamento do projeto de construção do gasoduto que conectaria as reservas do Mediterrâneo oriental à Europa, ligando Israel, Chipre, Grécia e Itália. O custo do duto está estimado em US$ 6,5 bilhões.
“O risco geopolítico dificulta tirar esse projeto do papel”, diz.
Como a guerra está influenciando a geopolítica do petróleo?
Um efeito do conflito deve ser o esfriamento das negociações dos Estados Unidos para o alívio das sanções ao Irã. Uma eventual folga poderia fazer as exportações iranianas de petróleo crescerem. O Irã é um dos principais apoiadores do Hamas e não reconhece o Estado de Israel. “Não há um clima favorável para esse tipo de negociação agora”, diz Marques, da FGV Energia.
Por outro lado, na última quinta-feira (19/10) os EUA suspenderam os embargos econômicos à Venezuela, dada a previsão de realização de eleições no país. Não é possível afirmar que o cenário tem ligação direta com as mudanças geopolíticas recentes, mas um eventual aumento das exportações venezuelanas pode ajudar o suprimento global, ainda que analistas apontem que o crescimento da produção no país deve ser limitado.
“A grande questão é saber o tempo que levaria para que a produção da Venezuela atinja patamares capazes de suprir a necessidade do mercado, pois será necessário um investimento em infraestrutura no país para um aumento expressivo na produção. É mais factível pensar que esse impacto seja mais expressivo para 2024”, diz o professor da UFRJ.
Outro ponto a ser observado é a reação dos países integrantes da Opep e aliados quanto à oferta de petróleo global. O grupo conhecido como Opep+ vem mantendo restrições à produção com o objetivo de manter o preço do barril em patamares elevados. A próxima reunião do grupo está agendada para 26 de novembro.
Analistas afirmam que é improvável que ocorra um alívio nas restrições, devido às perspectivas de uma demanda global menos aquecida em 2024, assim como pelos esforços do cartel para manter a coesão dentro do grupo.